Dilema Médico

duvidas

Ontem à noite recebi o telefonema de uma paciente que não conhecia, mas que estava sendo acompanhada por uma colega que está viajando, participando de um congresso em SP. Apresentou-se dizendo ser paciente da Dra. Fulana e que ela havia me indicado durante sua ausência, coisa que eu já sabia de antemão, pois havia sido previamente combinado com minha colega. A paciente disse que estava com 39 semanas de gestação e a bolsa havia acabado de se romper.

Perguntei da movimentação fetal e da cor do líquido. A resposta foi que o bebê estava se movimentando bem e que o líquido era transparente. Combinei com ela de ir à sua casa para avaliar os batimentos do bebê e conversar. Estávamos em pleno domingo em Porto Alegre, a terra dos 92.5% das cesarianas da Unimed. Aliás, este era o convênio que ela possuía.

Algumas horas depois fomos, eu e Zeza, à sua casa para fazer uma avaliação. As contrações já haviam aparecido, mas estavam frágeis e esparsas, como uma em cada 15 ou 20 minutos, e muito fracas e curtas. Exames de pré-natal, BCFs, pressão, temperatura, posição fetal, etc. todos valores normais. Mas havia um porém…

Ela não nos conhecia, apenas havia escutado que somos a favor dos partos normais. Nunca havia participado do curso de gestantes da Zeza, ou conversado longamente sobre os grandes dilemas do parto, principalmente uma RUPREMA (ruptura prematura de membranas). Estava assustada. Ao seu lado estavam seus pais e seu jovem marido de primeira viagem. Ela mesma contou que havia nascido de cesariana por apresentação pélvica. Depois de uma avaliação cuidadosa e de algumas explicações sobre o que poderia ocorrer sua mãe me perguntou se era seguro um parto normal, e se uma cesariana não seria indicada. Foi então que ela interrompeu minhas explicações aos pais e falou de seus sentimentos e dúvidas. Este foi o ponto nevrálgico do seu parto.

Dr. sei que minha bolsa rompeu e que isso é arriscado, pois o parto pode ser “seco”. Sei também que nessas circunstâncias se faz uma indução, mas se é para induzir eu estou pensando em uma cesariana. O que o Sr. acha?

Veja bem… Eu me encontrava diante de uma encruzilhada: operar uma paciente às 20h de um domingo e voltar para casa a tempo de ver os gols do Fantástico, dormir bem e começar a semana sem atrapalhações e sem correr RISCOS (para mim, por certo), atender meu consultório na manhã de segunda feira… ou esperar o desencadeamento de um parto que poderá ocorrer muitas horas depois, e que talvez acabe em uma cesariana. Que fazer?

E tudo isso por 500 reais…

Façam a escolha. A primeira alternativa é ISENTA de riscos para o médico. Não atrapalha o domingo, não incomoda o consultório pela manhã, não lhe tira o sono, não traz transtornos para a relação com o paciente – afinal foi ELA quem sugeriu a cesariana – e podemos colocar este caso na conta dos “pacientes que optam pela cirurgia”. Jamais um médico que faz esta opção será criticado pela classe ou chamado a dar explicações como réu perante sua corporação.

Já o segundo caminho significa uma noite de dedicação, o olhar de censura dos colegas (deixou essa bolsa rota por horas, tu viu?), a perda das consultas da manhã (por estar atendendo ou dormindo após o parto) e o risco do julgamento por parte da própria família (mas porque o senhor não fez o que eu sugeri?).

E pelos mesmos 500…

Minha resposta foi absolutamente “irresponsável”, ou “imoral”, no entendimento de Richard Dawkins: “Não vejo nenhuma justificativa para partirmos para uma cesariana. A bolsa rota, por si só, não indica uma cesariana e “parto seco” não tem valor na medicina atual: é apenas um mito. Creio que podemos dar um tempo para o seu bebê se ajeitar e suas contrações ficarem vigorosas. É uma questão de confiança e paciência. Vamos descansar e aguardar. Os valores de bem estar fetal estão excelentes. Descanse e aguarde. Ligue se for necessário, a qualquer momento”.

Algumas horas depois ela liga dando entrada no hospital. Ao exame, 6 cm. Cinco horas depois nasce um bebê de 3.180g, parto espontâneo hospitalar de cócoras, sem episiotomia e períneo íntegro. Nesse momento este lindo bebê está no colo de sua mãe, que se movimenta pelo hospital sem nenhum ponto de sutura em seu corpo.

Minha pergunta: Num universo paralelo, onde minha escolha fosse diferente, o que uma paciente diria diante das seguintes palavras de seu médico: “É verdade, a bolsa rompeu e você nem está com contrações. O colo deve estar fechado e teremos que induzir. Podemos provocar as contrações no hospital e ainda assim ter que fazer uma cesariana, e você teria os dois sofrimentos: as contrações e a recuperação da cirurgia. Você tem razão: o melhor é partir para a cirurgia e poupar você de tanta dor…

A família respiraria aliviada. Afinal, a decisão do doutor lhes retira o peso e o pânico de esperar o desfecho demorado de um parto normal. Fazer a cirurgia abreviaria o sofrimento de aguardar pelo parto, evento tratado de forma apavorante, aterrorizante e dramática pela cultura, a ponto de ser totalmente “desnaturalizado”, imaginando ilusoriamente que o controle cirúrgico do evento pelas mãos dos profissionais lhe configura mais segurança. “Sim, melhor aceitar o conselho do doutor. Uma cirurgia é a melhor escolha. Afinal, o melhor é quando mães e bebês estão bem, certo? A forma de nascer não importa de nada. E, além disso, o doutor deve estar certo, já que estudou tanto para isso…

Será que me fiz entender sobre os dilemas de uma indicação cirúrgica no contexto dos planos de saúde e na classe média contemporânea? ______________________

Para quem quiser ler o artigo “Dilema Médico” traduzido para o francês por Hélène Vadeboncoeur

LE DILEMME D’UN OBSTÉTRICIEN-GYNÉCOLOGUE : ATTENDRE APRÈS UN ACCOUCHEMENT OU FAIRE UNE CÉSARIENNE ?

Ricardo Herbert Jones.

Reproduit le 29 juin 2015 sur Facebook par Movimento Nascer Melhor, traduit par Hélène Vadeboncoeur, Ph.D, chercheure en périnatalité, le 15 juillet 2015.

Hier soir, j’ai reçu l’appel d’un patiente que je ne connaissais pas, mais qui était suivie par un collègue en voyage, en train d’assister à un congrès à Sao Paulo. C’était une patiente de Dr. Fulana et celle-ci lui avait recommandé de m’appeler durant son absence. Je la connaissais, comme collègue. La patiente a déclaré qu’elle était à 39 semaines de grossesse et que ses eaux avaient crevé.

Je lui ai posé des questions sur les mouvements du bébé et sur la couleur du liquide amniotique. Elle m’a répondu que le bébé allait bien et que le liquide était transparent. Je lui ai dit que j’irais chez elle écouter le cœur du bébé et parler avec elle. Nous étions un dimanche, à Porto Alegre, ville avec un taux de césariennes de 92,5 % (Unimed).   Elle accepta.

Quelques heures plus tard nous sommes allés, moi et Zeza (ma femme qui est sage-femme) chez elle, pour faire une évaluation de la situation. Elle avait commencé à avoir des contractions, mais celles-ci étaient faibles et peu fréquentes (toutes les 15-20 minutes). Test prénatal, FBC, tension artérielle, température, position fœtale : tout était normal. Mais il y avait quelque chose…

Elle ne nous connaissait pas, mais elle avait entendu que nous étions en faveur de l’accouchement naturel. Elle n’avait pas participé aux rencontres prénatales animées par Zeza, ni discuté longuement des questions controversées reliés à l’accouchement, en particulier de la rupture prématurée des membranes. Elle avait peur. À ses côtés prenaient place ses parents et son jeune époux. Elle a dit qu’elle était née par césarienne (présentation par le siège). Après mûre réflexion et quelques explications sur ce qui se produirait, sa maman m’a demandé si un accouchement naturel était sécuritaire, et si une césarienne ne serait pas plutôt indiquée. C’est alors que la jeune femme a interrompu mes explications à ses parents et a parlé de ce qu’elle ressentait et de ses doutes. Ce fut un point tournant.

Le médecin sait que mes eaux ont crevé et que c’est risqué car l’accouchement se ferait ‘à sec’. Je sais aussi que, dans ces circonstances, on induit mais je pense aussi à la césarienne. Qu’en pensez-vous?”Vous voyez… J’étais à la croisée des chemins: ou bien une césarienne faite à 20 heures le dimanche, et je serais de retour à la maison à temps pour voir les buts de Fantastique, j’aurais une bonne nuit de sommeil et je commencerais la semaine sans problèmes et sans prendre de risques (pour moi, à coup sûr). Je serais à mon bureau le lundi matin… ou bien j’attendrais que se déclenche l’accouchement – ce qui pourrait n’arriver que plusieurs heures après, et qui pourrait aboutir à une césarienne. Que faire ?

Et tout cela pour 500 reais…

Choisir. Le choix de faire une césarienne est sans risque pour le médecin. On la fait le dimanche, cela ne dérange pas les heures de bureau le lundi matin. Cela ne nuirait pas à ma relation avec la patiente – après tout c’est elle qui a évoqué la césarienne, et ce serait classé dans la catégorie ‘les patientes qui optent pour l’opération’. Jamais un médecin qui choisit de faire une telle césarienne ne sera critiqué par ses pairs ni appelé à s’expliquer devant le Collège des médecins.La deuxième optioin signifie une soirée dédiée à accompagner cette femme lors de son accouchement, le regard réprobateur de collègues (vous avez laissé cette femme accoucher combien de temps après la rupture des membranes ?), l’annulation des rendez-vous avec vos patientes durant la matinée (parce que vous attendiez qu’elle donne naissance ou vous deviez dormir une fois celle-ci arrivée), le risque d’un procès de la famille (pourquoi n’avez-vous pas fait ce que j’avais suggéré?).

Et tout cela pour 500 reais.

Ma réponse, dans la perspective de Richard Dawkins, fut absolument “irresponsable” ou “immorale”: ”Je ne vois aucune raison de vous faire une césarienne. Des membranes rompues ne sont pas une indication de césarienne, et le concept de ‘naissance à sec’ est un mythe. Je pense que nous pouvons attendre un certain temps que votre bébé se positionne pour le travail et que les contractions s’intensifient. C’est une question de confiance et de patience. Nous reposer et attendre. Les paramètres de bien-être fœtal sont excellents. Vous reposer et attendre. Et m’appeler, le cas échéant, n’importe quand.”

Quelques heures plus tard, elle demande à être admise à l’hôpital. Elle est alors dilatée de 6 cm, et donne naissance, 5 heures après, à un bébé de 3 180 g, de manière spontanée en position accroupie, sans épisiotomie ni déchirure périnéale. Depuis qu’il est né, le bébé est dans les bras de sa mère, et elle se déplace dans la chambre de l’hôpital, le corps intact.

Ma question : dans un univers parallèle, où mon choix aurait été différent, que dirait ma patiente des paroles de son médecin: “C’est vrai, vos membranes sont rompues et vous n’avez pas de contractions. Votre col est fermé, et nous allons devoir provoquer l’accouchement. Nous pouvons le faire à l’hôpital, et il se peut que cela aboutisse en césarienne. Vous vous retrouveriez alors à avoir affronté deux difficultés : les contractions et la récupération de la chirurgie. Vous avez raison : il est préférable d’opter pour la chirurgie et de vous épargner la douleur des contractions.

La famille pousserait alors un soupir de soulagement. Après tout, la décision du médecin lui enlève un poids et l’inquiétude relativement au bon déroulement d’un accouchement naturel. Opérer abrège la souffrance reliée à l’attente du bébé, à l’accouchement, un événement considéré comme terrifiant, terrifiant et dramatique dans notre culture, au point d’avoir été complètement ‘dénaturalisé’. Où on a l’illusion – à tort – que le contrôle de l’événement au moyen de la chirurgie le rend sécuritaire simplement parce que celle-ci est aux mains de professionnels de la santé. “Oui, vous devriez suivre l’avis du médecin. La chirurgie est le meilleur choix. Après tout, c’est le bien-être des mères et des bébés qui est le plus important, n’est-ce pas ? La manière de naître n’est pas importante.

“En plus, la manière dont un bébé naît n’est pas importante.”“Et, en outre, ce que le médecin fait est sûrement juste, il a étudié si fort pour devenir médecin !

C’était mon opinion sur le dilemme posé par une indication chirurgicale, dans le contexte des plans de santé et de la classe moyenne.

2 Comentários

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2 Respostas para “Dilema Médico

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  2. Sandrine

    Eu até hj (6 anos depois) não sei se tive “bolsa rota”. Tive uma pequena perda de líquido e nenhun sinal de parto. Mas a conduta foi a do “vamos aproveitar minha folga (da GO)… Podemos provocar as contrações no hospital e ainda assim ter que fazer uma cesariana, e você teria os dois sofrimentos: as contrações e a recuperação da cirurgia” (ctrl+v). Foi isso que acomteceu. Roubou meu primeiro parto (e por causa desse furto, me roubaram o segundo 4 anos depois…) alegando risco ao bebê…

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