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Fracassos

Em 1955 o ator britânico Charles Laughton decidiu investir na carreira de diretor de cinema após uma frutuosa carreira como ator. O filme escolhido foi “The Night of the Hunter” (O Mensageiro do Diabo, no Brasil), um filme sombrio sobre um pastor de uma igreja (Robert Michum) que nas horas vagas era um cruel assassino em série. O filme foi baseado na história real de um sujeito chamado Harry Powers que se aproximava de viúvas e as matava para ficar com seu dinheiro.

O filme, com suas explícitas referências ao expressionismo alemão, foi um estupendo fracasso de público e crítica. A década de 50 foi uma época de ferrenho macarthismo e controle restrito sobre “obscenidades”; o filme foi desaconselhado por um parecer da “Legião da Decência” (National Legion of Decency) pela forma como retratava o casamento. Tanto nas bilheterias quanto na crítica americana conservadora o filme desabou, deixando um rombo imenso nos cofres da United Artists. Em razão desse retumbante insucesso Charles Laughton desistiu da ideia de dirigir e morreu de câncer 7 anos mais tarde, com apenas 63 anos de idade.

Creio ser essa história relevante apenas porque, décadas depois do seu lançamento em 1955, este filme se tornou cult, tratado como um clássico do cinema, reverenciado e citado por diretores do porte de Spielberg, Scorsese, Spike Lee, os irmãos Cohen e Guillermo del Toro. Em 2017 o “Cahiers du Cinema” o considerou o segundo maior filme da história. Existem referências a esta película até em “O Grande Lebowski“. O que é interessante neste “case de fracasso” é que ele mostra que muitas vezes um trabalho não reconhecido e desprezado quando do seu lançamento não carece necessariamente de qualidade, apenas está adiante do seu tempo. Em verdade, como já diria Nietzsche, este é o grande teste: qualquer coisa que obtenha sucesso imediato poderá ter grandeza, mas dificilmente será transcendente. Para ser algo perene, como a obra de Van Gogh, é necessário que o impacto inicial da obra venha a machucar os sentidos, fazendo doer os olhos e torturar os tímpanos, pois estas são as dores de parto de uma nova perspectiva estética, moral, ética, filosófica ou científica.

Einstein dizia que, ao ser confrontado com uma nova ideia e ela não lhe parecer de imediato absurda, é melhor esquecê-la, pois ela carece do impacto necessário para os grandes saltos da humanidade. Assim também com as novidades corriqueiras que nos atingem todos os dias; mesmo quando parecem tolas, inconsequentes ou equivocadas, talvez estejam apenas anunciando o porvir, aguardando pacientemente que estejamos preparados para elas.

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