Arquivo do mês: fevereiro 2024

Horror e Culpa

Na segunda guerra mundial é dito que as câmaras de gás foram criadas porque os fuzilamento de inimigos carregavam dois graves problemas: o uso de uma munição cada vez mais escassa em não combatentes e as graves repercussões psíquica nos soldados a quem era dada a tarefa de matar com tiros na nuca jovens, mulheres e até crianças. Não raro, os soldados nazistas tiravam a própria vida como forma desesperada de escapar do martírio de culpa e dor diante da barbárie de seus atos. Com o tempo, apenas os psicopatas mais renitentes suportavam as execuções. Diante de tamanho custo, uma forma mais asséptica de assassínio coletivo foi elaborada.

Na campanha genocida de Gaza, um fenômeno semelhante começa a acontecer. Incapazes de justificar os massacres, o assassinato de mulheres e crianças indefesas pelos bombardeios de seus modernos aviões, Israel começa a ver crescer um enorme contingente de soldados transtornados por suas ações criminosas. Da mesma forma como ocorreu com os nazistas, os recrutas e aviadores agora tomam consciência plena do que significa bombardear uma mesquita, uma igreja, um hospital, matando tudo e a todos sem qualquer respeito pela vida de um povo. Não há como manter a sanidade diante de tantas atrocidades, algo que o filme “Corações e Mentes” já denunciava quando avaliou a repercussão da guerra do Vietnã na saúde psíquica dos soldados americanos que retornavam para casa.

Em Israel, muitos são os soldados que se recusam a atuar na Palestina. Em um caso famoso de 2014, um grupo de elite do exército sionista que atuava na Cisjordânia negou-se a compactuar com a opressão sistemática exercida sobre os habitantes palestinos das cidades ocupadas. Para estes militares, serem os agentes de uma brutal opressão sobre uma população oprimida e sem recursos tornou-se um fardo moral demasiado pesado para carregarem. A questão moral passou a se tornar um elemento crucial na coesão do exército sionista, deteriorando sua união e ameaçando as hierarquias. Assim como era impossível passar pelo charco das execuções nazistas sem enlamear suas botas, também agora é impossível cometer todos os crimes de guerra até hoje catalogados e não se sentir participante de um holocausto racista e desumano. Os próprios recrutas – jovens de diferentes nacionalidades e culturas – aos poucos perceberão o quão destrutivas são – para si mesmos – suas ações contra um grupo humano desarmado e indefeso. Não há como manter a sanidade mental quando se adentra o inferno de uma guerra racista e genocida.

No filme “Valsa com Bashir” toda a narrativa é construída sobre o sentimento de culpa obliterante de um jovem judeu que participou do massacre de Sabra e Chatila. Seu esquecimento dos acontecimentos daquela madrugada de 16 de setembro de 1982 estava relacionado com sua vã tentativa de apagar da memória os fatos e cenas terríveis que protagonizou ao lado de seus amigos soldados no sul do Líbano. Como o filme deixa claro, não há recalque que se mantenha para sempre; um dia “o retorno do recalcado” há de cobrar de cada um de nós a responsabilidade pelos eventos que constroem nossa subjetividade. Não pode ser diferente para estes que, agora, participam do horror e dos massacres em terras palestinas; mais cedo ou mais tarde haverá uma cobrança, seja ela social e jurídica, ou pela culpa mortífera que, por fim, destruirá o sujeito por dentro.

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Lavagem

Hoje lembrei que a chegada do meu amigo judeu que participou do “Taglit” (viagem de 10 dias para Israel, oferecida a jovens da comunidade judaica, também conhecida como Birthright Israel) ao Brasil foi logo após o histórico massacre de Sabra e Chatila. Este é reconhecido mundialmente como um dos mais bárbaros crimes de guerra da segunda metade do século XX, e o mundo ainda estava chocado com a crueldade do ataque contra barracas lotadas de refugiados, na maioria enquanto ainda dormiam. Perguntei o que ele achava daquilo, esperando que houvesse ao menos consternação com as mortes de milhares de mulheres e crianças no assentamento, o qual estava cercados pelo exército sionista.

Para lembrar, em 16 de setembro de 1982 os sionistas (comandados por um monstro, Ariel Sharon) permitiram a entrada nos assentamentos de Sabra e Chatila das milícias falangistas de extrema direita do Líbano, em busca de vingança pela morte do “presidente” do Líbano ocupado, Bachir Gemayel. Quando questionado sobre o horror do massacre, sua resposta foi dar de ombros, dizendo: “Imagine dois grupos que nos odeiam, um querendo matar o outro. Sim, permitimos que os direitistas do Líbano fizessem isso aos palestinos no assentamento que estava sob nosso controle. Qual o dilema ético? Eles que se virem”.

Minha tese é que a lavagem cerebral produzida nas jovens mentes sionistas é violenta e profunda, deixando quase nenhum espaço para um questionamento crítico ou para que ao menos esta visão supremacista e genocida de mundo seja desafiada. Esta posição me lembra um movimento religioso da minha época, os “Meninos de Deus”, que fizeram sucesso na minha juventude, mesclando sexo, drogas, música, espiritualidade e boas pitadas da mais inequívoca perversão, mas também se assemelha ao que hoje pode ser visto nos bolsominions da terceira idade, vomitando palavras de ódio enquanto se enrolam na bandeira de Israel.

Para saber mais sobre essa mácula na história dos direitos humanos, e uma demonstração da perversidade sionista, vejam a animação Valsa com Bashir.

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Birthright

Lembrei hoje de um colega da escola médica porque na época da faculdade ele fez a conhecida viagem de “intercâmbio” de jovens para Israel – chamada de Taglit, ou Birthright Israel – que muitos, se não todos, judeus de classe média faziam ainda quando bem jovens. Quando voltou estava transformado, com incontido patriotismo por Israel. Perguntei a ele, por curiosidade, qual sua opinião sobre a região, o país, as guerras, a construção da nação e sua experiência com o povo de lá. Ele me descreveu detalhadamente sua perspectiva sobre o “conflito” na Palestina, trazendo uma visão totalmente enviesada, que é exatamente para o que servem estas viagens com a juventude judaica: produzir uma lavagem cerebral profunda, para introduzi-los na narrativa sionista.

Na sua explicação escutei todos os clichés que me acostumei a ouvir a partir de então sobre “um povo sem terra para uma terra sem povo”, “a guerra dos bárbaros árabes contra os bravos judeus”, “os heróis da independência”, “a villa in the jungle”, “a única democracia entre ditaduras sangrentas” etc. Outra coisa que me chamou a atenção foi sua visão sobre “Sabra e Chatila“. Ele estava em Israel exatamente na época da invasão e ocupação do sul do Líbano, quando ocorreu o massacre do campo de refugiados palestinos por milícias cristãs libanesas. Na madrugada do dia 15 de setembro de 1982, o Exército de Israel ocupou Beirute Ocidental, mesmo depois de se comprometer a não fazê-lo, tendo como contrapartida a saída da OLP para a Tunísia. “Tão logo a ocupação foi concluída, as tropas israelenses – comandadas por Ariel Sharon – cercaram os campos de refugiados de Sabra e Chatila. No dia 16 de setembro, o alto comando israelense autorizou às tropas falangistas cristãs, sedentas de sangue, a entrarem nesses dois campos de refugiados para realizar uma chacina contra a população civil que ali vivia, concretizando a vingança pela morte do ultradireitista Bachir Gemayel, presidente do Líbano ocupado”. (Breno Altman, vide mais aqui). Um filme muito interessante sobre este massacre patrocinado por Israel (entre tantas outras atrocidades) é a animação “Valsa para Bashir“. 

Tão logo voltou ao Brasil, sua explicação sobre o massacre que ocorreu tão próximo de si, está em plena sintonia com as narrativas sionistas que percorrem o campo simbólico até hoje. “Permitimos que dois inimigos nossos – libaneses e palestinos – se matassem mutuamente. Onde está a falha ética? Eles que se entendam”, explicou-me, de forma altiva. Na época eu nada sabia sobre a causa Palestina, o Nakba, e a resistência da OLP. Também acreditava que Yasser Arafat era um “terrorista”, que os árabes eram selvagens e que os sionistas desejavam a paz; por ignorar tantos aspectos importantes do conflito, lembro com vergonha de ter concordado com vários dos seus argumentos. Afinal, como poderia contestar, quando toda informação sobre a região na época era filtrada por uma imprensa claramente imperialista e favorável ao colonialismo?

Hoje resolvi olhar no seu Facebook para saber o que ele pensava sobre o massacre de agora, os 30 mil palestinos mortos, as crianças amputadas, o horror do genocídio contra a população civil, a limpeza étnica e, sem surpresa, percebi que ele se mantém aferrado ao preconceito sionista, usando palavras de ordem que vão desde “os palestinos não existem”, “vamos destruir o Hamas”, “eles morrem porque usam crianças como escudos humanos” e até “é imoral comparar o holocausto com essa guerra”. E, claro… não poderiam faltar os ataques a Chomsky, todos os judeus que apoiam a Palestina e os indefectíveis ataques ao presidente Lula e à esquerda, pelo crime de se posicionarem contra o mais brutal massacre contra civis do século XXI. O Birthright cumpriu seu objetivo, e manteve um sujeito prisioneiro de uma ideologia racista e supremacista desde a juventude até quase a velhice. Não há como não reconhecer a potência de um modelo que engessa mentes utilizando o holocausto como fonte de inspiração e identidade.

Com tristeza percebi que a faculdade de Medicina não é capaz de criar profissionais capazes de um olhar crítico sobre a sociedade, prontos para enxergar esta profissão de uma forma mais abrangente e complexa do que as simples tarefas operacionais de classificar, diagnosticar doenças e aplicar sobre os pacientes as drogas que nos ensinaram a prescrever. Acabamos sendo o sustentáculo de uma sociedade capitalista e patriarcal, sem perceber o quanto disso se reflete nas próprias doenças que tentamos tratar. Meus contemporâneos do tempo de escola médica, com raríssimas exceções – acreditem, ser de esquerda na Medicina é uma posição muito solitária – se tornaram conservadores em sua grande maioria, sendo alguns deles despudoradamente reacionários e fascistas, cuja paixão pela humanidade – a arte de curar e o questionamento das razões últimas que produzem as doenças – foi esquecida no banco de uma sala de aula da faculdade, durante uma classe de fisiologia, há muitas décadas.

Só me cabe agora lamentar…

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Suplementos

Por trás dessa crescente e vigorosa indústria de suplementos estará o interesse econômico, como sempre, mas para lhe dar sustentação ideológica oferecemos uma perspectiva “adorcista”. Ou seja: a ideia de que somos carentes de substâncias essenciais, vitaminas, lítio no cérebro, elementos de defesa, eletrólitos, hormônios, etc., que só podem ser supridos artificialmente, algo que nossa tecnologia avançada já pode oferecer. E isso tudo é colocado sobre os ombros de seres que sofrem eternamente a maldição da “falta”, tanto que só conseguem gestar, parir e amamentar sob o controle externo (afinal, lhes falta competência). Plantamos a semente da defectividade e pronto: temos um mercado bilionário…

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Os Espíritas e a Palestina

É impressionante (mas não deveria surpreender) o número de espíritas evangélicos (os chamados “espíritas cristãos”) que apoiam de forma explícita as ações de Israel em Gaza. Inobstante as imagens dos massacres, as 16 mil crianças mortas, o ataque desproporcional, a clara intenção de limpeza étnica e a ação genocidária de Israel eles se mantém fiéis à luta contra o “terrorismo” e ao direito sagrado do “povo escolhido” de ter a posse daquela terra. Usam a bandeira deste país em suas mídias sociais como emblema de sua fidelidade à “terra de Jesus”. Outros ainda defendem a morte dos palestinos dizendo tratar-se de um “karma coletivo“.

Esse é um tema interessante, e quem transitou pelo espiritismo já se deparou com esse conceito. Ele basicamente estabelece que certos grupos sofrem punição coletiva por erros e atrocidades cometidas no passado. Assim, os aviadores nazistas teriam se reunido num voo que incendiou e caiu no oceano – mas nenhuma menção aos americanos que chacinaram 1/3 dos habitantes da Coreia do Norte na guerra de libertação daquele país. Claro, as punições “divinas” dependem do nosso julgamento. A mesma sentença foi aplicada aos soldados dos exércitos de Napoleão, Gengis Khan, etc, que pelos seus crimes foram punidos pela lei do Karma. Sim, na mente de muitos espíritas habita o velho Deus malévolo, vingativo e cruel dos hebreus. Por certo que não são todos os espíritas que assim pensam, mas uma parte considerável, em especial os grupos ligados à “religião espírita” e os mais conservadores.

No atual episódio, os palestinos teriam cometido atrocidades no passado, as quais seriam a causa do sofrimento atual. Assim, os sionistas nada mais são do que “instrumentos divinos” para aplicar a punição necessária a quem cometeu delitos graves no passado. Ahh, e que fique claro que o holocausto sofrido na segunda guerra mundial contra a comunidade judaica da Europa também teria sido guiado pelas mesmas normas jurídicas punitivas celestiais. Crime e castigo.

Pois agora vejo os espíritas, que como eu estudaram na escola dominical estes personagens bíblicos, defendendo o direito sagrado dos judeus sobre a Palestina, tratando a população nativa – que habita a região há mais de 2 milênios – como invasores ilegais. Não sabem eles dos horrores que são cometidos em nome dessa ideologia abertamente racista e explicitamente fascista contra gerações de palestinos. Estes espíritas não têm noção do desprezo que os sionistas nutrem por eles e por todos os ditos cristãos, a quem consideram inferiores e subalternos. É tempo de acordar para a realidade perversa, racista, cruel e destrutiva do sionismo. Existem muitas provas da ideologia francamente racista que domina a mentalidade de Israel. Pensem, com sinceridade, se o mundo pode conviver com tamanha perversidade.

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Homens que odeiam as mulheres

Existe um texto profundamente misândrico que circula pela internet no qual se lê, com as tintas marcadas pelo mais profundo ressentimento, que os homens não amam (su)as mulheres, não tem por elas qualquer apreço e apenas as desejam para diversão; querem apenas fazer sexo com elas. Usam-nas como troféus, adereços, carne animada, brinquedos que exibem aos amigos como prova de sua capacidade fálica. O texto oferece uma perspectiva dos homens (não de alguns, mas do gênero inteiro) como sendo o ápice do egocentrismo na criação divina, sendo o desprezo pelas mulheres o esporte mais cultuado entre eles. O texto é adorado por uma parte das feministas, que amam publicá-lo sempre que algo de ruim lhes acontece em relação aos homens. Ato contínuo, dezenas de mensagens se seguem abaixo do texto ao estilo “Tamo junto miga, não passarão”.

O que mais me impressiona neste libelo anti-masculinista é seu inequívoco clamor supremacista. Sim, para que dissemina este texto os homens odeiam as mulheres; têm por elas desprezo e ódio, e apenas se relacionam para o seu prazer egoístico, seja pelo sexo ou pela procriação, para terem alguém que leve adiante seus genes. Não se importam com sua música, sua arte, sua inteligência, suas inegáveis virtudes, seus múltiplos talentos e passam a vida a explorá-las em serviços domésticos desgastantes e tediosos. Santas ou putas. Já as mulheres…. são todas puras. Seu amor pelos homens é inquestionável. Totalmente desinteressado, sem viés, sem segundas intenções, sem atitudes dissimuladas ou malévolas. Por certo que jamais usariam estas bestas peludas para o prazer; ora, quem ousaria se interessar por seres sem delicadeza, brutalizados e insensíveis? E sobre o ódio… não, apenas pena por sua existência estéril e medíocre.

Desta forma, não há como aceitar a ideia de que os homens odeiam o sexo oposto, enquanto as mulheres os acolhem e amam (algo difícil de entender em algumas escritoras contemporâneas), sem mergulhar em uma visão abertamente supremacista, que considera as mulheres moral e intelectualmente superiores aos homens. Como se Deus (ou a evolução das espécies) houvesse dotado as mulheres de valores morais e espirituais que sonegou aos homens, em troca de alguns músculos, barba, bolas e um punhado a mais de testosterona.

Cada vez que leio sobre o tema me pergunto se estas mulheres algum dia em suas vidas se preocuparam em entender o que significa ser homem. Quais os desafios que o masculino impõe a cada um que pretende transitar em sua perspectiva planetária? Qual o sofrimento inerente a cada um que, ao caminhar pela trilha da incompletude, precisa encontrar nas mulheres seu elemento faltante, a peça essencial da qual carece? Quais os dilemas e sofrimentos inerentes à condição de homem que não podem ser percebidos à vista desarmada, e só podem ser compreendidos depois de uma investigação meticulosa sobre sua essência?

Acreditar que apenas um dos gêneros é capaz de tantos defeitos e deméritos é diminuir a própria potencialidade feminina, colocando-a como subalterna até na capacidade de fazer o mal. Eu, de minha parte, considero as mulheres tão competentes quanto os homens nos empreendimentos humanos, tanto para a luz quanto para a mais obscura das bestialidades.

Na imagem, Elisabeth Bathory, um anjo exemplar…

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O Futuro da Palestina

A narrativa que Israel e seus defensores tentam nos impor é de que antes de 7 de outubro de 2023, entre o Rio Jordão e o Mediterrâneo havia um país em paz, com equidade, justiça social e democracia. Tanto é verdade que uma festa para a juventude israelense ocorria poucas quadras distante dos muros do campo de concentração, onde estavam aprisionados “terroristas” perigosos – em sua maioria mulheres e crianças. Eis que, subitamente e sem qualquer motivo, um bando de “pessoas más”, árabes perversos e assassinos, fugiu da prisão de Gaza, matando e sequestrando inocentes. Por que razão fariam isso, se vivem num país que celebra há poucos metros a liberdade, a vida e a democracia? O mundo imediatamente se solidarizou com os pobres israelenses pegos de surpresa enquanto celebravam seu amor pela vida. Os relatos imediatos sobre “estupros”, bebês em fornos e crianças com suas “cabeças decepadas” foram disseminados largamente pela imprensa ocidental, e com o correr das semanas mostraram-se absolutamente falsos, mas a mídia continuava a oferecer a imagem de uma luta do bem (o ocidente) contra o mal (o oriente).

Para fazer prevalecer a perspectiva sionista era necessário dar a entender que o 7 de outubro era uma espécie de “big bang”, a explosão primordial de revolta árabe que deu início a uma reação intensa de vingança e retaliação. Com esta perspectiva, os israelenses – e 90% da imprensa corporativa ocidental – procuravam apagar o Nakba (a catástrofe de 1948) e o que se seguiu: 7 décadas de torturas, mortes, assassinatos, violências, massacres, despejos, desrespeito e a tentativa de eliminar o povo palestino de seus direitos, expulsando-o de sua própria terra. Para justificar suas ações retaliatórias desproporcionais, que atingem crianças e mulheres em sua maioria, desumanizam o povo palestino chamando-o de “animais”, e usam o termo “terrorista” para se referir aos combatentes do Hamas e outros grupos de resistência, rotulando negativamente os guerreiros que lutam há décadas, sem recursos e sem exército, pela dignidade do seu povo, resistindo à ocupação violenta e ilegal.

Todavia, as táticas de controle da narrativa e desinformação produzidas pela mídia corporativa não podem funcionar indefinidamente. Não é mais possível mentir para todos o tempo todo. A “carta do holocausto”, usada como salvo conduto para as atrocidades de Israel, não está mais funcionando, como já alertava Norman Finkelstein em seu livro “A Indústria do Holocausto”. Não há como justificar o morticínio palestino usando como desculpa algo que vitimou as comunidades judaicas na Europa há um século, e uma tragédia não pode oferecer ‘as suas vítimas um passe livre para toda sorte de perversidades. Inobstante o numero assustador de mortes e as crueldades cometidas pelo “exército mais covarde do mundo”, o povo palestino jamais desistirá de sua luta por liberdade, segurança e autonomia. A verdade já chegou ao mundo inteiro, e Israel está se encaminhando célere para a condição de pária internacional. Com o tempo, até os seus maiores apoiadores, os americanos – que consideram este país como seu maior porta aviões em uso – vão desistir de Israel, e aqueda dos governos racistas será inevitável.

Lula está certo em denunciar ao mundo que as práticas de Israel são as mesmas levadas a cabo por Adolf Hitler na guerra mundial de meados do século passado. A crítica de que o “holocausto judeu”  não é comparável a nenhuma outra tragédia humanitária é, em si, um resumo do racismo sionista. Este mesmo sofrimento ocorreu diariamente nos 75 anos de ocupação da Palestina através da fome, da miséria, dos abusos, da segregação e da violência. A exigência de exclusividade do termo para o sofrimento do povo judeu é uma das marcas do sionismo. Por se julgarem especiais, o “povo escolhido”, acreditam que sua dor é única, como se não houvesse outras tragédias, inclusive aquelas que eles mesmo impuseram ao donos da terra que agora ocupam.

Por estas razões, Israel é um país destinado ao fracasso, da mesma forma como o racismo e o apartheid da África do Sul também estavam condenados a desaparecer. Não há como manter um modelo racista e um apartheid explícito sem que, com o tempo, o resto da comunidade das nações reconheça sua imoralidade. O mundo inteiro testemunha o massacre em Gaza, e a imagem internacional de Israel é de uma nação criminosa, sem qualquer respeito pela vida humana, comandada por psicopatas e genocidas e com o apoio de sua população. Nunca Israel teve suas entranhas tão escancaradas e pudemos ver suas vísceras apodrecidas, produzidas por arbítrio, abuso, intolerância e preconceito. O destino do racismo israelense só pode ser o desaparecimento, para que de suas cinzas possa nascer um país multinacional que congregue judeus, árabes, cristãos e palestinos de todas as raças, cores e credos, numa nação plural e democrática.

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Velhas paixões

Ficar velho é uma prática constante de surpresa consigo mesmo. Não há um dia que se passe sem que eu me assombre com minha imagem refletida na parede da memória. Olho para minhas ideias da juventude e me surpreendo ao encará-las como quem olha para uma antiga paixão. “Como pude amá-la tanto, exaltá-la com tanta devoção, a ponto de sequer conseguir imaginar viver sem ela?”.

Pois o endurecimento insidioso das articulações tem, como consolo, o alargamento das nossas percepções do mundo. O que outrora nos parecia uma lei, dura e incoercível, passa a ser um conselho, uma diretiva, uma escolha entre tantas. O que nos parecia imperdoável, nos parece apenas humano.

A velhice nos traz o direito de reconsiderar, reavaliar, esquecer e transmutar.

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Portugal

Ao que tudo indica, Portugal está a caminho de um desastre por nós conhecido, e prepara-se para eleger um candidato da extrema direita nas próximas eleições, alguém que se oferece ao eleitorado como algo “diferente”, moralmente “superior” e “impoluto”. Diferente “disso tudo que está aí, taokei?”. Há pouco o Brasil passou pelo mesmo processo e elegeu um psicopata para a presidência, que quase destruiu a estrutura energética do Brasil, roubou mais do que nenhum outro presidente da história do Brasil, comprou 51 imóveis com dinheiro vivo sem ter ganhos para isso, entre outras falcatruas como propinas e joias. Foi uma aventura macabra que causou milhares de mortes por descaso e negligência na pandemia. A Argentina, pelas mesmas razões, escolheu a tragédia anarcocapitalista de Milei, e pagará um preço ainda mais alto, com a destruição do patrimônio público, desemprego, inflação, recessão e revolta popular.

O que existe de semelhante na história destes mandatários é a escolha ilusória pelo “diferente” sem perceber que estes três políticos representam o mesmo neoliberalismo que, aplicado nas economias emergentes de todo o planeta, afundou suas finanças. Em comum, eles atacam seus adversários através de uma pauta moral – os outros são sempre ladrões e de caráter nefasto – mas não demonstram nenhuma diferença do que tanto criticam assim que assumem o poder. Apelam para a força, prometendo mais cadeia, mais repressão, o uso da mão dura contra os criminosos, liberação de armas, ataques às artes e à academia, sem questionar a estrutura social que produz e dissemina a criminalidade. Todos erram no diagnóstico mais essencial: o problema não está nos políticos e sequer na política (que deploram), mas no sistema capitalista decadente que se mostra incapaz de resolver as grandes questões do século XXI – entre elas a miséria crescente, a iniquidade, a concentração crescente de riquezas, os conglomerados financeiros – verdadeiros abutres – as guerras e o declínio do meio ambiente. O que tanto denunciam em seus discursos inflamados – mas sem ousar dizer seu nome – nada mais é que o próprio capitalismo, a doença ardente e corrosiva que consome o planeta. Como na medicina, continuam a se fixar nas lesões na pele sem perceber que elas são apenas os sintomas externos de um envenenamento interno, insidioso, progressivo e incurável. Ao invés de combatê-lo, preferem tomar ainda mais veneno, na vã esperança de que isso possa produzir algum benefício.

Bolsonaro será preso nos próximos dias, pela quantidade imensa de provas de sua incompetência e de seus desmandos. Sérgio Moro, o juiz do projeto “mani pulite” brasileiro, será preso também por ter agido como a ponta de lança imperialista dentro do judiciário, tendo se corrompido por usar a justiça com objetivos políticos. Os filhos e ministros de Bolsonaro também se dirigem céleres para a prisão pelos ataques à democracia. Quase todo o “entourage” bolsonarista está em vias de ser condenado por conspiração contra o Estado Democrático de Direito e por corrupção.

Na Argentina a inflação disparou de forma descontrolada e o desmanche da estrutura pública por este governo – saúde, energia, educação – vai levar ao caos e ao levante operário. Inúmeros analistas demonstram clara desconfiança de que Milei possa chegar ao fim do seu mandato mantendo um discurso pró imperialista, neoliberal entreguista e de suporte ao genocídio sionista de Israel. A falta de consciência de classe está trazendo a emergência da extrema direita oligárquica e pró imperialista. Os exemplos desastrosos do Brasil, e agora da Argentina, deveriam criar anteparos para a eleição de novos líderes que se colocam “contra isso tudo”, pois que eles na verdade são a continuação do desastre, um modelo concentrador de renda que se baseia no desmanche do patrimônio público e na vinculação com os poderes imperialistas. Lamento que Portugal tenha que trilhar o mesmo caminho de retrocesso dos países da América Latina, que inevitavelmente o fará vítima do populismo da extrema direita – como nós já o fomos.

Boa sorte.

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Minimalismo

Minimalismo, no meu conceito, é um estado de espírito, uma forma de encarar a vida e o consumo, não um conjunto de regras para serem cumpridas ou levadas ao cabo, como se fosse a “religião da escassez”. Baseia-se na regra dourada de Sêneca, que afirmava que “a pobreza não surge da falta de recursos, mas da multiplicidade dos desejos”. Para haver a dor da falta há que primeiro existir o desejo de possuir.

Somos seres constituídos de forma distinta e complexa, e em nossa arquitetura psíquica dormitam falhas e vazios que, muitas vezes, preenchemos com “cargo”, coisas, badulaques, matéria, comida e emoções. Entretanto, o que te faz falta pode ser irrelevante ao outro. Sempre vai haver alguém que sente mais a falta de algum conforto moderno, algum bem material e mesmo um afeto banal, e não há dúvidas que muitos vão desapegar de quase tudo – até dos amores, enquanto outros ficarão eternamente encarcerados pela penúria.

Mesmo que eu entenda a dificuldade de largar algo, como uma roupa, um carro, um livro, um eletrônico, acredito ser ainda mais necessário – e muito mais desafiador – o desapego das vaidades e das disputas de ego, pois este é o mais complexo de todos os minimalismos. Livrar-se da falsa imagem de si mesmo, desapegar-se do seu orgulho rastejante, abrir mão das vaidades oportunistas são formas fundamentais de retirar matéria acumulada das próprias costas, cujo peso faz atrasar nossa verdadeira missão.

O verdadeiro minimalista não se interessa pelos bens alheios e não faz julgamentos sobre o que é necessário, útil ou adequado aos outros. Espera-se dele que seja minimamente responsável pelas escolhas que faz, para si mesmo e para o planeta.

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