Arquivo do mês: setembro 2021

Parto e Fotografia

Hoje é difícil de avaliar, mas o impacto há 20 anos passados dos primeiros slideshows sobre parto foi incrível. Eu lembro das lágrimas das pessoas quando assistiam nos congressos que eu participava, e como isso tocava a todos de forma tão intensa.

O parto e sua estética foram redescobertos com a popularização das câmeras fotográficas digitais. Eu lembro de uma aula que fui dar sobre parto normal e parto de cócoras no Hospital da Aeronáutica em meados dos anos 90 e recordo a dificuldade que havia para conseguir imagens de parto. Qualquer uma. Era preciso procurar em livros, ou em revistas médicas para falar de posições, episiotomias, coroamento, etc. A iconografia do nascimento era inexistente, ou dificilmente acessível. A internet virou tudo isso de cabeça para baixo.

Naquela época, algumas mulheres me diziam no consultório que achavam bizarro ter um filho nessa posição “verticalizada” porque o bebê poderia “cair lá de cima”. Então eu me levantava e fazia como o Moyses Paciornik: ficava de cócoras com a bunda quase tocando o chão e dizia para elas fazerem o mesmo. Depois eu explicava que, para o bebê ter espaço para nascer, precisava até subir um pouco as nádegas. Essa demonstração, para muitas delas, era reveladora.

A imagem era um fator impactante para um mundo onde o parto havia sido escondido das pessoas – inclusive as mulheres – pelo processo de medicalização e hospitalização. Quando foi possível enxergar de novo como era um parto, com toda sua potência crua e feminina, foi como um portal se abrindo.

Para poder mostrar às minhas pacientes como era o processo de partos pedi licença para fotografar algumas gestantes no plantão do SUS que eu fazia na época. Esses bebês hoje tem por volta de 25 anos de idade. Eram fotografias com câmera Kodak de filme de rolo comum, e as tenho até hoje, mas na época provocaram um forte impacto nos casais que as viram.

Finalmente eu comprei uma máquina digital jurássica que meu irmão mandou dos Estados Unidos por volta de 1995. Era uma Kodak DC50, uma espécie de tijolo cinza, enorme, que podia tirar umas 7 ou 8 fotos antes de precisar descarregar no computador, e custou uma pequena fortuna (uns 250 dólares) em uma promoção. As imagens eram de baixíssima resolução, mas essa máquina me permitiu fazer os primeiros slideshows com um programinha que vinha em um CD vendido nas bancas de jornal.

Lembro bem da reação que eu tive ao terminar o meu primeiro projeto: estava sozinho no consultório e caí em um choro convulsivo depois de assistir. Então liguei para uma doula amiga minha – e que estava no parto fotografado – e disse a ela que tudo o que a gente passava de perseguição e violência valia a pena, pois o parto era um milagre, uma beleza sem fim. Sim, mais parecia papo de bêbado, mas minha droga era apenas ocitocina.

“Birth is all about rithym” já dizia Penny Simkyn, e a combinação da música com as imagens de parto oferecia a sintonia adequada para acompanhar as modificações fisiológicas, emocionais, psíquicas e espirituais que estavam acontecendo. As músicas, com as imagens sobrepostas, nos faziam viajar nas emoções do parto, reviver cada passo, cada sentimento, cada momento de tensão e cada emoção pela chegada de uma nova vida.

Com o tempo foi possível filmar, mais do que apenas fotografar. Meu filho Lucas, que morava em Londres, comprou uma pequena filmadora e me deu de presente. A partir daí todos os partos eram filmados e todas as pacientes recebiam um CD de presente, o qual chamávamos de “resgate da memória”, para que ela pudesse ver e recordar cada momento que a amnésia da ocitocina lhe havia privado em seu parto.

De todas as coisas que sinto falta na atenção direta ao parto uma das mais significativas é a adrenalina de sentar na frente do computador e viver de novo cada instante do parto que tínhamos acabado de auxiliar. Uma sensação inefável, grandiosa e inesquecível.

Por isso eu sempre digo que sou o sujeito mais afortunado do mundo. Apesar da violência com que minhas propostas foram recebidas, e das injustiças que tive de suportar, passar 34 anos cuidando de gestantes torna a vida de qualquer um valiosa e abençoada.

Deixe um comentário

Arquivado em Histórias Pessoais, Parto

Medicina e Lucro

Logo após me formar fui trabalhar como médico no hospital da Aeronáutica. Lá implantei um sistema de redução de cesarianas muito simples e prático e que deu muito certo no tempo em que lá trabalhei. Descrevi isso no livro da Robbie – “Birth Models that Work”. Ok, mas isso é outra história. Pois, como eu estava dizendo, eu trabalhava apenas meio turno no hospital da Aeronáutica e, por esta razão, comecei a atender em uma Policlínica, que aqui nós apelidávamos de “trambiclínicas“.

Estas são (ou eram) clínicas privadas que fazem contrato com empresas para oferecer assistência aos seus funcionários em atendimentos de ambulatório e hospital. A regra era a mesma de qualquer negócio: minimizar despesas e maximizar lucros. O pagamento aos médicos era ridículo; só recém formados se dignavam a atender lá, como forma de adquirir experiência e ajudar a pagar a prestação do fusca. A rotatividade era alta; quase nunca as pacientes completavam um tratamento com o mesmo profissional.

A policlínica nem existe mais. Aliás, quase todas elas foram tragadas pelos convênios médicos. Afinal, por que pagar pelas instalações de uma clínica se você pode usar o consultório do próprio médico para realizar as consultas? Ele que arque com as despesas para mantê-lo – secretária, impostos, água, luz, etc. Bingo!! Uma forma de terceirizar despesas e manter os ganhos.

Nessa empresa a fonte principal de recursos era a Pirelli, empresa de pneus de uma cidade próxima. Era esse o contrato que sustentava a clínica, e por isso todo o cuidado era dado a ele.

Certa vez atendi uma paciente por esta policlínica que acabou fazendo uma cesariana. No dia seguinte ao nascimento do bebê recebi uma mensagem no BIP (sim, sou velho nesse nível) pedindo para ligar para a direção da policlínica. Liguei e fui atendido pela secretária do “chefe” que, justiça seja feita, não era médico, mas administrador de empresas.

– Dr. Fulano disse para o senhor dar alta para a paciente.

Pedi para repetir porque não entendi direito a mensagem e ela voltou a dizer exatamente a mesma frase. Perguntei a razão e ela explicou que “esse convênio da Pirelli custa muito caro para a policlínica, e não tem como ficar mais de dois dias”.

Expliquei que uma alta é responsabilidade apenas do médico que presta o atendimento e que um administrador não pode determinar isso por conta de fatores econômicos. Ela insistiu e disse que eram “ordens do chefe”.

Eu disse a ela, então, que ele próprio me ligasse ou viesse me falar isso pessoalmente. Ela desligou o telefone e ele jamais veio tratar do assunto comigo. A paciente teve alta no dia correto e eu pedi demissão na semana seguinte.

O caso da Prevent Senior (os kits de Covid distribuídos sem o consentimento de pacientes) só causa surpresa em quem não conhece a tragédia que é transformar saúde e acesso à medicina em um negócio lucrativo. Não tenho nenhuma dúvida que histórias banais como esta estão na memória de muitos médicos que transitaram por estes caminhos. Medicina e lucro são coisas que jamais deveriam se misturar. Saúde é um direito humano, não algo que pode – ou não – ser comprado por quem padece por uma doença.

Deixe um comentário

Arquivado em Histórias Pessoais, Medicina, Pensamentos

Sexualidade masculina

Vocês bem sabem que não sou psicólogo, psiquiatra ou mesmo da área psi. Tudo o que falo é por que sou velho, e os velhos acumulam informações e pensamentos em demasia. Estes, ao mesmo tempo que queimam os folículos pilosos da cabeça, precisam de expressão sob pena produzirem constipação e gases.

Li agora uma placa numa escola americana sobre o “dress code” das alunas, dizendo que cada vez que a escola reclama do comprimento do short – ou da alça do sutiã das meninas aparecendo – estão perdendo uma oportunidade de educar os meninos de que as garotas não são “objetos sexuais”.

Desculpem ficar chocado com isso, mas eu realmente não entendo como pode este discurso ser ainda tão prevalente.

É claro que os abusos devem ser coibidos e até punidos, em especial na escola, pois ali temos crianças em formação. Devemos impedir ao máximo que meninas tenham seus corpos tocados ou invadidos sem autorização. Devemos educar sobre “body shaming”, “slut shaming” (desculpem os anglicismos) e qualquer ato que desmereça as meninas e suas capacidades. Porém…

Meninas são objetos sexuais e não há o que se possa fazer sobre isso. É da nossa constituição psíquica desejá-las. Pedir para um adolescente parar de olhar para as meninas como objetos sexuais faz tanto sentido quanto solicitar a um gay que não tenha pensamentos… gays.

As mulheres são objetos de desejo dos homens desde os primórdios, e só por isso estamos aqui. Por outro lado, é claro que não gostamos da palavra “objeto”, pois ela coisifica pessoas, entretanto o erro está apenas quando REDUZIMOS alguém à condição de objeto, quando todas as suas outras dimensões subjetivas, sociais, emocionais e espirituais são apagadas para ressaltar apenas sua “persona sexual”. O mesmo é feito com os proletários, retirando deles a condição de sujeitos e reduzindo-os apenas a engrenagens inominadas de uma máquina de produção. Portanto, não está na essência, mas na forma como objetualizamos alguém, e na extensão dessa coisificação.

Mas o que me apavora é a ideia que existe por trás deste tipo de cartaz. Parece que, pela brutal incompreensão do que seja a sexualidade masculina, algumas pessoas imaginam ser possível perverter sua expressão para um modelo mais “adequado”, “civilizado”, ou quem sabe mais “feminino”. E veja, não se trata de modificar os modos machistas que ainda persistem – com o que todos devemos concordar – mas mudar a própria essência do desejo objetual masculino, fazendo os homens deixarem de desejar as mulheres, suas formas e seus encantos.

Quem em sã consciência consegue imaginar alguém em uma escola doutrinando meninos adolescentes para que não olhem e não sonhem com as meninas sem que isso esteja em um sketch de comédia juvenil?

Acho que ultrapassamos os limites quando ao invés de combatemos o machismo, a violência de gênero, os abusos, as humilhações e as agressões culpamos a própria sexualidade masculina, como se ela fosse, “equivocada” e suja. A modernidade produziu uma noção curiosa: o desejo masculino heterossexual é o “desejo errado”. Ao invés de tentarmos coibir o machismo e suas ramificações na cultura procuramos inutilmente anular o próprio desejo masculino, o que me parece apenas sexista e criminoso.

Deixe um comentário

Arquivado em Pensamentos

Pouca mesmo

Meu caríssimo amigo Maximilian, depois de meses sem dar as caras, ligou esta manhã para um longo choramingo a respeito de figuras pouco iluminadas que atravessam seu caminho. Lá pelas tantas, depois de gastar sua artilharia de adjetivos, soltou essa pérola:

– … e depois, sem mais delongas, voltou a vomitar platitudes, escorregando em sua verborragia viscosa, demonstrando não passar de mais uma vítima da pocanálise, que a tantos incautos ataca…

Perguntei porque ela seria uma vítima da “psicanálise”, pois jamais me ocorrera que ela um dia tivesse se embrenhado na escuridão solitária e fria desta aventura pelo discurso. Ele me respondeu:

– Você ouviu errado, ela é vítima da “pocanálise”, mesmo, um escasso ou insuficiente transcurso pela escuta de si mesma, o que a faz repetir autoelogios e a torna cega para as reais motivações que guiam sua vida.

Ahh, entendi. E acho que sim; uma análise faria maravilhas naquele corpitcho

Deixe um comentário

Arquivado em Pensamentos

Entre a Luta e a Resistência

Eu as vezes acho que as esquerdas, ao serem tão pró-establishment, fazem o jogo que a direita gosta e aplaude.

Pensem bem; Bolsonaro foi eleito com um discurso anti sistema, contra os poderes, contra o “globalismo”, criticando as grandes corporações. Em suma, contra o mundo inteiro, tal qual ele se apresenta a nós. Por causa disso, por representar a mudança (falsa, é verdade) ele angariou milhões de simpatizantes. O discurso de contraposição aos governos, de revisão de valores, de mudança de modelo econômico e de reversão de valores foi cooptado pela direita.

A direita, assim, se tornou proativa, colocando a esquerda como reativa, acuada, nas cordas, na defensiva. A esquerda entregou a narrativa à direita, e se adaptou à condição de “resistência”. Isto é, “vamos resistir ao que eles fazem conosco”. Passividade assumida. Assumimos aquele cartaz infeliz de algumas marchas “Parem de nos matar!!”.

Para quem viveu a ditadura, a abertura democrática, a constituinte e viu ressurgir a esquerda no Brasil testemunhar o grito “Obedeçam às autoridades” vindo do nosso campo é muito estranho. Bizarro, eu diria. Oferecer essa narrativa de enfrentamento aos mauricinhos não me desce pela garganta.

Vejam, por exemplo, a pandemia. Não vou me ater à eficácia de qualquer tratamento, mas a postura da direita foi desde o princípio como contestação do status quo. Inobstante estar equivocada, a direita se mostrou crítica e contestadora, enquanto a esquerda se mostrou submissa à autoridade, seja da ciência oficial, da OMS, das empresas farmacêuticas, da TV, dos grandes conglomerados industriais. Empresas mafiosas multinacionais tornaram-se heroínas nesta batalha, as mesmas cujas práticas foram historicamente denunciadas pelos partidos à esquerda. Desde quando Bill Gates e George Soros poderiam servir de exemplos para socialistas??

Mesmo no meio da paranoia e das teorias de conspiração mais fajutas, é notável o empenho da nova juventude de direita em produzir mudanças no cenário atual de crise aguda do capitalismo. Por certo que elas se resumem ao aprofundamento da distância entre as classes, mas ao menos a eles é oferecida a honra de lutar contra os gigantes do capitalismo “globalista”. Eles se esforçam em fazer, enquanto nós nos acomodamos na re-ação.

Enquanto a esquerda glorifica seus antigos adversários, oferecendo apenas complacência e concordância, a direita seduz os jovem a lutar “contra tudo isso que tá aí, taokey?

A direita procura heróis, a esquerda mártires..

Deixe um comentário

Arquivado em Política

O Especialista

Outro tema que eu considero interessante é o surgimento do “especialista”. Quando se fala essa palavra imediatamente associamos “qualidade” ao sujeito que a carrega. “Pode ficar seguro, ele é especialista no assunto”. Pois eu sempre tive reservas quanto a essa tendência, porque considero o culto à especialização é algo claramente limitante.

Meu pai, ao contrário, era um generalista. Meu avô paterno também. Ambos eram capazes de falar sobre qualquer assunto com desenvoltura. Eram curiosos, guardavam “cultura (in)útil”, contavam histórias, conheciam lugares, tinham uma percepção abrangente do mundo, possuíam uma curiosidade ativa e um pensamento crítico aguçado. Gostavam de se definir como “livres pensadores”.

Todavia, não eram especialistas em nada. Não se dedicavam a uma parte apenas do conhecimento. Tinham essa visão abrangente da cultura e do conhecimento, e gostavam dessa perspectiva que tinham do mundo.

Pois eu creio que os especialistas, na estrutura tecnocrática da sociedade, acabam se tornando perigosos. Pedir a opinião de alguém que enxerga o mundo pelo funil de sua especialidade é sempre arriscado. Pedir que um especialista em parte elétrica avalie um motor o fará olhar para ele por este viés. Nos médicos isso é sempre complicado, porque se criou a ideia equivocada de que o especialista é um sujeito mais qualificado, o que é um erro. Bem sabemos o que os especialistas em patologia obstétrica tendem a pensar sobre partos. Os médicos generalistas deveriam ser 80% da assistência à saúde no Brasil, e os mais bem pagos, exatamente porque 80% dos transtornos da saúde entram no escopo de ação desses profissionais.

Infelizmente a perspectiva que valoriza o especialista ainda é hegemônica na sociedade. Entretanto, creio que eles deveriam ser acionados apenas nas raras situações em que um saber muito específico precisa ser acionado. Infelizmente não é assim, e todos os dias vejo gente consultando especialistas de forma equivocada, em situações nas quais o generalista daria conta do recado de forma muito mais rápida, segura e justa.

Deixe um comentário

Arquivado em Pensamentos

Diferenças

Tenho uma tese que carrego há décadas. As divergências morais e intelectuais entre os humanos são muito pequenas. Assim como nas minúsculas diferenças genéticas que temos com nossos primos primatas, as distâncias entre gênios e sujeitos comuns são ainda menores. No grande espectro são desprezíveis. As nossas discrepâncias são muito menores do que as semelhanças. Ainda mais posso dizer entre gêneros e “raças”. Não há qualquer diferença moral ou intelectual entre homens e mulheres, ou entre qualquer etnia.

A diversidade observada pode ser facilmente explicada pela história e pela geopolítica dos últimos 80 séculos, o que não é nada se levarmos em conta que isso representa menos de 5% do tempo em que vivemos na Terra. Exaltar um grupo especial ou desmerecer outro com essencialismos provou-se tolo e sem embasamento. Acreditar que homens são mais burros ou violentos que mulheres e que negros são mais nobres que brancos – e vice versa – só serve a quem semeia divisões e mentiras.

Não é apenas a quantidade de informação o elemento essencial para a valorização de um profissional, mas o valor que se dá às pessoas que realizam estas funções. Não fosse assim um astrofísico ganharia mais do que um astro… de futebol, e uma professora ganharia o mesmo que um médico e assim por diante. A valoração que damos é muito mais política e cultural do que baseada no acúmulo de saberes e técnicas.

Deixe um comentário

Arquivado em Pensamentos

Especismo

Chorar por um golfinho ou uma baleia mortos na praia é um sentimento nobre; já saborear um atum não causa nenhuma crise de consciência na imensa maioria de nós. São todos grandes animais aquáticos, mas um deles não desperta empatia. Por quê?

Não é “amor aos animais” o que nos faz sofrer por eles, pois amamos apenas alguns. Cães, gatos, cavalos, baleias, golfinhos, mas jamais ratos, baratas, mosquitos, gambás, cobras e escorpiões. Nossa seletividade ocorre porque nosso amor é por nós mesmos, pois nosso sentimento só se revela quando é possível SE VER no animal. No fundo é a identificação quem determina o afeto.

Deixe um comentário

Arquivado em Pensamentos

Informações perigosas

Minha tese a respeito das investigações é simples, e tem a ver com os estados psíquicos induzidos pelas informações. Para mim, a comunicação – em especial tudo o que dizemos aos pacientes – TAMBÉM contém riscos. Uma informação inútil pode se tornar algo extremamente perigoso.

Por exemplo: quantas vezes atendi partos em que a única avaliação do tamanho do bebê havia ocorrido pela palpação, ou por uma ecografia bem precoce. No dia do parto… tóóóóin, nascia um bebezão de 4.400g. Pois eu pergunto: como se comportariam TODAS as pessoas envolvidas no parto – incluindo mãe, família e equipe – na presença de uma ecografia apontando um bebê de 4800g (imaginando que a ultrassonografia erre por 10%)? Que tipo de resiliência a uma parada de progressão haveria no transcurso do trabalho de parto? Que tipo de paciência haveria diante de um período expulsivo prolongado? Quanto sobraria de confiança a esta mulher e seu companheiro diante da sentença “fatídica” de um bebê “enorme”?

Pois agora respondam o que aconteceria a uma mulher cujas mamas foram “avaliadas” pela sua possível capacidade (ou não) de produzir leite ANTES de estar efetivamente amamentando. Que mulher investiria na continuidade da amamentação diante de uma avaliação “preocupante”? Quem insistiria em um projeto de amamentar com um rótulo grudado no peito dizendo “mamas incompetentes”? Quem se manteria firme ao ver surgir a primeira fissura ou ao ver que seu bebê que não entra na curva de crescimento da pediatra?

Façam o seguinte: avaliem meninos de 15 anos de idade para saber seu o pênis deles vai funcionar adequadamente quando tiverem relações sexuais. Não precisa nem dar nota, basta olhar, examinar e depois coçar o queixo dizendo: “hum, não sei não. Acho que está bom, mas vamos ver”. O que acham que ocorreria?

Eu digo: uma explosão no diagnóstico de impotência. Ou… um aumento vertiginoso nas vendas de Viagra ou até mesmo de tratamentos para aumento de pênis. E talvez UM em 100.00 tivesse realmente um problema verdadeiro relacionado à sua capacidade de ter relações sexuais satisfatórias relacionada ao seu pênis. Desta forma, essas avaliações são SEMEADURAS DE INSEGURANÇA, mas que nenhuma vantagem produzem.

No caso das mamas, se houver uma (raríssima) incapacidade de produzir leite, que diferença faz saber durante o pré-natal? O que esse diagnóstico presuntivo ajudaria esta mãe? O mesmo eu digo das ecografias invasivas e suas informações inúteis, que quase só disseminam pânico, e nenhum benefício. As vantagens para os profissionais e o sistema capitalista nós já sabemos, mas qual a vantagem para os pacientes?

Tetas erradas = bacias erradas. Fazer diagnóstico de ambas “de olhada” é um erro. E esse erro vai transmitir à mulher (mais) uma mensagem de sua longa lista de defectividades culturalmente determinadas. Também vai dar a ela uma excelente oportunidade para desistir na primeira dificuldade. “Afinal, não tenho mesmo passagem, ou minhas tetas são atrofiadas. Para que insistir?”

E mais… “Toda mãe sabe parir e todo bebê saber nascer”. Sim, mas nem todos sabem interpretar essa frase, porque parimos e nascemos antes de termos qualquer consciência disso. Portanto, parir e nascer são coisas que “sabemos” muito antes de termos condições de racionalmente “saber”.

As falhas não ocorrem por falta de “saber”, mas talvez pelo oposto: criar expectativas e racionalizar sobre um fato pulsional e automático, sobre o qual quanto menos a mulher racionalizar, melhor ocorrerá.

Uma breve história: conheci um paciente de quase 70 anos no estágio de urologia da residência médica, o qual veio ao hospital para operar uma hipospádia. Isto é; a uretra saía no meio do pênis, para baixo, e não na ponta. Com isso ele urinava para o chão e tinha um pênis muito encurtado.

Enquanto fazíamos a avaliação pré operatória, meu colega (ingênuo e desatento) lhe perguntou: “Por que o senhor não veio antes? Digo, há muitos anos mesmo. Poderíamos consertar isso e o senhor teria uma vida normal, com filhos e tudo”.

Quando ouviu isso o “colono” acostumado com a lida da roça respondeu com o sotaque alemão característico e de forma rude:

“Filhos? Pois eu tenho 6, com 3 mulheres diferentes. E não estou pensando em parar”.

Se alguém tivesse lhe dito que não podia, ou que era insuficiente, talvez não fosse tão fértil. Oferecer ajuda é diferente de induzir anomalias onde ainda não existe nenhum problema real.

Deixe um comentário

Arquivado em Ativismo, Medicina

Psicologia da violência

Essa “brincadeira” vai e volta nas redes sociais. Tudo bem, entendo o humor, mas cabe uma resposta mais séria.

“Estes são apenas antigos aparelhos de tortura infantil. Deixam marcas na alma sempre; no corpo às vezes. Deveriam ser expostas em um museu para as pessoas entenderem que o espancamento de crianças produziu uma geração que votou em alguém que acha a tortura aceitável.”

Deixe um comentário

Arquivado em Pensamentos, Violência