Arquivo do mês: março 2022

Pesquisas científicas

Pesquisas científicas são produzidas pela necessidade humana de estabelecer um conhecimento seguro da realidade externa. A simples análise dos fenômenos por um observador isolado usando seus aparelhos sensoriais pode ser – e frequentemente é – enganosa. O trajeto do sol pela abóbada celeste produziu durante milênios a percepção errônea de que o astro-rei girava ao redor do nosso planeta, que se mantinha central e estático em relação ao universo. Todavia, quando esta ideia foi confrontada através de pesquisas baseadas em método ela se mostrou equivocada, pois não satisfazia o rigor das análises matemáticas aplicadas à relação da Terra com o restante do universo.

A pesquisa científica é basicamente o senso comum submetido ao método de avaliação de um específico fenômeno. Para isso são necessários critérios e abrangência para que a avaliação seja o mais universal possível. Para que a pesquisa possa ser considerada válida ela necessita estar ancorada em uma análise sistemática e precisa, e mesmo assim ela será considerada sempre como “provisória”, pois que os achados científicos podem ser falseados por uma nova análise, com novas perspectivas e utilizando novos instrumentais, que nos mostram o que anteriormente era invisível.

Como já dizia o pensador contemporâneo Maurice Herbert, “Depois de certa idade, não se passa um dia sequer sem que eu me assombre com o desmoronamento de uma antiga certeza, por tantos anos acalentada”. E assim também é com a ciência, que tal qual Penélope – que tecia sua colcha de dia para desfazê-la à noite – introduz um novo conhecimento hoje para desfazê-lo no futuro, próximo ou distante. A pesquisa científica é, portanto, uma característica fundamental do espírito humano, ao conjugar nossa natural curiosidade para desvendar o universo com a necessidade de estabelecer limites, sistemas, métodos e parâmetros nesta busca, evitando assim a natural sedução dos nossos desejos e a falibilidade dos nossos sentidos.

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Defecando em público

Sabe o que sempre me incomoda?

Quando na cerimônia de formatura o orador é chamado para falar em nome dos formandos, pega o microfone, faz os agradecimentos de praxe às autoridades, e depois larga essa: “Em primeiro lugar quero agradecer à minha família, meu esposo Roberto, minha mãe, meu pai, meu amigos….”

Cara!!! Como você pode usar sua posição de representante da turma para fazer agradecimentos pessoais? Como você abusa desse lugar para exaltar a sua trajetória pessoal? Quando você é escolhido para fazer o discurso está levando a palavra, anseios e sentimentos de toda a sua turma e não pode falar em nome próprio. Fazer homenagens particulares é uma falta de bom senso e falta de noção de qual sua real posição.

Por isso me incomoda também quando você estraga uma festa de milhões de pessoas para fazer uma demonstração anacrônica e estúpida de machismo, apenas para dar conta das suas inseguranças de macho. A festa não era dele!! Se houvesse realmente algo a ser defendido, que fosse feito depois da festa, no camarim ou na rua, e não estragando a festa de todos.

O problema é que estas figuras milionárias de Hollywood vivem numa bolha, ou em Asgard, onde circulam em limusines, tem empregados de todas as cores, são tratados como divindades e perdem o contato com o mundo real. Nesse mundo, todos tem a obrigação de saber dos problemas de cabelo de uma das celebridades da corte, e precisam acreditar que alopecia é algo mais grave ainda do que morte, miséria, a guerra em curso, fome, câncer ou qualquer desgraça…. afinal, acometeu uma Deusa.

Por isso é que Will Smith agiu como se estivesse na sua casa e na sua festa, e os milhões de espectadores que se virem com isso. Sua urgência em defender(-se) (d)a mulher diante de uma piada inocente parecia a ele mais importante do que todos os convidados da festa e os milhões que estavam assistindo em casa. Sua negativa em retirar-se quando convidado pelos organizadores tem a mesma marca: “Fui enviado por Deus“, disse ele. Pela sua visão, só o criador teria essa prerrogativa.

Estes fatos patéticos fazem lembrar os reis que chamavam seus servos quando queriam defecar, e depois o faziam na frente de todos. Afinal, sendo ele o Rei, é dever de todos se adaptarem às suas necessidades, seus maneirismos e vontades, e não o contrário.

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Fachada

Vivemos no “Império da Arrogância Racionalista”, um universo que nos faz parecer garotos correndo por todo lado montados em vassouras, com chapéu de jornal dobrado e espada de papelão, crentes de que somos os donos do mundo. Tola ilusão. Nossa razão é tão somente uma fina e transparente camada de verniz a cobrir a alma humana, composta de um núcleo de medos envolto em crenças irracionais. Apesar de minúscula, ela nos confere uma proteção inédita entre os mamíferos dos quais tentamos insistentemente nos distanciar. Entretanto, ela não passa de uma fachada racionalista que, apesar de afastar nossos medos, não os expulsa por completo e não invalida a nossa essência pulsional.

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Pilhou, perdeu

* Na imagem a camiseta personalizada da comunidade, nas cores roxa e amarela, cuja combinação bizarra e esdrúxula foi escolhida para não correr o risco de ficar parecida com a de qualquer clube do país. Meu número é em homenagem, claro, ao partido. *

Existe uma comunidade antiga no Facebook que se chama Futvacas. Foi criada pelo meu irmão Roger Jones como um “spin off” da Progvacas, antiga comunidade de rock progressivo que migrou do Orkut para o Facebook. Pois na Futvacas as pessoas são amigas e torcem para clubes diferentes e o mito fundador desse grupo é a zoação. Ali o “clubismo” é mais do que tolerado; ele é bem vindo. “Isenção é para os fracos”, dizemos.

Criamos uma comunidade para zoar e debochar dos adversários, falando de suas fragilidades, pegando pesado, fazendo gozações, publicando memes etc. “Palmeiras não tem mundial”, “Flamengo mulambento”, “Grêmio rebaixado”, “torcedor do Inter que precisa ir no cartório para ver um título“, “Botafogo cuja torcida cabe numa van”, “Corinthianos maloqueiros” etc. Pura pegação…

Claro, há limites. Sem racismo, sem xenofobia, sem homofobia, sem ataques pessoais ou à honra. Não é uma terra sem lei, mas a gente apostava no bom senso e em uma lei maior que regia a todos:

“Pilhou, perdeu”.

Essa é a regra. Pode zoar todo mundo, mas se o seu time perdesse tinha que aceitar e ser forte para aguentar a troça. “Se ficar brabinho é porque sentiu”. A gente frequentemente diz algo peremptório como “Meu time ganhou de todos vocês, ENAFB”, onde a sigla significa “E Não Adianta Fazer Beicinho”. Ra ra ra ra ra….

Quem responde com rispidez, ou usa “ad hominem” como resposta, perde. Não só perde como sua atitude é apontada por todos como inadequada e derrotada. Perder as estribeiras é a suprema demonstração de fraqueza e de fragilidade, não apenas do interlocutor, mas quem ele representa: seu clube, sua tradição, a região do Brasil onde mora, etc. Ficar irritado é humilhação.

A comunidade exige essa maturidade de quem participa. “Não aguenta a flauta? Não suporta zoação com seu time? Então não desce pro play pra brincar.” Se você não aceita a que os outros mostrem seus aspectos ridículos e menores, suas contradições e falhas, então não merece conviver com gente que usa estas piadas – e o processo de humanização que elas estimulam – para fortalecer amizades.

“Mas porque ficam zoando de mim logo hoje, quando estou triste pela derrota do meu time?”. Pois esta é a função principal da piada: derrubar o ego de quem se acha acima do resto da humanidade, mostrar a nudez do rei, expor o humano frágil em cada um de nós, assim como nossas falhas, nossos erros, nossa pequenez.

Não lembro de ninguém achando que uma piada sobre “a falta de taças de um clube” merecia uma troca de socos, e muito menos que essas coisas ofendiam a honra de alguém. É muito claro para todos os participantes que as atitudes “floco de neve” são absolutamente mal vistas, e talvez a seleção dos participantes seja nossa maior virtude.

PS: Sim, a razão da postagem é lembrar que a vida pública exige maturidade. Ir numa festividade do Oscar e não aceitar a tradição mais antiga da casa – o “roasting”, o deboche com estes artistas e produtores milionários e suas vidas pessoais muito sujas – é ridículo e indecente.

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Desculpas

Eu acho lamentável Chris Rock se desculpar pela piada contada no Oscar, mas acho que ele na verdade está cagando para isso. Um comediante não age dessa maneira. Isso é uma traição ao seu ofício. Essa declaração dada no dia seguinte à premiação é pró-forma, para evitar o brutal cancelamento que pode se seguir. Foi provavelmente escrita pelo advogado dele com o conselho: “faça isso para não se incomodar, olha só o que fizeram com o Dave Chapelle”. A sociedade americana é doente, mas vejo essa doença identitária e moralista migrando para cá. O Chris Rock, do ponto de vista da lei, não cometeu nenhum crime. Não há nenhuma proibição de contar piadas (thanks God!!) nem que ela fosse ofensiva. Nos Estados Unidos (e confesso admirar este detalhe da cultura americana) não há crime nem mesmo se você de mandar um policial à merda. Free speech, a primeira emenda, é para eles algo de caráter sagrado. Já no Brasil autoritário você pode dizer apenas o que os outros deixam você dizer, sejam eles o Estado ou sejam os flocos de neve.

Todavia, esse autoritarismo que controla o discurso para proteger minorias, apesar de entranhado em nossa cultura, tem efeito ZERO no combate que se propõe, basta ver os feminicídios e crimes contra gays, trans e contra a população negra que ocorrem diuturnamente no nosso país. Racismo, sexismo, machismo são elementos da cultura e não podem ser controlados pela justiça ou pelas leis. Continuamos achando que atacar a liberdade de expressão, cerceando a livre manifestação, poderia trazer benefícios para a sociedade. Nossa experiência mostra que isso é um absurdo, um erro, até porque, para cada Chris Rock brazuca maledicente que botamos na cadeia por dizer “o que não devia” (para o delírio dos identitários) carregamos mais 50 ou 100 pobres e negros que falaram de forma ríspida com um policial, uma autoridade, ou foram mortos pela nossa polícia racista e classista defensora do patrimônio.

Torcer pelo proibicionismo, pela censura e na defesa dos “sentimentos feridos” é um tiro no pé, um remédio que mata o sujeito antes de atingir a lombriga.

PS: Foi descoberto algumas horas depois que eu escrevi este texto que o pedido de desculpas do Chris Rock era FALSO. “Faith in humanity restored!!!” Um comediante JAMAIS deveria pedir desculpas por uma piada – desde que seja uma piada mesmo (como foi nesse caso) e não uma desculpa para agredir.

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Sugestão

Quando eu morrer, ao chegar nas portas do inferno, deixarei na caixinha de reclamações o seguinte bilhete:

“Agradeço a oportunidade recebida, as condições para levar adiante seus compromissos assim como a intuição para escolher boas causas. Entretanto, deixo como sugestão para novos empreendimentos que estas causas sejam oferecidas àqueles com níveis mínimos de simpatia. Realizar tais tarefas desprovido de carisma e encanto pessoal é uma tarefa difícil demais. Que aos novos postulantes sejam oferecidas classes de simpatia, sorriso, paciência e sedução antes de serem enviados para este planeta de provas e expiações. Grato pela atenção dispensada”

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Nervos de Aço

De todas as coisas bizarras que eu li nas mídias sociais do Brasil – intensamente diferentes do que percebi nos Estados Unidos – esta aqui está entre as mais incríveis:

“Não sou um especialista em Direito Penal americano, mas o tapa de Will Smith em Chris Rock me parece absolutamente lícito dentro do sistema jurídico brasileiro. Se ele seguisse golpeando, aí seria difícil defendê-lo, mas ele nem amassou o terno. Voltou pro seu lugar depois de dar o seu recado e se recompôs. Pode procurar em qualquer livro de Direito Penal como um exemplo clássico do que seria uma verdadeira legítima defesa da honra.”

Não sei se o sujeito que escreveu esse texto (do qual retirei apenas esta parte final) é advogado – parece que é – mas é inacreditável que, para passar pano para uma agressão absurda e injustificável por causa de uma piada, as pessoas não tem sequer a vergonha de apelar para a famigerada “legítima defesa da honra”.

Curiosamente, essa interpretação (que tantos feminicídios manteve impunes no passado) só valeria para a honra de uma mulher que ficou careca, mas não para um homem feio, barrigudo, calvo ou velho sobre os quais se faz chacota desde quando os sumérios entraram em guerra em Lagash há dois milênios e meio, e muito menos para o pobre coitado que, movido por forte emoção, tomou a justiça nas mãos ao encontrar sua amada “nos braços de um outro qualquer”, como diria Lupicínio Rodrigues. Não, nesse caso a “defesa da honra” não vale – é preciso ter nervos de aço – mas continua podendo ser usada para pessoas milionárias e glamorosas que tiveram o infortúnio de perder boa parte do cabelo.

É impressionante o malabarismo para tentar justificar a estupidez, a grosseria e o machismo anacrônico do senhor Will Smith…

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O tapa na cara do Oscar

Eu sou um defensor ferrenho da liberdade de expressão. Mais do que isso; sou a favor do direito de ofender. Nenhuma sociedade consegue prosperar sem atritos e contraditórios e, apesar de eu não gostar de ofensas, acredito que as pessoas devem ter o direito assegurado de usá-las, pois sua proibição causa um problema muito mais grave do que suportar a carga de ser ofendido. Proibir a ofensa é censura, é ferrar o contraditório. Além disso, aqueles que acham isso inadequado são os que mais ofendem as figuras no campo oposto às suas crenças políticas.

Dito isso, deixo claro que não achei a piada contada pelo Chris Rock no Oscar como sendo ofensiva. A piada contada compara Jada Smith com outra personagem que tinha o cabelo muito curto. Não vejo como isso pode ser inadequado se for dito por um comediante. Creio que a atitude do Will Smith foi uma imensa tolice, um brutal desrespeito com a audiência, uma falta de compostura e todo o espetáculo por ele protagonizado deveria ser reprovado em todas as dimensões.

Will Smith protagonizou um “surto de machão” ofendido que precisava defender a honra da sua donzela. Estas cenas sempre tem um subtexto: vou defender a minha mulher porque ela é incompetente para fazer isso por si mesma, como a gente faria com uma criança que está sob nossos cuidados. Sua frase “Tire o nome da MINHA mulher da sua boca suja” deixa claro que ele está defendendo sua posse. A piada claramente se refere ao cabelo curto dela,e não carrega nenhuma ofensa à honra. Sim, pode haver uma rixa antiga entre estes atores, mas isso não pode justificar que uma diferença pessoal atrapalhe a festa que é de muitas pessoas. O ator de “The Fresh Prince Of Bel-Air” é um imenso babaca. Comparem isso com as piadas do Rick Gervais no Golden Globe – muito mais agressivas – e percebam a diferença no comportamento dos atores que foram atingidos por elas. Will Smith se comportou como um garoto de não mais de 14 anos.

Imaginem se a moda pega e as pessoas resolverem atacar os humoristas com socos por que não gostaram ou não aceitam as piadas, ou porque não aceitam que se façam piadas com questões físicas. O Oscar e o Golden Globe sempre tiveram esse “roasting” como uma de suas principais características. Por que esse ator se acha no direito de estragar uma festa em nome de seus sentimentos feridos de “machinho furioso”?

Um fato subsequente à agressão e que me impressionou foi que a imensa maioria dos americanos nos sites que apareceram logo depois do tapa condenaram a atitude do Will Smith. Na minha perspectiva isso ocorre basicamente pela forte cultura do free speech nos Estados Unidos, que lá funciona como uma espécie de “lei sagrada do mundo livre”. Lá você pode mandar um guarda de trânsito à merda, de forma impune, porque as ofensas verbais são protegidas pela liberdade de expressão. Aposto como no Brasil, pela nossa cultura machista (que exalta demonstrações chauvinistas) e pela nossa longa história de autoritarismo, a reação seria oposta. Aliás, é o que se vê nas redes sociais daqui. Milhões de brasileiros diriam que está correto e justo dar um tapa em alguém que disse uma piada sobre sua esposa – mesmo sem ser ofensiva à honra. Há alguns anos eu critiquei a cuspida estúpida que o Jean Wyllys deu em Bolsonaro no parlamento, mas sempre soube que, mesmo no universo das esquerdas, minha opinião era francamente minoritária. Para a maioria é justo cuspir ou dar um tapa para resolver situações em um “parlamento” – um lugar criado exatamente para resolver as questões na palavra, evitando as violências físicas e morais.

Eu acho que um artista tem a obrigação de manter a compostura, e a ação destemperada e infantil de Will Smith foi absurda. Agredir um comediante é uma grosseria que nem os Reis mais despóticos fariam com seus menestréis – contratados exatamente para isso, humanizar a figura do Rei. Artistas precisam suportar essa carga exatamente por serem pessoas públicas. Por outro lado, o tapa expôs seu descontrole e sua falta de postura. Em situações como essa, “Noblesse oblige”, diria meu pai. Um ator precisa saber que um Oscar não é um boteco onde diferenças pessoais podem ser tratadas publicamente na frente de 1 bilhão de espectadores. Para mim foi uma imensa chinelagem. Um comediante tem a delegação cultural de fazer troça de todo mundo – de tudo e de todos. É sua obrigação, é o seu papel social, e criar guetos ou espaços de blindagem para grupos ou condições é desumano e cruel com estes próprios grupos, pois assevera sua fragilidade e incompetência. Ficar irritadinho é absurdo e careta, um machismo anacrônico e tolo. Infelizmente eu acredito que aqui no Brasil ele seria aplaudido – até pela esquerda – pois a maioria das pessoas acha essa atitude bonita, nobre e romântica. Aqui no Brasil, a coisa é diferente. Agora mesmo vi o post dizendo que “é inaceitável fazer piadas com aquela mulher, visto que ela tinha um problema de alopecia”.

Vou deixar bem clara minha posição: a blindagem aos grupos ditos “oprimidos” – mulheres, gays, trans, negros, imigrantes, etc – apesar de expressar o cuidado com o outro e ser uma ação motivada pela bondade e pela proteção, mantém esses grupos numa condição socialmente inferior. É como as atitudes com deficientes físicos, que apesar de servirem para ajudar desrespeitam sua condição de independência e autonomia. Pergunte a um cego como ele se sente quando alguém tenta fazer por ele algo que ele consegue fazer sozinho!! Se um homem se levanta para defender uma mulher numa condição como esta – onde não havia uma ameaça física em que a testosterona fizesse a diferença – a defesa é abusiva e coloca a mulher numa condição subalterna. “Vou lhe defender porque você é incapaz de fazer isso”. É exatamente assim que agimos com as crianças, e por isso elas tanto se esforçam para sair desta condição.

Este Oscar evidenciou o drama desta geração: os flocos de neve que não aceitam ser ofendidos. Pois eu pergunto: quantos comediantes aceitam piadas com a sua altura (Kevin Hart), sua careca (Jason Alexander, The Rock), sua feiura (Marty Feldman, Zezé Macedo), sua aparência (Chris Farley), seu peso (Melissa MacCarthy, Amy Schummer, Claudia Jimenez) sem terem este tipo de resposta? E vejam, a piada em nada atinge a honra da “mãe” (sim, ela funciona como sua mãe e não como esposa) do Will Smith, apenas brinca com seu cabelo raspado, comparando-a com uma atriz maravilhosa – Demi Moore – que encenou um filme de ação de sucesso. Aceitar que existe justificativa para dar socos porque não gostou de uma piada é pura barbárie. Mais grave ainda foi o que a comediante americana Kathy Griffin comentou algumas horas depois do fato “agora todos temos que nos preocupar com quem quer ser o próximo Will Smith em clubes de comédia e cinemas”. Agora qualquer um pode se achar no direito de distribuir socos em comediantes por se sentir incapaz de suportar uma piada.

Entretanto, achei muito significativa a resposta nas redes sociais americanas. Mais de 90% (minha análise superficial) foi de condenação à sua atitude. Pior, mais do que se comportar como um garoto imaturo e barraqueiro ele estragou a festa do cinema americano e eclipsou o sucesso dos outros vencedores. Meu único medo é que, por alguma razão de natureza econômica, financeira, contratual ou pura tolice, Chris Rock decida se desculpar pela piada. Se isso ocorrer é porque ele não tem fibra alguma, mas eu duvido muito que um genuíno comediante americano, com uma gigantesca tradição de ruptura de barreiras culturais, jogue sua reputação e sua carreira no lixo agindo dessa forma.

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Mendigos

No Brasil do BBB o caso do morador de rua que foi espancado por ter sido flagrado mantendo relações sexuais com a esposa de um personal trainer virou assunto nacional. Inúmeros memes e piadas pipocaram nas redes sociais. Muitas pessoas encontram no inusitado da situação uma forma de entretenimento sarcástico, não se importando com o sofrimento das pessoas envolvidas. Eu acabei assistindo alguns poucos minutos da entrevista que o morador de rua deu para um podcast na internet, e em função do que vi gostaria de fazer algumas considerações.

É consenso entre os profissionais da área que a maioria dos pessoas em situação de rua (este é o termo mais correto) no Brasil não estão nessa condição pela pobreza, pela falta de moradia ou pela escassez absoluta de recursos, mas por um conjunto de fatores (que podem incluir estes determinantes sociais) onde a doença mental desempenha um fator preponderante.

“(…) para Botti et al (2009) o maior problema da área da saúde, que atinge os moradores de rua, refere-se ao sofrimento mental, como: dependência de álcool e drogas em geral e ainda neuroses e psicoses. No que concerne as pesquisas divulgadas, Montiel et al (2015) destaca-se os padrões de personalidade com maiores alterações em moradores de rua, são eles Paranoide, Antissocial, Histriônico e Esquizotípico, bem como, a prevalência de transtorno antissocial.  Pesquisas americanas, ressaltadas por Montiel et al (2015) indicam que cerca de 90% dos moradores de rua receberam um diagnóstico psiquiátrico, onde predominaram transtornos clínicos e da personalidade em padrões Esquizoides, Borderline e Dependente, Psicose e uso de álcool, assim como, esquizofrenia, no Reino Unido (TIMMS E FRY, 1989; FAZEL et al., 2008; BASSUK, RUBIN E LAURIAT, 1984; apud BOTTI et al, 2009, MONTIEL et al., 2015). Já as pesquisas brasileiras realizadas no Rio de Janeiro e Niterói, citadas por Botti et al. (2010) mostra a presença de distúrbios mentais maiores (22,6%), esquizofrenia (10,7%), depressão maior (12,9%), déficit cognitivo grave (15%) e abuso/dependência de álcool (44,2%). Botti et al (2010) salienta que os distúrbios mentais maiores aparecem com maior prevalência em homens solteiros em situação de rua.” (veja o estudo completo aqui)

Não sou psiquiatra, nem da área da saúde mental, mas ao escutar por um período curto o discurso do morador de rua ficou claro para mim que ele parece sofrer de algum desequilíbrio psiquiátrico. Sua descrição pormenorizada e detalhada da relação sexual mantida – verdadeira ou fantasiosa – lembra muito os relatos de psicose onde ocorre uma deserotização do corpo, que aparece na narrativa como “corpo real”. A forma como descreve o encontro parece de alguém que conta uma história de ficção, como um delírio, mas reconheço que não tenho como avaliar o quanto de realidade existe em sua narrativa.

Diante da suspeita de que esse morador de rua possa estar delirando eu creio que dar voz a um sujeito possivelmente doente, para descrever uma cena que constrange esta mulher e a sua família, me parece eticamente inaceitável. Eu diria o mesmo se não houvesse a suspeita de que ele é psicótico, mas minha rejeição se reforça diante de tantas sugestões para a existência desse distúrbio.

Sobre a moça existem duas possibilidades básicas, já que uma terceira – que ela tenha agido sob coação – foi rapidamente descartada, e por ela mesma. A primeira é que se tratava de uma fantasia sexual, o interesse pelo sujeito da rua, que teria lhe dito ou feito algo que despertou seu desejo. Diante da descoberta do seu ato, ela teria usado a desculpa de um surto para tentar justificar o ocorrido. Essa é uma explicação possível, e sua internação na ala psiquiátrica do hospital teria ocorrido para reforçar a tese da perda abrupta de contato com a realidade.

A outra possibilidade é que tenha realmente ocorrido um surto, e que suas atitudes tenham sido guiadas por uma determinação do inconsciente, pelo descontrole do seu aparelho psíquico em controlar tais impulsos. Tudo que ocorreu entre ela e o morador de rua esteve sob o domínio dessa condição psíquica alterada. Ela estaria, portanto, incapaz momentaneamente de tomar decisões sobre si mesma e seu corpo. Esta segunda hipótese também é possível, e nesse caso teríamos uma ou as duas pessoas envolvidas no caso relacionadas com a doença mental. É possível que o morador de rua tenha condições crônicas – a esquizofrenia e o alcoolismo – e a moça um quadro subjacente agudizado – o surto – que fez com que se encontrassem naquela fatídica noite.

De qualquer maneira não acredito que esse caso deva ser usado da forma sensacionalista como estão fazendo alguns programas na Internet. Expor as vítimas dessa maneira cruel me parece inaceitável. Eviscerar a ambos em praça pública e, pior ainda, tratar esse rapaz como “herói”, ou “mendigo galanteador” é injusto e ofensivo com a moça, que pode estar padecendo também de uma doença psíquica grave. Espero que ela possa se recuperar do trauma e, caso seja mesmo diagnosticada com a doença psíquica que aparenta ter, que tenha o direito à privacidade e ao tratamento adequados. Acredito que o verdadeiro “mendigo” dessa história é esse jornalismo miserável, que explora da maneira mais sensacionalista os fatos, expondo de maneira abusiva a intimidade de pessoas, solapando a privacidade de pessoas que podem ter agido condicionadas pela doença mental.

Quanto ao morador de rua, que ele possa se cuidar e que seja tratado pelo que é: alguém doente que precisa de ajuda e não como exemplo, e que se afaste de qualquer exposição ou exploração de seu nome para a política, como tem sido aventado nos últimos dias.

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Arte

Eu não entendo absolutamente nada de música, inobstante gostar de ler comentários, resenhas e críticas musicais. Música é arte e arte é objeto de interpretação, que usa de valores culturais misturados com questões absolutamente subjetivas. Percebi também que a explicação da arte – a sua contextualização geográfica, temporal, cultural, etc – me permite entender a obra e o artista, o que humaniza seu trabalho e me torna próximo de suas ideias e propostas. Muito do que existe codificado em uma obra tem a ver com seu tempo, o lugar onde foi feita e os dramas existenciais que permeavam a vida do artista. A respeito disso eu recomendo um livrinho maravilhoso chamado “Uma Recordação de Infância de Leonardo da Vinci” escrito por Sigmund Freud.

Arte é, no meu modesto ver, a produção simbólica que pretende transmitir uma mensagem para alguém. Essa mensagem pode chegar direta através dos sentidos e produzir impacto nas emoções. Nesse conceito, ela se assemelha ao sexo. O sexo mescla elementos universais – os conceitos culturais de sensualidade e beleza – com aqueles elementos subjetivos, ligados ao inconsciente, únicos e pessoais. Uma mulher (ou homem) vai nos atrair por estas vias da mesma forma como uma obra de arte vai nos atingir pelos caminhos do inconsciente.

Dizer “detesto essa cantora” diz muito de quem a odeia tanto quanto descreve características de quem a admira, mas não existe muita razão para que esta afirmação seja levada muito adiante, porque inevitavelmente ela vai esbarrar no muro das “razões não-sabidas” que governam nossas escolhas. Quando chegamos neste estrato do inconsciente, onde a razão não consegue alcançar, podemos usar sem pudor a expressão “gosto não se discute”. Dá mesma forma o amor; onde puder ser explicado já não será amor.

Escrevo isso porque essa semana eu li uma crítica ao novo trabalho de Anitta. Achei curiosa porque parece existir uma tendência de não apenas valorizar os contextos das obras artísticas (a vida pregressa do artista, suas origens, sua luta, a conquista de um lugar ao sol, a família, os amores, as tretas, a exaltação de seus luxos, seus escândalos, etc), mas torná-los tão relevantes a ponto de ocuparem um lugar mais significativo do que a obra em si. O articulista – que é músico – dizia que “é importante entender a beleza histórica e sociológica do samba baiano industrializado do É o Tchan“. Também falava de sua revolta às “críticas direcionadas ao trabalho de artistas nacionais e pelo fato de que uma crítica a alguém que vem das camadas mais populares (gente de origem humilde) não vai mudar a realidade“. Dizia (e aqui percebi seu ponto principal) que “criticar Anitta e Pablo não conquistará mais ouvintes para o seu próprio trabalho e apenas produzirá uma inevitável antipatia“.

Entendo todos esses argumentos, considero-os relevantes e respeitáveis. Todavia, a simples existência de explicações da obra desses artistas pelo viés extra-musical – as vendas, o mercado, a origem humilde, o espaço, o significado cultural – demonstra que a arte que eles fazem é algo profundamente questionável, a ponto de ser necessário buscar em elementos alheios à música uma explicação que justifique a importância que lhes é oferecida. Estas explicações tentam focar no autor, tornando-o mais importante do que sua própria obra, invertendo as polaridades do que significa uma produção artística. Aliás, trata-se de uma tendência marcante nas críticas contemporâneas e ponto central da cultura do cancelamento, onde as ideias e o trabalho de um artista são menos importantes do que aquilo que ELE é – ou o que nos parece ser.

Eu assisti o clipe da Anitta, quase inteiro. Achei sofrível. A música poderia ter sido composta por um robô. Anitta tenta atingir o mercado latino, por claras razões comerciais, mas todos os cantores populares fazem isso desde que tenham pervasividade suficiente para esta empreitada, Não que isso seja errado, mas percebe-se a música mais como um produto de mercado e vendas, e menos como uma expressão artística. O clipe é uma sequência previsível de simulações de posições sexuais, repleto de caras e bocas. Mas eu não entendo de música, e não entendo o mercado fonográfico. Sei apenas que não gostei e talvez isso tenha a ver com elementos subjetivos que sequer eu tenho acesso. Talvez eu seja careta e tenha dificuldade de admitir. É possível que minha rejeição seja porque sou velho e tenha a mente calcificada, mas eu lembro que sou da geração dos anos 60-70, e que esta geração de agora tem muito mais pessoas caretas e moralistas do que na minha época. De qualquer maneira, esta é apenas uma visão bem pessoal, sem qualquer relevância maior.

Também não consigo escutar Pablo Vittar, porque acho que seu falsete é insuportável e desafinado. Todavia, reconheço sua importância para a visibilidade trans (e eu nem sei se ela é trans ou drag), para as comunidades queer e pela sua história de luta por um “lugar ao sol” no cenário musical. E não apenas na arte, mas também em qualquer campo de atividade humana. Porém… como bem disse o articulista, quem ousa criticar estes ícones de origem humilde e orientação sexual não hegemônica sem angariar antipatia imediata e sem ser taxado de preconceituoso?

Porém, quando a questão é a música – seu valor intrínseco e sua relevância como mensagem – eu creio que não podemos permitir que as questões não-musicais assumam prevalência sobre o objeto principal da análise. Todos os elementos contextuais do artista não deveriam ser mais relevantes do que o produto de seu trabalho, caso contrário estaremos subvertendo o elemento primordial da arte.

E vejam, eu concordo com a tese central: a Anitta não é culpada e nossas baterias não deveriam ser direcionadas contra ela, que é apenas um produto numa prateleira de consumo livre; compra quem quer. Cancelar Pablo ou Anitta, ou fazer campanha (como o crítico musical Régis Tadeu faz) me parece muito mais despeito do que rigor estético. Coisa de gente que estufa o peito para dizer que não assiste BBB, como se isso fosse garantia de erudição.

Todavia, o que me chama a atenção – e reconheço minha ignorância no tema – é debater Anitta e Pablo Vittar colocando sua produção musical como elemento secundário, enquanto aceitamos como valor (em demasia, creio) as suas personas artísticas, seja a ascensão social de uma menina de periferia, seja o espaço conquistado por uma artista queer. Suas artes sucumbem diante da mitologia criada ao redor deles. Parece que estamos dizendo: “Quem se importa que a música seja ruim e o clipe uma apelação grosseira? Olha só essa menina pobre brasileira de periferia conquistando o mundo!!!!”

Sobre o flood de votos para a Anitta, ou ser a mais escutada na plataforma Spotify, creio que existem dois elementos a serem levados em consideração:

1- Curiosidade. “Putz, todo mundo está falando, vou ver o que é“. Foi o que me moveu, até porque eu nunca escutei uma música da Anitta e sequer sei qual seu estilo. Essa música “Envolver” é funk?

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2- Pachecada. “Vamos dar uma força para esta brasileira lutadora”. Eu lembro que um jornal de Porto Alegre reverberou uma enquete internacional sobre qual seria o mais belo monumento do mundo. Havia um explícito incentivo para que os brasileiros votassem no Cristo Redentor, não porque considerassem o mais bonito, mas para garantir uma maior visibilidade para as coisas do Brasil e incentivar o turismo. Pois a notícia acabou chegando na cidade com o pitoresco nome de “Anta Gorda”, situada no interior do RS – perto de Guaporé, Dr. Ricardo, Arvorezinha – e houve um movimento para votar na “estátua da Anta”, que fica na entrada da cidade, com o objetivo de exaltar o município. Evidentemente que não ganhou, mas seria engraçado ver a anta ser a escolhida.

PS: no Jornal Nacional eles explicaram que a música foi lançada há 4 meses, mas só depois que o clip foi mostrado – com coreografia(?) criada por Anitta – a música viralizou. Acho que aqui está o segredo: não é uma música; é um trailer de filme soft-porn.

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