Existe um sujeito que circula no mundo real e virtual a quem todos nós conhecemos. É um indivíduo da classe média, profissional liberal ou comerciante e que diuturnamente fala mal do Brasil e dos brasileiros, mas acima de tudo tenta desmerecer qualquer conquista social dos governos de esquerda. Ele é o “paneleiro”, que saiu às ruas munido de ódio e indignação para pedir o impeachment da presidenta. Se é verdade que para alguns o sentimento era de legítima inconformidade com os erros cometidos pelo governo, para uma enorme parcela a motivação profunda e inconsciente era outra, e esse é o ponto essencial para entender o paneleiro típico.
O comportamento desse brasileiro está na raiz da atitude do colonizador, aquele que explora e vai embora, que goza “na ausência do pai”, sem limites e com total desapego ou lealdade ao lugar onde vive. Sua postura é a do explorador que jamais se conecta com seu lugar, pois não se enxerga nele.
Esse sujeito me lembra muito a figura de um colega médico que há quase 30 anos atrás visitou Paris pela primeira vez. Na volta ao Brasil, rodeado pelos seus colegas no hospital, contava os detalhes da sua viagem exagerando suas virtudes (só o soube muito depois) e minimizando seus defeitos, ainda encantado e deslumbrado pela “cidade luz”.
Todavia, uma frase do seu extenso relato nunca me saiu da cabeça, mesmo após três décadas. Enquanto descrevia os encantos de Paris, em um momento de e abração exclamou: “É esse o lugar que eu mereço viver“. Sua expressão, seu sorriso e sua postura indicavam que a nacionalidade brasileira que carregava como um peso era uma injustiça, mais do que um engano. Ele havia nascido no lugar errado e rodeado da gente “errada”.
Meu colega fazia parte de uma casta brasileira que conheço muito bem por ter transitado pela medicina por quase 40 anos. Eles são os “transidentitários“, sujeitos nascidos no Brasil mas que nunca se sentiram como parte desse país. O sobrenome estrangeiro funciona como um lembrete atávico de que sua identidade “verdadeira” está alhures, em outro país e em outra latitude. Essas pessoas detestam o nosso país, suas misturas, sua pele morena, seu idioma, seus sotaques e seu jeito de ser.
Esse brasileiro que não se aceita como tal, as vezes emigra e se torna um “americano-trans” ou um “europeu-trans”. Era ele mesmo que estava misturado com pobres indignados vestindo verde-amarelo há alguns poucos meses.
Esse sujeito transidentitário por vezes usa toga e sempre que pode vai beber civilização nos Estados Unidos. Volta para cá e lamenta sua língua, sua cor, sua história e sonha com o dia em que uma cirurgia transformativa o fará ser o que sempre sonhou e desejou.