Arquivo do mês: fevereiro 2017

Corpos mutantes

Sem querer ditar regras, mas me permitindo o assombro estético, quem criou a ideia de que pernas com musculatura hipertrofiada em mulheres é algo bonito? Por que uma anomalia produzida em laboratório e que não pode prescindir de drogas anabolizantes virou o padrão estético nas passistas do Carnaval? Por que as mulheres procuram tanto se aproximar da forma física clássica – muscular, dura, forte, intimidadora – masculina? Qual o sentido CULTURAL dessa masculinização estética? O que a forma dos corpos femininos tem a ver com a sociedade em que vivemos?

Homens produzem essas pernas fortes pelo trabalho árduo e pela testosterona anabolizante que produzem. Mulheres quase nunca produzem estas formas naturalmente. Uma perna assim numa mulher é puro artificialismo. Se me permite comparar, é como um homem com seios. A atividade muscular dos homens sempre foi muito mais intensa que a das mulheres. A questão hormonal também é relevante. Somos muito mais musculosos e testosterônicos que as mulheres e isso não é um valor cultural, mas biológico. Um homem musculoso é visto nas estátuas da Renascença, mas NUNCA houve mulheres hipertrofiadas na arte e estes corpos nunca foram admirados como agora. O que houve?

Me parece ser mais do que o poder de produzir  diversidade. É uma tendência das modelos e das mulheres em escolas de samba, mas trata-se de um modelo totalmente artificial – como os dos homens – mas tem um recado a dizer para a cultura. Essa é a pergunta, e não apenas uma questão de diversidade e poder de escolha. Quando as mulheres esmagam seus pés na China ou esticam seus pescoços na Ásia isso nos informa de um valor cultural, uma mensagem da cultura que nos leva aos valores mais profundos de uma sociedade. Não é um fato aleatório, mas uma constatação de dezenas de mulheres da TV que resolvem viver às custas de hormônios e alimentação artificial. Essa é a pergunta que faço à cultura: o que vocês querem dizem com isso?

Em tempo…. não me interessam as escolhas pessoais. Essas estão acima de qualquer debate. Entretanto, uma pessoas fazendo uma tatuagem escrita “Apocalipse” é uma escolha pessoal, mas se centenas de adolescentes resolvessem fazer o mesmo então podemos procurar por um valor (ou um temor) inscrito no campo simbólico e que nos atinge a todos. Da mesma forma não discuto o direito de uma mulher modificar seu corpo dessa forma, mas me questiono onde ela vai buscar esse padrão e porque ele influencia a tantos.

Mais uma vez: que isso tem a nos dizer?

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Comédia

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Quem já passou por esta experiência: você assiste uma comédia e quando termina acha que ela é sem graça, as situações são inverossímeis ou clichês, que o filme foi superestimado, que os atores estavam mal nos papéis, que o roteiro desanda do meio para o fim, etc.. Em suma, um filme medíocre.

Aí você encontra uma pessoa que te pergunta “É aí, você assistiu o filme X?“. Você responde que sim, e enumera todas as falhas que acha existirem na película.

Daí a pessoa diz: “Mas cara, eu simijei vendo o filme de tanto que eu siri!!! Lembra da cena que o cara fez aquilo, e a mulher respondeu aquela outra coisa, que os dois se encontraram e o amigo perguntou pra ele se ele sabia e….”

Conforme a pessoa vai contando você começa a rir lembrando do filme e, subitamente, encontra a comicidade que existia nele, mas que estava escondida, longe do seu entendimento. Imediatamente o filme se transforma, se transmuta e você começa a dar gargalhadas lembrando das cenas. A compreensão do humor não veio diretamente do filme, mas da narrativa que alguém faz dele sobre sua experiência prévia.

Pois é…. já passei muito por isso. Quando minha filha Bebel me conta as comédias eu enxergo graça onde nunca tinha visto antes…

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Carnaval e mídia

Não sei quanto a vocês – e reconheço que não tenho autoridade nenhuma para falar desse tema – mas eu perdi totalmente a vontade de ver os desfiles das escolas de samba, e isso há muitos anos. E não tem nada a ver com as gambiarras que são feitas com os carros alegóricos e nem com as antigas conexões das Escolas de Samba com a contravenção e o “jogo do bicho”.

O que eu curtia era o espírito de carnaval que transformava o pobre favelado em artista, permitindo a ele uma noite de sonho, como passista, porta-bandeira ou maestro supremo de uma bateria. O sonho se tornava mais incrível quando na quarta feira a carruagem se transformava em ferro velho, as roupas de príncipe em roupão da fábrica, os vestidos de lantejoulas em uniforme de gari e todo mundo voltava às suas vidas duras e difíceis.

Hoje em dia vejo o desfile de gente branca em carros alegóricos e as câmeras da TV focando nos artistas profissionais que trabalham nas novelas da TV, nos turistas estrangeiros que pagam para desfilar ou nos jogadores dos times cariocas. O desfile não é mais do povo e o que resta a ele é a figuração. Quem vale mesmo é o artista global, que nem sabe onde fica a comunidade, mas recebe um email com a letra do enredo para ensaiar em casa.

Assim profissionalizado o carnaval perdeu todo o encanto que poderia ter.

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Derradeira hora

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“No derradeiro bater de pálpebras, na luz diáfana e fosca da última mirada, no som abafado das vozes em despedida, no cheiro agridoce da sala asséptica, quando o bip da máquina desenhar uma linha triste de despedida e sobrarem apenas poucos segundos para o fechar das cortinas estas serão as cenas que impregnarão a minha retina cansada: bebês brotando para este mundo de luzes, mães chorando, pais desabando de emoção, o abraço dos avós, o sorriso em lágrima das doulas, o reconhecimento das enfermeiras e o sentimento de gratidão pela honra de ser testemunha do milagre da vida.”

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Orlando

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Só a pressão lenta e insidiosa das forças culturais é capaz de modificar os costumes. Sou de uma geração que dizia “negrice” com absoluta impunidade e naturalidade, para descrever trabalhos mal feitos ou esteticamente inadequados. No início, quando alguém reclamava, a pessoa se defendia dizendo que estava “sacramentado na cultura”, da mesma forma como “judiaria” ou “judiação”. Além disso, diziam eles, isso não passa de uma “brincadeira”, deixando claro que se você não aceitar é porque é um sujeito mau humorado ou grosseiro.

Ninguém mais fala essas expressões de forma impune. As forças sociais expurgaram estas nossas manifestações inconscientes de racismo, relegando-as apenas aos bolsões mais reacionários e racistas da extrema direita.

Diante desses dilemas meu pai desenvolveu uma atitude ao estilo “bateu-levou”. Dizia ele: “Se fizer uma piada racista vai ouvir um sermão; se o sujeito não tem vergonha de contar eu não preciso ter vergonha de estragar a festa”.

Quando tento me lembrar de como aprendi a respeitar os negros eu recordo de algumas cenas da vida estudantil. Dentre elas uma partida de futebol, e desde então agradeço ao meu colega de escola Orlando, que me ensinou, quando eu tinha 15 anos de idade esta perspectiva. Ele veio transferido de outro colégio e não o conhecíamos muito bem, mas ele era um jovem muito sério e até tímido. Certa feita, no meio de uma partida de futebol na escola, gritei para ele a plenos pulmões:

– Passa a bola, negão!!

Orlando era um negro comprido, magro e alto. Era mais velho que nós, talvez tivesse 16 ou 17 anos. Quando me lembro dele penso em um menino muito bonito e de postura madura. Tinha uma voz grave de barítono e fazia curso de teatro. Quando ouviu meu grito, parou exatamente onde estava, como se tivesse escutado uma sirene de alerta. Pisou sobre a bola, abaixou-se e a segurou entre as mãos. Deu três passou em minha direção e fitou-me diretamente nos olhos. Sem expressar ódio ou raiva, mas com uma firmeza pedagógica intensa, ele me disse pausadamente, do alto da sua voz grave e profunda, enquanto me entregava a bola:

– Meu nome não é “negão”. Meu nome é Orlando.

Obrigado, Orlando.

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Fogueira das Vaidades

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Quando eu fiz residência em um hospital escola da minha cidade – há 30 anos – era do conhecimento de todos, desde quando você entrava no estágio do sexto ano de medicina, que o departamento era dividido ao meio. Havia dois “clãs”, dois grupos distintos de professores que historicamente se digladiavam e disputavam o poder de forma explícita e as vezes agressiva. O grupo que chamarei de “A” era o mais novo e o mais conectado com evidências e estudos, enquanto o grupo “B” era mais tradicional e conservador.

A chefia do serviço estava com o grupo “A”, mas sabíamos de processos judiciais que um grupo movia contra o outro pela primazia nas publicações. Havia um jovem e ambicioso  professor do grupo “A” que contava fofocas altamente comprometedoras de professores do outro grupo, e fazia isso na base da “camaradagem”, durante um plantão, um cafezinho no bar do hospital ou uma conversa privada. Eu achava aquilo estranho e antiético,  mas era difícil se posicionar quando existia um valor incomensurável depositado nessas figuras de autoridade. Preceptores de residência eram, e ainda o são hoje, figuras que concentravam um enorme poder.

Não havia escrúpulos. Era uma fogueira de vaidades e havia a todo o momento um convite para tomar partido. Se você era de um lado não podia ser do outro.

Certa feita fui testemunha de um fato curioso no plantão, que me fez repensar toda a minha profissão e o meu destino após a residência. Uma paciente acompanhada de sua mãe procura um professor do clã “B” e lhe faz um estranho pedido. Ele havia atendido o seu próprio nascimento há 20 anos e agora, grávida,  gostaria que ele a atendesse,  sendo o responsável pela assistência das duas gerações. Como era um atendimento privado o professor aceitou sem pestanejar.

O que a o paciente não sabia é que este professor nunca foi obstetra. Havia atendido o parto de sua mãe logo após se formar, mas imediatamente depois se dedicou à ginecologia e infertilidade. Não atendia um parto há no mínimo duas décadas.

No dia do parto a paciente internou durante o meu plantão, e só por isso soube de todos os detalhes. Avisei o professor que se limitou a dizer por telefone: “fiquem atendendo aí e me liguem quando ameaçar coroar”. Foi o que fizemos. Quando o parto se aproximava chamamos o professor, que efetivamente chegou quando o bebê despontava no introito vaginal.

O parto foi uma tragicomédia. O professor havia esquecido como segurar um bebê, e este escorregou de suas mãos. Para que  não caísse aparou com a perna. Sem saber o que fazer entregou o bebê ao pediatra, mas se esqueceu de cortar o cordão, e quase o bebê vai ao chão de novo. Nós, atônitos, assistíamos constrangidos. No final, “entre mortos e feridos salvaram-se todos”, mas rolou Kristelller,  episiotomia Transamazônica, corte prematuro do cordão, etc. Violência e despreparo.

Contei para a nossa turma que estava no plantão o que havíamos testemunhado e achamos graça, apesar do absurdo do atendimento.

Muda a cena para uns meses depois e durante um churrasco de confraternização dos residentes com professores do Clã “A” o jovem professor carreirista pede que eu vá até a sua mesa. Quando cheguei lá ele disse para todos:

Conte para nós o parto que o Dr Nosferatu atendeu no seu plantão.

Nosferatu” era como chamava o professor inimigo para nós. Havia chegado aos seus ouvidos o parto bizarro atendido por um professor do Clã “B”, e que eu tinha relatado aos colegas do plantão. Sem saber o que dizer contei as peripécias do parto para o público de colegas ávidos por uma fofoca.

Terminei a história e voltei para a minha mesa. Imediatamente me dei conta que eu havia sido usado como massa de manobra na luta das facções adversárias. O professor carreirista me usou para difamar um inimigo, que em verdade era um colega. Fui apenas “bucha de canhão”.

Tive uma sensação de culpa muito forte por participar daquela cena. Percebi também que não aceitaria viver minha vida profissional envolvido nas labaredas de vaidade do mundo acadêmico. Não queria pertencer a nenhum grupo ou facção, mas tudo me mostrava que não havia outro modo de  sobreviver.

O professor carreirista conta fofocas até hoje, e se mantém poderoso. O professor do grupo “B” já faleceu e eu, naquela churrascaria, fechei as portas da academia para mim para nunca mais querer abrir.

Eu não vejo esses personagens como desumanos ou perversos. Até no movimento de humanização do nascimento existem “clusters”, grupos que rivalizam, ressentimentos antigos e mágoas estimuladas a crescer pelo único adubo legitimamente humano: a vaidade.

Logo após minha saída da residência percebi que a maioria dos meus colegas tinha o sonho de trabalhar na Universidade. A tentação era muito grande pois tudo o que víamos era uma enorme concentração de poder nos professores, e todos os benefícios de prestígio social daí advindos. Minha dúvida era: como evitar o fato de que a motivação inevitavelmente se chocaria com a realidade.

A vida de um professor da universidade é ensinar, atualizar-se, dar aulas, acompanhar alunos e fazer pesquisa, mas estes aspectos eram os MENOS importantes para a seleção. É como se você fizesse um concurso para “body building” seduzido pelos músculos lustrosos dos Arnolds da vida e ao ser aprovado percebesse que precisava levantar peso todos os dias.

Talvez por esta razão específica da minha vivência, minha formação acadêmica foi pobre. Meus professores não tinham nenhum interesse – quanto menos talento – para o ensino. Usavam a universidade como insígnias de valor e poder, e não como ferramentas de transformação social. A seleção para estes cargos era feita de forma política e não levava em consideração a capacidade pedagógica ou o próprio desejo de ensinar.

Por outro lado o surgimento nos últimos anos de alguns professores de obstetrícia ligados às correntes de humanização do nascimento é a prova de que existe a possibilidade de reverter o  processo por dentro.

Se é possível produzir um papa um pouco mais aberto como Francisco emergido das entranhas do Vaticano, a Medicina também pode produzir – mesmo que lentamente – seus renovadores.

Quem viver, verá.

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Etapas


Desmistificar o parto e garanti-lo às mulheres permite que ele seja vivido em sua plenitude, com suas características subjetivas e suas possibilidades transformativas.

Outro elemento essencial diz respeito a livrarmos a atenção ao parto de todo o ranço patriarcal e toda a violência que ainda o caracteriza. Dia haverá em que o nascer em paz e liberdade será a regra e a indignidade de atos agressivos contra a mulher será apenas uma página triste na história dos direitos humanos. Para que isso ocorra faz-se necessário questionar toda violência, visível ou invisível, assim como todas as ações de misoginia – ideológica, institucional ou estrutural.

Esta é uma luta que vale a pena lutar. Precisamos ultrapassar a etapa de ter liberdade para fazer escolhas e entrar na era de ter conhecimento e informação para fazermos boas escolhas.

Chiamaka Mugambi, “Letters to Nairobi” (Barua kwenda Nairobi), Ed. Kalunga, pág 135

Chiamaka Mugambi, nasceu em Nairobi no Quênia em 1953, no início da Guerra Civil no país, também conhecida como a “Rebelião Mau Mau”, a Emergência Queniana ou a Revolta Mau Mau. Esta foi uma revolta contra o governo colonial britânico no Quênia, que durou de 1920 a 1963, entre o Exército Terra e Liberdade do Quênia (Kenya Land and Freedom Army – KLFA – também conhecidos como “Mau Mau”) e as autoridades britânicas. Por esta razão Chiamaka – filha de um funcionário britânico e uma queniana – mudou-se para a Inglaterra, onde passou sua infância e realizou seus estudos, formando-se em enfermagem no ano de1978. A partir dessa data começou novamente a estreitar laços com suas origens na África, visitando o país por várias vezes para estudar as práticas de assistência ao parto produzidas pelas “mkunga”, parteiras tradicionais do seu país de origem. A partir desse retorno às suas origens, Chiamaka começou a questionar as práticas ocidentais e a hiper medicalização do parto, mostrando como a extremada artificialização do evento produz uma desconexão entre as mulheres e suas funções fisiológicas mais profundas e constitutivas. Escreveu um manual de assistência ao parto baseado nessa experiência para ser distribuído em swahili e inglês, chamado “Mãos na Terra” (Mikono Duniani), que se tornou um sucesso entre as estudantes de parteria do Quênia. Posteriormente escreveu “Cartas para Nairobi” (Barua kwenda Nairobi) onde descreve em primeira pessoa suas aventuras na redescoberta do parto “as it really is”.

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Montanha

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“Na minha vida houve momentos tão belos que se tornaram instantes de pânico, pois de tão lindos pareciam o clímax de toda uma existência, a partir dos quais não faria mais sentido existir. É como escalar uma montanha invisível; num dado momento você olha para trás e vislumbra a paisagem esplendorosa atrás de si. Extasiado com o que vê fica paralisado, pois parece não haver mais sentido em continuar a subida.”

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Sociopatia

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Há quase 50 anos, durante uma festa de São João no prédio onde morava, percebi meu pai sentado em silêncio em um canto do recinto  com o olhar preso no infinito cósmico. Perguntei a ele se estava bravo ou triste, e ele me respondeu que não. Perguntei se ele estava se divertindo e ele novamente disse “não”.

Fiquei surpreso,  pois era uma festa. Música,  fogueira, crianças correndo, piadas, “quentão”, broas e pinhão. O que poderia ser melhor e mais divertido que isso?

– Eu não consigo achar festas divertidas, mas não me pergunte o porquê. Qualquer explicação será parcial e incompreensível. Não se preocupe, estou bem.

Fiquei triste, sem saber o que dizer e, de uma certa forma, fiquei decepcionado. Ao meu lado via outros pais dizendo bobagens, cantando músicas e exagerando na bebida, enquanto meu pai apenas observava e, quando muito, ensaiava um tímido sorriso. Seu rosto demonstrava toda a distopia e toda a falta de conexão com a alegria fugaz, superficial e explícita do ambiente.

Por muitos anos não consegui entender meu pai e sua sociopatia. Por um tempo eu o culpei por ser como era. Todavia, minha incompreensão não durou muito tempo. Lembro que os primeiros sintomas percebi na adolescência, e na entrada da vida madura eu podia reconhecer em mim a mesma patologia em graus crescentes de manifestação. O destino se ocupara de me amaldiçoar com a mesma sina.

Hoje vi uma cena de carnaval de rua e fiquei pensando “Como eles podem se divertir saltitando assim e se vestindo como tolos?”, mas me calei antes que tal sintoma emergisse como palavra. Tenho vergonha da minha doença. Felizmente eu não falo para muitos o meu diagnóstico e minha enfermidade fica a maior parte do tempo escondida, como um eczema coberto pelas mangas compridas no tempo frio.

É uma maldição, e dela a única saída é o derradeiro fechar de pálpebras.

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Kardec e o Racismo

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O racismo (inquestionável ao meu ver) de Allan Kardec, criador do espiritismo, foi abordado por alguém em uma conversa recente, mas foi posteriormente deletado por ter gerado muitas reações “acaloradas”. Eu não vejo nenhum problema em questionar essas figuras históricas à luz de novas ideias e visões de mundo.

Apesar do Espiritismo não ter sido criado para ser uma religião, mas um suporte às religiões, ele acabou se tornando uma espécie de “seita cristã”, em especial pelo seu florescimento no Brasil, um país marcadamente cristão.

Todas as religiões são construções humanas, e o espiritismo não poderia fugir à está regra. Não existe nada na cultura que não seja derivado de necessidades humanas. As religiões monoteístas são criações das sociedades antigas para envolver de magia e transcendência ordenamentos sociais adaptados à época em que floresceram. O “racismo” de Kardec pode (deve) ser criticado hoje, mas na época em que foi escrito não causou nenhum alarde. Minha tese é que estas características e perspectivas de mundo não podem ser divorciadas do seu tempo. É necessário fugir do anacronismo dessas condenações.

Lembre que no século XIX estava no auge o colonialismo europeu em África e existia um consenso “científico” sobre a inferioridade intelectual dos negros. Não se trata de perdoar ou passar a mão, mas entender em que contexto estas obras foram escritas. É a mesma crítica que se faz à homofobia de Che Guevara; seus comentários ocorreram nos anos 60 quando “homossexualismo” era considerado uma doença degradante. Portanto, é importante mostrar essas contradições, mas ao mesmo tempo entender que se tratam das inconstâncias e contradições de um homem diante dos valores do seu tempo.

Como deveríamos julgar alguém sendo criticado por “escravizar sexualmente seu parceiro” por exercer a monogamia, quando esta tiver sido extinta no século XXIV?

Devemos acusar também Vinicius de Morais, Fernando Pessoa e Humberto de Campos por suas posturas abertamente racistas, e pela misoginia que aparece em seus textos?  Ou entender que a obra deles só pode ser entendida no contexto em que viveram?

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