Arquivo do mês: abril 2015

O machismo de cada um

Machismo-II

Eu não sou um machista (porque racionalmente rejeito qualquer tese de supremacia masculina sobre a mulher), mas vivo num mundo controlado pelo patriarcado. Assim sendo, muitas vezes minhas ações são comandadas por este paradigma. Por exemplo: dirigir o carro quando a família toda está junto; pagar a conta do restaurante; ter um comportamento de proteção quando minha mulher e minha filha estão comigo.

Machismos? Não creio… marcas dos milênios de patriarcado. Portanto, o patriarcado está embebido nas minhas células determinando de forma invisível minha maneira de agir e proceder. Todavia, ele também compõe a matéria que forma as células das mulheres. Elas também vivem nesse sistema e esperam que ele lhes ofereça alguma vantagem e proteção. O problema é que, depois de 10 mil anos de vigência é hora de exterminá-lo por algo que ofereça uma condição melhor para as mulheres, mas também para os homens. Se ele teve sua importância no mundo a ponto de ser usado em toda parte, agora está caduco e não serve mais aos propósitos deste mundo. Para acabar com isso é necessário tocar nas fundações profundamente fincadas em nosso código valorativo, e isso não se faz sem dor.

Da mesma forma que a passagem da infância para a adolescência nos propicia um acréscimo de liberdade às custas de uma perda da proteção paternal, a queda do patriarcado também se fará com o necessário sofrimento, para os homens – que sofrem as dores da perda de uma identidade forjada há milênios como provedores e proprietários das mulheres – e para as mulheres, que terão que aprender a se defender sozinhas em um mundo em que a liberdade sempre cobra altos preços. É isso o que vemos hoje em dia: mulheres muitas vezes solitárias pelas perdas de companheiros, mas orgulhosas dos passos que deram em direção à liberdade e à autonomia. A literatura e o cinema nos oferecem exemplos magníficos dessa fase de transição.

Por seu turno vemos homens que se despedem da roupagem controladora e machista de “proprietários“, e que sentem-se confusos e desnorteados, perdidos num limbo identificatório sem precedentes. “Se não sou mais o provedor, o que sai pelo mundo na caça e na luta, se as mulheres não mais precisam de mim para sobreviver, se não sou mais o braço forte em um mundo mecanizado e cibernético, para o que sirvo, afinal? Qual o sentido do masculino no mundo? Seremos fêmeas sem útero?”

Estas são as perguntas de homens e mulheres, cujas respostas nos aguardam nos próximos séculos. Certamente que o mundo que virá será diferente, mas espero que, apesar dos embates necessários e da reacomodação das placas tectônicas dos papéis sociais, os homens continuem amando suas mulheres e que elas continuem nutrindo por eles a paixão que é a chama indelével que nos transforma em humanos.

Se não sobrar nenhuma marca cultural e artificial que nos defina, que o desejo e a complementariedade permaneçam para nos dar esperança no futuro.

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Feminismo e Humanização

discussao

Aqui estão reflexões sobre a Humanização do Nascimento conforme tenho observado.

Nos últimos meses temos visto muitas brigas intestinas dentro do movimento exatamente no momento em que ele se torna mais forte e abrangente. Muitas destas divergências poderiam ser tratadas internamente, esperando que os ataques venham daqueles que não concordam com nossas ideias, mas infelizmente vemos brigas entre pessoas que comungam com a mesma base de pensamento, divergindo apenas nos detalhes.

De uma certa forma isso é compreensível, visto que essas lutas são causadas quase que exclusivamente pelas  vaidades inerentes a qualquer coração que se deixa tomar por uma paixão, e o trabalho com o parto está dentro das grandes paixões que imantam profissionais do mundo inteiro.

Sei que minhas palavras desagradam muitas pessoas e não tiro minha culpa sobre estes julgamentos. Sou falante demais, opiniático e intrometido. Por outro lado sou alguém que acredita que o diálogo pode ser a única forma de resolver conflitos de forma civilizada, e para isso é fundamental escutar o que o outro tem a dizer, suportar o contraditório e (ó dor…) aprender com a experiência alheia. Por isso creio que o movimento de humanização precisa fazer uma reflexão sobre as questões inerentes ao ritmo e direcionamento de suas lutas.

Por transitar pelo universo feminino há mais de três décadas acabei me tornando um observador atento das nuances e características dos movimentos com os quais tive contato e aproximação: o feminismo e a humanização do nascimento.

É importante esclarecer que, do meu ponto de vista, a humanização do nascimento não é um assunto “feminista”. É um assunto sobre o qual as feministas precisam se debruçar de forma crescente, já que foi por elas negligenciado por décadas, mas que não pertence ao escopo de assuntos que pertencem ao feminismo. O parto é múltiplo, inúmeras facetas e vieses cabem no seu entendimento. Se é verdade que ocorre nos corpo das mulheres, TODOS somos nascidos deste processo, conferindo à totalidade da humanidade o direito de ter voz neste debate. Todavia, é evidente que  a imensa maioria das ativistas de ambos os movimentos sociais são mulheres. No feminismo, a totalidade, mas na humanização do parto a gigantesca maioria, e isso dá às mulheres uma especial posição de autoridade para falar de um tema que as toca de forma muito marcante. Posso ser visto como um dos poucos homens que se aventura a falar e defender de forma desabrida o protagonismo feminino como o ponto nevrálgico desta mudança paradigmática na atenção ao parto.

Como observador atento das nuances de discurso nos dois movimentos, muito do que vejo no feminismo é o mesmo que observo no movimento de humanização do nascimento: para algumas defensoras existe uma clara confusão conceitual entre o “problema” e quem o “representa“.

Na humanização do nascimento, o qual acompanho desde o final do século passado, ao invés de focarmos nossas forças na mudança de um SISTEMA perverso e ineficaz (nossas taxas de mortalidade materna nos comprovam isso) perdemos muito tempo nos elementos que – concordando ou não com ele – o representam; no caso do parto, os obstetras. Assim, muita energia é dispensada em atacar ferozmente médicos que atuam dentro de um sistema que não respeita a subjetividade, a autonomia e a liberdade das mulheres. Infelizmente, muitas vezes estes próprios médicos atacados são até sujeitos interessados em fazer mudanças na sua postura e na sua prática, mas são forçados a se proteger em suas corporações porque TUDO o que observam partindo do outro lado (as ativistas) é formado por acusações, agressões, violências verbais e rancor. Como seria possível chamar estes profissionais para fazer parte de uma grande mudança se não lhes oferecemos o carinho e a acolhida necessárias, exatamente o que reclamamos para as pacientes que entram em um hospital para dar à luz?

O mesmo acontece no feminismo. Eu mesmo, que tenho 30 anos de lutas para fortalecer a autonomia e o protagonismo das mulheres no parto, fui duramente atacado pela “tropa de choque” das feministas por um conceito (que sequer é meu, é de Engels) sobre as origens do patriarcado. Quando eu vi a enxurrada de acusações e violências (repletas de clichês do tipo “vaza“, “já vai tarde“, “não passará“, “machista“, “misógino mentiroso“, etc..) desferidas a mim eu pensei: “Bem, se eu não sirvo para essa luta, quem serve? Que tipo de obstetra seria correto e adequado para as feministas? Que tipo de profissional poderia cumprir todos os requisitos para servia à causa da humanização? Que tipo de obstetra concordaria com qualquer agressão à sua corporação sem sequer ter o direito de defesa? Que obstetra aceitaria participar de uma luta em que, qualquer discordância, o faria ser tratado como lixo?

Trinta anos buscando auxiliar a causa do protagonismo feminino não servem de nada diante das exigências das mulheres sobre o “correto comportamento e o adequado discurso de um homem quando fala sobre as mulheres“.

Mas antes que as defesas apareçam, é claro que não são todas as feministas que agem assim, talvez sejam uma minoria, mas são as que tem mais voz e que causaram mais estragos nas tentativas de diálogo.  No caso destes grupos mais radicais o objetivo implícito em muitas manifestações é uma total humilhação dos homens, uma vingança completa e final pelo “mal” que causaram às mulheres em todos estes séculos, sempre recheada de clichês (vaza macho, não passarão, mascus, esquerdomacho, etc.).

Na humanização do nascimento temos um grupo semelhante e muito vocal, acostumado a criticar abertamente o comportamento dos médicos com piadas, deboches, apelidos e críticas onde os fatos sequer foram totalmente esclarecidos, fazendo com que qualquer intervenção médica seja julgada com desconfiança. Para estas, o “extermínio” dos obstetras é uma espécie de “solução final”, pois eles representam todo o mal e toda a dor das mulheres na assistência.

Nenhuma destas soluções é possível (ou mesmo suportável), mas os discursos de culpa contra homens e médicos se multiplicam de forma inaceitável, pelo menos para quem sonha com mudanças.

Para quem deseja avanços surgindo no horizonte, mesmo que lentos e seguros, ver a humanização do nascimento adotar as mesmas táticas do feminismo mais violento pode retardar estas transformações por décadas. Atacar de forma agressiva e irracional – com palavras  recheadas de rancor e mágoa – os profissionais que atuam no parto, nos fará apenas regredir nas conquistas até aqui conseguidas. Esse comportamento apenas incentiva o surgimento e crescimento de reações óbvia daqueles que se sentem (justa ou injustamente) atingidos: os grupos machistas e o “dignidade médica“.

Sem uma postura de congraçamento e diálogo, isto é, uma postura mais “feminina“, nada será feito de forma consistente em um futuro próximo.

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Camille Paglia

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Fiquei emocionado ao ler esta entrevista da Camille Paglia e perceber que suas ideias sobre gênero, feminismo e maternidade são as mesmas que defendo há tantos anos, pelas quais já paguei um preço bastante salgado. Sinto-me também aliviado ao perceber que os ataques a estas propostas e visões de mundo não são exclusivas de celebridades como ela, mas de todos que ousam estabelecer uma crítica e um olhar severo sobre os (des)caminhos da cultura ocidental, mormente no que diz respeito aos choques inexoráveis entre homens e mulheres na luta por sentido em suas vidas.

Camille Paglia tem a segurança e a firmeza que apenas as pessoas verdadeiramente cultas e preparadas possuem, e suas palavras – por vezes ácidas – tornam-se doces ensinamentos quando permitimos que se aproximem de nossa razão mais profunda.

Veja abaixo a entrevista dada à Folha SP

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Ódio

Hate

Mulheres que odeiam homens não precisam ler o que escrevo ou dissemino nos meus escritos e postagens, e podem guardar de mim uma distância respeitosa. Aliás, a mesma que me separa dos homens que odeiam mulheres, ou que as tratam como bibelôs idiotizados. Apenas entendam que o ódio que guardam dos homens não é espetaculoso ou explícito, mas opera nas sutilezas do discurso, nos silêncios e nos vãos que separam as palavras. O ódio que destilam pelos homens aparece nos pequenos detalhes dos comentários ou nos “calabocas” frequentes, que tentam impedir que um homem se manifeste sempre que a mulher é o assunto. Além disso, quando me dizem “eu não odeio os homens, tanto que casei com um” para mim faz tanto sentido quanto o velho clichê “não sou racista, já namorei uma negra“.

Homens que odeiam mulheres e as mulheres que os odeiam não precisam ler ou frequentar minhas ideias. Eu os respeito, mas não se faz necessária nenhuma proximidade.

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Proselitismo

Proselitismo

A humanização do nascimento tem se tornado fonte de grandes debates no cenário da atenção ao parto exatamente porque ela estabelece uma crítica aos pressupostos que historicamente governavam o cuidado com este momento tão delicado da vida de uma mulher e o início da existência de todos nós. Muitas são as formas de entender o que esta corrente do pensamento significa para a cultura, e mesmo quais são os limites de atuação dos profissionais que atuam nesta esfera conceitual. Para evitar confusões, consideramos que a atenção humanizada se apoia sobre um tripé conceitual, a saber:

  1. O protagonismo restituído à mulher, fazendo dela a condutora do processo, que só poderá ocorrer de acordo com seus desejos, aspirações e vontades. Cabe aos cuidadores serem instâncias consultivas, de suporte e aconselhamento, agindo apenas quando o processo se distancia da fisiologia e estabelece riscos para o binômio mãe-bebê.
  2. A visão interdisciplinar, colaborativa e integrativa do processo de nascimento, alargando o seu entendimento para além da visão biologizante e mecanicista, observando-o como um evento humano e subjetivo
  3.  Uma vinculação visceral com a medicina baseada em evidências, demonstrando que as propostas desta visão sobre o parto estão assentadas sobre a rocha firme da razão e da ciência, e não se constituem em uma visão romântica sobre um processo vital e significativo na cultura.

Assim, os chamados “humanistas do nascimento” são profissionais que se esmeram em produzir uma prática alicerçada na autonomia das mulheres sobre seu corpos e destinos, ao mesmo tempo que procuram oferecer o cuidado mais abrangente e mais cientificamente embasado para elas. Também é tarefa destes a educação para o nascimento fisiológico, procurando desfazer mitos e ideias errôneas historicamente disseminadas pelos milênios de visão patriarcal a embaçar a real habilidade feminina de gestar e parir com confiança e segurança. É tarefa de todos que buscam um parto mais seguro orientar as mulheres no caminho mais seguro e empoderador sobre este evento.

Por outro lado, tentar convencer mulheres a parir de parto normal não passa de um colonialismo intelectual e afetivo, um proselitismo inútil e anacrônico, que desconsidera a capacidade das mulheres de fazerem escolhas corretas diante de informações corretas e precisas. Humanização do nascimento é uma ideia a ser exposta, jamais imposta. Não nos cabe agir autoritariamente, desrespeitando sua subjetividade e o direito de escolher seus próprios caminhos. Em longo prazo torna-se muito mais efetivo direcionar nossos esforços para as mulheres que realmente desejam parir, lembrando que “desejar” é diferente de “querer”. O “desejar” se relaciona com as emoções mais densas, que brotam dos estratos mais profundos do inconsciente, regulados pelas experiências mais remotas. O “querer“, por seu turno, é consciente e superficial, racional e objetivo, portanto, enganoso, pois nossa mente frequentemente burla nossas vontades mais profundas.

Para estas que demonstram sua vinculação afetiva, psicológica e espiritual com o nascimento fisiológico devemos devotar nosso tempo e nossa arte. Para as que estão em dúvida e demonstram vontade de aprender e se informar, todo o esforço de conscientização dos benefícios do parto normal é válido. Todavia, para aquelas cuja decisão pela cesariana já fez casa em seus corações só nos resta desejar o melhor resultado possível para os desafios de uma cirurgia.

Fazer pressão em nome de NOSSAS convicções é um desrespeito à liberdade alheia.

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Xiitas

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Apenas para destacar um pensamento sobre a construção do campo simbólico e o fluxo incessante de valores e conceitos que transitam pelas palavras.

“Já fiz comentários xiitas no passado, e hoje em dia sou muito mais comedido.(…) Achei demais e penso que isso merece um contraponto.”

PS: Usei a palavra “xiita” apenas para dar continuidade ao argumento anterior, mas – mea culpa, mea máxima culpa – acho que ela precisa ser abandonada. Os xiitas são um ramo do islamismo, assim como os Batistas e Luteranos o são do protestantismo. Chamar de “xiitas” alguns radicais e intolerantes apenas porque alguns xiitas o foram no passado (e alguns ainda são) é o mesmo que chamar homofóbicos de “evangélicos”, apenas porque Malafaias e Felicianos assim se comportam. “Fulano tem um comportamento evangélico contra as minorias” soa agressivo, não lhes parece? Pois assim os xiitas devem se sentir quando conectamos sua religião ao extremismo fundamentalista.

Nossas expressões contribuem para a vilificação do Islã, um tratamento injusto, cruel e violento com essa cultura. A construção da islamofobia também se faz através destas expressões corriqueiras, assim como construímos o medo do parto ao dizer que tal trabalho “foi um parto” e banalizamos a cesariana ao dizer “parto cesárea”. Atenção e vigilância com a forma de se expressar é importante para quem deseja mudanças na cultura, mas sem apelar para o “abuso de correção”.

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Lágrimas Seletivas

LAGRIMA

Nossas lágrimas só vertem quando conseguimos nos identificar com os dramas que a vida apresenta. A tragédia só dói se for em nós, real ou imaginária. Se um jogador de futebol tem uma filha com problemas médicos milhares de torcedores vão ao estádio doar sangue. É fácil se identificar com alguém que conhecemos e podemos entender seu sofrimento. Se um terremoto destrói cidades inteiras na China como poderei me identificar e sofrer? É preciso que haja mínima conexão identificatória. Brancos europeus caindo de avião são parecidos comigo (que sou branco e também ando de avião), mas negros trancafiados como escravos são sub-humanos, quase animais. Professor universitário apanhando em delegacia na ditadura vira filme; preto e pobre apanhando, nem B.O. Enquanto não enxergarmos TODOS os humanos como iguais estas distorções continuarão acontecendo, e nossas lágrimas serão seletivas.

Porque nos assombramos com os coreanos que comem carne de cachorro? Porque nos horrorizamos com a morte de baleias e golfinhos? E porque não fazemos o mesmo com peixes (tubarões em especial), gado, porco ou aranhas? Porque elegemos alguns animais cuja morte achamos inadmissível que ocorra em nosso benefício, mas para outros não estabelecemos a mesma simpatia? Porque existem fundações para a proteção de baleias, mas não de lagartixas?

Minha resposta é que protegemos a NÓS mesmos, e não os animais. É nossa dor identificatória que queremos aliviar. Um cachorro me parece mais humano, mais parecido conosco que um peixe. Se for possível a identificação, aí sofremos, mas esta identificação vai ocorrer se encontrarmos naquele animal algo semelhante a nós. Num cão tal processo parece muito mais fácil de ocorrer do que em um molusco. É a dor que sentimos que pretendemos afastar, e não a dor por ser ele um animal indefeso. Quando o avião com os europeus cai no oceano isso nos maltrata porque fica simples e fácil a nossa identificação com o sofrimento das famílias envolvidas: também temos famílias brancas e que andam de avião. O mesmo não ocorre em um cargueiro cheio de negros fugitivos trancafiados em um porão.

Quando os americanos matavam vietcongues na Ásia Menor nos anos 70 isso era sentido pela opinião pública americana, mesmo que secretamente, como “matar formigas”. O documentário “Corações e Mentes” daquela época mostrava os políticos americanos se esforçando ao máximo para desumanizar o povo do Vietnã, exatamente porque, assim transformados, ficava mais fácil aceitar seu aniquilamento sistemático.

Desumanizar é fundamental para levar adiante qualquer projeto macabro de destruição. Judeus, negros e os palestinos foram sujeitos ao mesmo tipo de monstruosidade.

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Cheiro Ruim

Perfume ruim

Hoje vi a última propaganda dos perfumes do Boticário. O filme começa com o anúncio da gravidez, as ecografias, a megalópole fria e feia onde a criança vai morar, os preparativos, as fotos da barriga crescendo, o último sorvete e termina…. tchan, tchan, tchan…. numa CESARIANA.

Lastimável que o exemplo de parto no Brasil é mediado por recursos tecnológicos usados de forma exagerada (ecografias) e por cesarianas. No vídeo fica claro a imagem da mãe impedida de tocar seu filho na hora em que isso é mais importante: a “hora dourada”. As imagens, para quem transita pelos caminhos da humanização do nascimento, são tristes de ver.

Todo o nascimento carrega a beleza da renovação e a esperança do futuro, seja ele de que maneira for, uma cesariana ou um parto normal. Não se trata, portanto, de desmerecer a beleza inerente da vida brotando em um nascimento. Entretanto, usar como EXEMPLO de nascimento uma cesariana apenas deixa mais evidente o atraso do Brasil em relação às grandes democracias no combate à banalização da cesariana. Propagandas como esta, vistas no exterior, dão a clara ideia de que no Brasil o normal da classe média (os usuários de perfumes do Boticário) é o nascimento pela via cirúrgica. A cesariana é limpa, moderna, chique e superior. Tudo errado, tudo falso. Cesarianas arriscam de forma clara e inquestionável o bem estar de mães e bebês. Este tipo de publicidade é lamentável e apenas reafirma nossa necessidade de mudar a atenção obstétrica cafona que este país tem.

Uma lástima Boticário…. Suas usuárias são “Too posh to push“, right?

Com tanto parto bonito e empoderador para apresentar preferiram se manter fiéis à classe média – a mais sofrida e castigada pelos abusos de cesariana – como estratégia de marketing. Para estas empresas, mais importante do que enfatizar um novo conceito – o parto humanizado, com óbvias consequências na saúde pública – é manter em alta a venda de seus produtos.

Publicitários precisam entender que uma propaganda não é boa apenas quando aumenta os lucros, mas quando imprime uma marca positiva na cultura. Propagandas assim tem cheiro ruim…

Nossa queixa é que a propaganda auxilia de forma marcante a banalização da cesariana. Se por exemplo, a propaganda mostrasse esta mãe fumando durante a gravidez poderíamos dizer que foi uma “escolha” dela, e que isso reflete a liberdade de determinar o que deseja. Verdade, mas o quanto esta conduta influenciaria outras mulheres? Como combateríamos o fumo na gravidez se uma propaganda associa felicidade, nascimento e vida com cigarro? Cesarianas desmedidas tem impacto na saúde das mulheres e precisam ser combatidas da mesma forma como tentamos diminuir cigarros e álcool na gestação. Concordo que “não podemos colocar a CAUSA em tudo“, mas eu acho que colocar cesarianas como o paradigma da gestação feliz é demais. Se esta moça filmou toda a sua gestação e ela terminou em uma cesariana, sinto muito, mas essa mensagem não pode ser veiculada. Se ela fuma, sinto muito. Não dá mais para tratar dessas questões sem – pelo menos – oferecer uma crítica severa e um contraditório.

Banalização de uma conduta se faz nos detalhes, e não com discursos grandiloquentes. Banalização das drogas é colocar um cara fumando maconha durante 15 segundos de um filme, e não fazendo um longa metragem sobre “as maravilhas da Cannabis”. Fica muito complicado o debate sobre o abuso dessa cirurgia quando a publicidade brasileira continua tratando como uma coisa bonitinha, uma opção como qualquer outra, tipo a cor do esmalte ou o corte de cabelo. Não, eu acho demais. Não tem mais como continuar estimulando essas práticas no Brasil. Não é por outra razão que somos os campeões mundiais de cesariana: ela é tratada com requinte e glamour em todos os espaços.

A queixa, entretanto, nem é exatamente contra a publicidade ou os publicitários, que talvez tenham feito um trabalho sob encomenda ou aquilo que lhes foi solicitado por uma empresa que avalia a preferência dos consumidores desta marca. Nosso incômodo é ver a cesariana – mais uma vez – banalizada e tratada como “perfumaria”. Escolhe-se por fazer uma cesariana como quem escolhe um dos perfumes da empresa. “Liberdade de escolha”, não? Pois é…. mas quando analisamos a barbárie das cesarianas desmedidas e abusivas no Brasil entendemos que este descontrole só pode acontecer exatamente porque a cesariana é tratada assim no imaginário popular. Talvez a deformidade nos pés das chinesas que usavam sapatos pequenos só foi possível porque era tratada como uma coisa corriqueira. A clitoridectomia talvez seja descrita em África como um “cortezinho” que cicatriza rápido e “ajeita” a deformidade natural da vagina. A circuncisão, prática medieval e amputativa da sexualidade masculina, é tratada pela cultura como uma cirurgia que retira a pela “que sobra” no pênis de crianças indefesas.

É assim que se constrói uma cultura: nos detalhes, na forma de descrever, na maneira de contar, no jeito que escolhemos relatar um fato, um evento ou uma cirurgia. O que é uma propaganda de TV senão uma história que se conta? O que é a publicidade senão uma janela da cultura, uma forma de absorver e observar os nossos valores e nossas características. Um comercial que trata a cesariana de forma tão “natural” e “banal” contribui para a construção de uma ideia positiva, afetiva e moderna de uma cirurgia que – como bem sabemos – só deveria ser usada em casos excepcionais. Não é à toa que propagandas de cigarro são proibidas: elas sempre tentaram vincular o cigarro ao sucesso profissional e erótico. Essa propaganda do Boticário faz o mesmo: vincula a cesariana ao sucesso de uma história de amor, e por isso ela deve ser repudiada.

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Entrevista

Tv interview

ENTREVISTA PARA O JORNAL EXPERIMENTAL ENFOQUE VICENTINA

Repórter Virginia Machado

Entrevistado: Dr. Ricardo Herbert Jones

Formação e tempo de atuação na área

Trabalho atendendo partos há 32 anos, mas sou formado há 30. Terminei minha residência médica há 28 anos, em 1987, no Hospital de Clínicas de Porto Alegre. Já atendi por volta de 2 mil partos dentro do modelo humanizado. Faço parte da ReHuNa – Rede pela Humanização do Parto e Nascimento – no Brasil, e sou apoiador de várias instituições em nível nacional e internacional de defesa do parto humanizado.

Doutor, quais as principais dúvidas que uma mulher tem quando entra em seu consultório?

As pacientes que nos procuram para atenção ao parto normalmente têm dúvidas quanto aos significados do modelo “humanizado”. Muitas ainda confundem este tipo de atenção com parto domiciliar. Para tanto eu costumo dizer que a humanização do nascimento se assenta sobre um tripé conceitual:

  1. O protagonismo restituído à mulher, sem o qual estaremos apenas “sofisti­cando a tu­tela” imposta milenarmente pelo patriarcado.
  2. Uma visão integrativa e interdisciplinar do parto, retirando deste o cará­ter de “processo bi­oló­gico”, e alçando-o ao patamar de “evento hu­mano”, onde os aspectos emocionais, fisiológicos, sociais, culturais e espirituais são igualmente valorizados, e suas específicas necessi­dades atendidas.
  3. Uma vinculação visceral com a Medicina Baseada em Evidências, dei­xando claro que o mo­vimento de “Humanização do Nascimento”, que hoje em dia se espalha pelo mundo in­teiro, funciona sob o “Império da Razão”, e não é movido por crenças religio­sas, ideias místicas ou pres­supostos fantasiosos.

Com isso a maioria das dúvidas fica atendida, pois elas percebem que não há uma relação necessária entre o conceito de “parto humanizado” e o local onde ele será realizado. Isto é, o parto pode ser humanizado ou não, independente se for no hospital, numa casa de parto ou no domicílio. Como afirmamos há mais de 20 anos, a humanização do nascimento é uma ATITUDE de respeito ao protagonismo da mulher, à visão integrativa e interdisciplinar e à medicina baseada em evidências. Para maiores esclarecimento leia em https://orelhasdevidro.com/2015/04/21/coincidencias/

O senhor como médico, percebe um aumento do número de mulheres jovens grávidas?

Não, exatamente o oposto. A idade da primeira gestação está por volta dos 30 anos. Hoje em dia são raras as pacientes de classe média que engravidam antes dos 30 anos. A imensa maioria das minhas pacientes de consultório se encontram na “quarta década”, entre 30 e 40 anos.

Quais as principais mudanças que o corpo feminino sofre durante a gravidez? E quais as principais mudanças psicológicas?

Todo o organismo da mulher – a mente e o corpo – se prepara para a gestação. Suas mamas aumentam, a circulação se altera, a quantidade de glóbulos vermelhos aumenta, o sangue circulante aumente por volta de 50% (principalmente o soro, o que produz uma “anemia fisiológica”), a bexiga fica mais sensível, os pés incham pelo aumento de líquido, o intestino fica mais lento pela ação dos hormônios e as mamas podem começar a produzir “colostro”, que é um precursor do leite extremamente rico em nutrientes, e que alimentará o bebê nos primeiros dias de vida. Para além dessas alterações fisiológicas ocorrem várias modificações gerais como sensibilidade aos cheios e gostos, alterações na temperatura corporal, sensações diferentes, desejos alimentares estranhos e muita sensibilidade emocional. Todas estas alterações são heranças de milênios de transformações adaptativas das mulheres ao período gravídico, e devem ser encaradas como fenômenos normais que as ajudam a superar os desafios das mudanças rápidas de seu corpo e suas emoções.

Qual a importância do parto normal para a mãe?

Diminuição dos riscos para a mãe e o bebê e uma preparação de ordem física, emocional, psicológica e espiritual para os desafios da maternagem. Como dizia a antropóloga Bárbara Katz Rothmann, “Parir não é apenas fazer bebês, mas fazer mães fortes e capazes para suplantar os desafios da maternagem”. Para além disso, o parto normal mantém a mulher na rota da fisiologia, o que a capacita a amamentar seu filho com mais facilidade. Esta atitude – amamentação livre – é o maior indicador de saúde para a criança na primeira infância. Se não fosse útil para tantas coisas, o parto normal já seria suficiente apenas por estimular um dos maiores elementos positivos de prevenção de doenças jamais criado: o leite materno.

Para o senhor como médico, porque acha que muitos profissionais optam pela cesárea?

A opção pela cesariana sem justificativas de ordem clínica ou psicológica produzem muitos problemas no mundo inteiro. Como pode ser visto pelas pesquisas relacionando morbimortalidade das alternativas – parto normal x cesariana – as cesarianas sempre produzem números piores. Além disso elas amplificam os problemas da saúde da mulher, em especial as questões relativas à sua saúde reprodutiva. Evitar o abuso de cesarianas é uma questão de saúde pública.

As discussões sobre parto humanizado se tornaram mais comuns, principalmente após a modelo Gisele Bündchen ter o filho dentro de uma banheira. Em casos de mulheres de comunidades carentes, como debater o parto humanizado?

Casas de Parto em São Paulo e Rio de Janeiro que pertencem ao Sistema Único de Saúde possuem piscinas próprias para aa atenção ao parto na água. Portanto, não existe nenhuma relação entre condições econômicas e partos humanizados (na água ou não) que não sejam ultrapassadas com criatividade e poucos recursos. Muito mais importante do que isso é vontade política, pressão social e força de vontade para imprimir as necessárias mudanças.

Uma das minhas entrevistadas foi maltratada por uma médica após se negar a lavar o cabelo depois de ter feito cesariana. Quais os principais mitos que as mulheres têm em função da gravidez?

Os mitos são explicações de causalidade que surgem em função de fatos cuja causa é de difícil explicação. Quando faltam palavras para determinar a origem de um fenômeno, os mitos são chamados para ocupar este lugar. Por outro lado, os mitos não são eternos; eles se modificam à medica que o conhecimento avança, dando lugar a novas mitologias que nos aliviam a tensão e a angústia do desconhecido. Os mitos de Deuses e Demônios deram lugar às mitologias contemporâneas ocidentais, como a “transcendência tecnológica”, que acredita que qualquer ação comandada pela tecnologia é superior e mais segura do que uma determinada pelo humano. Assim cabe à razão e à ciência desfazer lentamente os mitos que povoam ainda o imaginário social. Entre os mitos que existem na gravidez a maioria é feita por curiosidades, como o formato da barriga e o sexo do bebê, as azias e a criança “cabeluda”, as luas e o desencadeamento do trabalho de parto. Entretanto, alguns se mantém sem nenhuma clara evidência, como as proibições de lavar o cabelo depois do parto, pois estaria ligado à loucura. Esta mitologia era muito comum há 40 anos, mas hoje pouco se houve falar nas pacientes de classe média, com amplo acesso à informação. Portanto, desfazer os mitos é também função dos profissionais, sempre respeitando os referenciais e crenças de suas clientes.

Como o senhor acredita ser possível combater a violência obstétrica?

Com informação e justiça. Pacientes devem ter livre acesso às ouvidorias dos hospitais e aos conselhos profissionais para que possam relatar casos em que sua autonomia, liberdade e protagonismo foram ofendidos, assim como os casos de maus tratos ou desobediência às leis, como a negativa de aceitar acompanhantes no percurso do parto. Informação e disseminação de conhecimento sobre os direitos reprodutivos é o único caminho, mesmo sendo o mais longo e trabalhoso.

Uma pesquisa, divulgada em 2010 pela Fundação Perseu Abramo, apontou que uma em cada quatro mulheres já sofreu violência obstétrica. Porque o senhor acha que isso acontece no Brasil?

Falta de conhecimento de seus direitos básicos como cidadão e como pessoa em situação vulnerável, como uma grávida em trabalho de parto no hospital. Uma certa arrogância histórica de profissionais com formação que é insuficiente e falha – muitas vezes – nas questões da ética e uma complacência do setor público com as violências cometidas em instituições com poucos profissionais e excesso de clientes.

Quais principais dicas/conselhos o senhor daria para mulheres que estão grávidas, principalmente aquelas cuja gravidez não foi planejada?

Informe-se. Procure seus direitos. Encontre outras mulheres que estão gestantes e crie grupos de discussão e debate em sua comunidade: na Igreja, na escola, no clube de mães ou no posto de saúde. Procure profissionais ou hospitais que tenham assumido um compromisso PÚBLICO e explícito com a humanização do nascimento. Converse com médicos, enfermeiras e doulas sobre as possibilidades de parto humanizado na sua cidade, bairro ou distrito. Fale com o(a) vereador(a) da cidade (ou os deputados e senadores, em um contexto mais estadual e nacional) para a implementação de LEIS de estímulo à humanização do nascimento, como fiscalização do direito ao acompanhante, lei que protege as doulas, leis sobre violência obstétrica, etc.

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Coincidências ou Plágio?

Birth woods

Um fato curioso ocorreu há alguns dias concernente à discussão da humanização do nascimento no nosso meio. Diante de um questionamento sobre “parto humanizado” e “parto domiciliar” eu escrevi um pequeno texto de dois parágrafos na minha timeline do Facebook que reafirmava um antigo posicionamento meu sobre os elementos que compõem o conceito de “Humanização do Nascimento”. Esta definição foi expressa no meu segundo livro “Entre as Orelhas – Histórias de Parto”, no capítulo “Parir Sozinha”, na página 223. O texto que eu publiquei tinha como objetivo desfazer a confusão que ainda existe sobre “humanização do parto” e “parto domiciliar”. Aqui está o que foi escrito no Facebook:

O parto humanizado se sustenta sobre um tripé conceitual:

1 – Protagonismo da mulher
2 – Visão interdisciplinar e integrativa
3 – Respeito à MBE (Medicina Baseada em Evidências).

Portanto, LOCAL DE PARTO, não qualifica ou desqualifica parto humanizado. Pela conceituação acima pode-se perceber que é possível encontrar partos humanizados em qualquer ambiente. E os “desumanizados” também. Precisamos educar as pessoas para que não confundam mais partos humanizados com partos em casa.

De forma surpreendente recebemos, uma semana depois, um texto OFICIAL da Febrasgo (Federação das Associações de Ginecologia e Obstetrícia do Brasil) em que vários pontos foram chamativos (o texto na íntegra pode ser lido abaixo, assim como sua referência no site da Febrasgo). Entre os pontos interessantes do documento podemos citar:

“O reconhecimento do parto domiciliar como uma das opções válidas das mulheres que procuram um parto humanizado, o que é uma virada histórica na postura desta associação. Antes de criar “terrorismo”, induzir a medos infundados, basear-se nas conhecidas pesquisas repletas de análises equivocadas, preferiu colocar-se a uma posição equidistante e respeitando a soberania da mulher em fazer escolhas informadas.

Estimula a criação de um “Plano de Parto”, antiga reivindicação dos ativistas da humanização do nascimento, mas que sempre foi visto com muita reserva por parte dos profissionais obstetras.”

O mais interessante: o texto se utiliza da MESMA classificação criada por mim há mais de dez anos para definir e conceituar o que seria um parto humanizado, como pode ser visto aqui em um dos capítulos do livro de 2004 “Entre as Orelhas – Histórias de Parto”:

Durante os últimos 15 anos eu me debrucei sobre a aplicabilidade de um su­porte humanístico a um evento complexo como o nascimento humano que, ao mesmo tempo em que se distanciava do “naturalismo”, também guardava uma distância considerável do modelo contemporâneo da “tecnocracia”. Diante desse questionamento, eu estabeleci um modelo de assistência huma­nizada ao nascimento que se assentava sobre um tripé conceitual: O protagonismo restituído à mulher, sem o qual estaremos apenas “sofisti­cando a tu­tela” imposta nos últimos milênios pelo patriarcado. Uma visão integrativa e interdisciplinar do parto, retirando deste o cará­ter de “processo bi­oló­gico”, e alçando-o ao patamar de “evento hu­mano”, onde os aspectos emocionais, fisiológicos, sociais, culturais e espirituais são igualmente valorizados, e suas específicas necessi­dades atendidas. Uma vinculação visceral com a Medicina Baseada em Evidências, dei­xando claro que o mo­vimento de “Humanização do Nascimento”, que hoje em dia se espalha pelo mundo in­teiro, funciona sob o “Império da Razão”, e não é movido por crenças religio­sas, ideias místicas ou pres­supostos fantasiosos.

O texto deixa claro – e de forma inquestionável – a mesma opinião que eu já havia expressado anteriormente sobre a inexistência de relação entre o conceito de “parto humanizado” e o local onde ele será realizado. Isto é, o parto pode ser humanizado ou não, independente se for no hospital, numa casa de parto ou no domicílio. Como afirmamos há mais de 20 anos, a humanização do nascimento é uma ATITUDE de respeito ao protagonismo da mulher, à visão integrativa e interdisciplinar e à medicina baseada em evidências. O local do parto, apesar de ser uma escolha importante para o conforto e a segurança de toda a mulher, não qualifica (ou desqualifica) um parto humanizado.

Coincidência? Eu não creio.  Sincronicidade? Talvez… Acredito que de forma cada vez mais clara as associações médicas estão modernizando seu discurso e sua postura em direção a uma visão mais respeitosa com a autonomia das mulheres e o protagonismo sobre seus partos.  Tal fato ocorre especialmente pelo crescimento do ativismo do parto normal e da pressão que as mulheres estão exercendo sobre a mídia (em especial as Redes Sociais) e os cuidadores sobre a temática do parto normal e a necessária reforma na atenção às mulheres neste período tão significativo. A Febrasgo através de seus líderes reconhece a necessidade de mudança, percebe a importância de incluir o parto domiciliar como um desejo LEGÍTIMO das mulheres e assume como suas as reivindicações históricas da ReHuNa (Rede pela Humanização do Parto e Nascimento) e de todos os grupos favoráveis ao parto humanizado neste país. Só nos resta saudar a postura renovadora e consciente de seus líderes, que perceberam a urgência de promover mudanças em direção ao pleno protagonismo feminino no nascimento, e no reconhecimento da VALIDADE destas escolhas.

Veja abaixo o texto da Febrasgo, e compare com os textos que publicamos uma semana antes no Facebook e dez anos atrás, no livro “Entre as Orelhas”:

Parto pode ser humanizado independente do local ou das intervenções Cada vez mais, aparece o termo “Parto Humanizado” nos grupos de discussão de parto nas redes sociais, nos sites dos profissionais que prestam atendimento obstétrico e na mídia. Mas, na verdade, pouquíssima gente sabe realmente o que  significa humanizar a assistência ao parto. O parto humanizado não é uma técnica de parto. Não é o mesmo que parto domiciliar, e também não é o mesmo que parto natural. Independente do local ou das intervenções, o parto pode ser humanizado. Assim como pode haver parto em casa ou parto natural que não é humanizado. “O parto humanizado é um conceito, onde o tempo do bebê e os desejos da mulher são ouvidos e respeitados.” E no caso de algum desejo da mulher não poder ser atendido, os profissionais que estão assistindo-a irão explicar o porquê, qual intervenção é necessária e ela dará seu consentimento.

Portanto, incentivar que a gestante/casal elaborem um plano de parto e compartilhem com as pessoas e/ou instituições que irão prestar assistência ao parto e nascimento desse casal deveria ser indiscutível e imprescindível para instituições/profissionais que dizem prestar assistência humanizada. O parto humanizado pode acontecer em um hospital, casa de parto ou na casa da parturiente, com equipe que assista a mulher com base em evidências científicas, sem terrorismos desnecessários. (o grifo é meu) O parto humanizado pode ser natural ou pode precisar de intervenções, a pedido da mulher (como a analgesia por exemplo) ou por indicação do profissional que está assistindo ao parto.

Sendo assim, podemos dizer que a humanização do parto e nascimento tem como base três pilares:

1- respeito à autonomia e protagonismo da mulher durante o processo da gestação, parto e pós-parto, com foco na fisiologia destes processos individualizando o olhar para cada binômio.
2- respaldo das condutas obstétricas e neonatais em evidências científicas recentes e de qualidade.
3- assistência multiprofissional e integral à gestante, parturiente, puérpera e bebê. Não há como humanizar realmente uma assistência quando o cuidado é prestado por apenas um profissional. Portanto a inserção de profissionais com olhares diferentes no cenário da assistência obstétrica e neonatal é imprescindível quando se deseja prestar um modelo humanista de atendimento.”


Veja aqui no site da Febrasgo: http://www.febrasgo.org.br/site/?p=10807&hc_location=ufi

(PS: o artigo foi retirado do ar…. outra coincidência?)

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