Arquivo do mês: março 2014

Via de Nascer

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Não há problema algum em disseminar pela Internet (ou pelo rádio, TV ou conversas privadas) que o parto normal é uma via MUITO melhor e mais segura do que a cesariana, e que esta só deve ser realizada em situações extremas, para garantir menor risco para mães e bebês.  Isso é o que as evidências científicas nos demonstram há décadas; não se trata portanto de uma questão de gosto. Existem diferenças marcantes nos resultados – tanto para a mãe quanto para o bebê – em relação à via de parto. Mas o que encontramos na prática médica se opõe às evidências e vai de encontro à boa conduta médica. Infelizmente constatamos um abuso claro e insofismável das indicações cirúrgicas e 52% das gestantes acabam ganhando seus filhos através da cesariana, quando esse número não deveria ser maior do que 10 a 15% de acordo com valores históricos apregoados pela OMS e baseados em estudos bem conduzidos.

Portanto o risco verdadeiro NÃO é o de mulheres rejeitarem indicações adequadas de cesariana por conta de uma “campanha” de rejeição a esta cirurgia. O problema está nas gestantes continuarem acreditando que não existe “nada de ruim” em ter feito uma.

EXISTE SIM!!!! Pelos aspectos médicos, psicológicos, microbiológicos, emocionais, econômicos e sociais a cesariana no Brasil é uma barbárie, na qual as mulheres são as vítimas. O número de cesarianas verdadeiramente bem indicadas é pequeno e a grande maioria destas intervenções é empurrada com falsas verdades e mitos, como “pouco líquido”, “cordão enrolado”, “placenta velha” e tantas outras formas de apavorar uma futura mãe. Ainda vivemos em um mundo onde as mulheres são conduzidas a procedimentos pela autoridade dos profissionais, e não pelo amplo esclarecimento de vantagens e riscos.

Não tenhamos medo de uma mulher empoderada, bem informada e com argumentos, capaz de enfrentar o poder de um profissional médico. Isso é o que se espera da civilização. Tenhamos, sim, medo de mulheres emburrecidas e alienadas, incapazes de questionar o que fazem sobre seus corpos.

Isso é o que ocorre na selva, no reino da alienação.

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Crescer precisa Crescer

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Comentário sobre a Matéria da Revista Crescer com o título de “Tudo o que acontece nos primeiros 60 minutos de vida do seu bebê

Meu nome é Ricardo e sou médico obstetra. Infelizmente virou rotina que empresas jornalísticas escrevam matérias sobre parto e nascimento baseadas em mitologias, informações enviesadas e protocolos anacrônicos. A matéria acima não foge à regra, e esta poderia ser categorizada entre as matérias mais desatualizadas e fracas sobre parto e nascimentos dos últimos tempos. Certamente que o(a) profissional que a assina colocará a responsabilidade nos entrevistados, mas isso não o(a) exime de culpa. Não se admite mais TANTA desinformação e tantos equívocos. Seria enfadonho listar todos os erros graves na reportagem, mas atentem apenas para um deles: as episiotomias são procedimentos agressivos e injustificados, comprovadamente INÚTEIS para mães e bebês desde os trabalhos clássicos de 1987 (Thacker & Banta). Já se passaram 27 anos e existem jornalistas que ainda disseminam este tipo de violência obstétrica!

Para haver uma imprensa responsável, ética e correta é preciso que este tipo de informação venha de mais de uma fonte, para evitar que um entrevistado com carência de boas informações e com condutas ultrapassadas e erradas dissemine conceitos que não tem mais espaço na medicina moderna. Os erros sobre o corte do cordão e aspiração de líquido amniótico são constrangedores. Para um leitor desavisado, mas com conhecimento na área da saúde, pareceria estar abrindo uma revista “Seleções do Readers’s Digest” de 1955, tamanha a desatualização de conceitos. Numa época em que se fala incessantemente de Violência Obstétrica, uma matéria como essa serve de exemplo de como o (mau) jornalismo pode ser violento com a inteligência dos seus leitores.

É importante lembrar os 3 pilares que sustentam a humanização do nascimento:

  1. Protagonismo restituído à mulher, para que ela deixe de ser “tutelada” pelo sistema de saúde, e possa ser a condutora de seu próprio destino;
  2. Parto como evento humano, e não como procedimento médico (mesmo que a visão médica seja uma das importantes formas e perspectivas para avaliar o parto e o nascimento) e…
  3. Vinculação visceral com a MBE (Medicina Baseada em Evidências).

Na matéria da Revista Crescer a mulher não aparece como protagonista, mas como um ser passivo sobre a qual um grande número de procedimentos desnecessários e perigosos serão executados, em sua grande maioria sem a autorização expressa por parte da mulher para a sua realização. As descrições dos procedimentos partem de uma visão absolutamente médica, sem levar em consideração os aspectos emocionais da mãe (afastada de seu filho imediatamente depois do parto para ser “secado” – ???, tendo feito uma episiotomia, mas “sem machucar a mãe” – ?????), psicológicos, sociais, culturais, antropológicos, econômicos e espirituais. E, de forma conclusiva e marcante, as “recomendações” não se baseiam em ciência, mas em mitos, procedimentos antigos, exercício de poder e rituais sem a devida comprovação científica de sua validade. Isso precisa acabar, para que possamos atingir em um futuro próximo a condição de “país civilizado” que, pelo menos no que tange à garantia da integridade física de mães e bebês, ainda não alcançamos.

Modernizar a atenção ao parto é uma URGÊNCIA na saúde brasileira.

Ric Jones
Médico Obstetra Humanista

http://revistacrescer.globo.com/Bebes/Rotina/noticia/2014/03/saiba-tudo-o-que-acontece-nos-primeiros-60-minutos-de-vida-do-seu-bebe.html

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Riso

Risada

“Então na derradeira força o bebê nasceu. Um suspiro seguiu-se de uma gargalhada. O pai ao meu lado ria da simplicidade da vida. Sua risada era pela maravilhosa e genuína beleza descomplicada de nascer em paz. Sua manifestação espontânea ecoou pela casa e contaminou a todos. “Riam todos, escandalosamente! Ela nasceu!” dizia sem palavras a sua sonora risada. Depois, ainda embevecido pelas cenas que seus olhos testemunharam, me disse, sem tirar os olhos de um ponto futuro: “Não pode haver no mundo sensação mais completa e grandiosa do que esta”.

Sorri e concordei… “

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Sobre uma Crítica à Humanização

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Fiquei um pouco surpreso ao ler um texto escrito por um médico e que parece ter sido escrito nos anos 80. O articulista parece estar genuinamente preocupado com a questão da humanização e o problema da violência obstétrica, mas curiosamente o texto fala pouco das questões contemporâneas de violência contra a mulher no momento de parir, e preocupa-se mais com a questão por um viés corporativistas e de proteção do mercado para os médicos. Desta maneira, o colega parece ter descoberto que a humanização do nascimento não deve prescindir da tecnologia e dos médicos.

Eureka !!! No texto ele parece ter avistado a América e ficou maravilhado com sua descoberta, mas ainda não teve tempo de se dar conta que tudo isso já é velho, e que logo ali na frente está o porto e a cidade, construídas há muito tempo.

No texto aparece a frase “…e fôssemos falar em parto e quiçá gestação totalmente “humanizada”, conceituando mínima ou ausente tecnificação..”

Mínima ou ausente tecnificação?” Diante desta insinuação eu pergunto: A quem ainda interessa este conceito anacrônico de confundir humanização com desassistência e repulsa à tecnologia? Tal confusão foi sepultada há anos !!! O articulista prefere se defender de algo que não interessa a mais ninguém, ou seja, a falsa idéia de que a humanização do nascimento prega a ausência de atendimento e a supressão da figura do médico.

Desinformação ou interesse em criar confusão?

No mais o texto revela mais pelo que não diz do que pelo que expressa. A simples existência de um texto em defesa da boa prática médica demonstra uma preocupação crescente da corporação com as acusações cada dia mais consistentes de que o nascimento é local frequente de práticas envelhecidas, inconsistentes e com muita violência. Isso é positivo.

Espero que os equívocos do texto não desmereçam a nobre e positiva tentativa do seu autor em ajudar na construção de uma assistência mais digna e respeitosa às mulheres.

A quem realmente interessa a manutenção desses mitos? A quem interessa a ideia de que a humanização despreza tecnologia e médicos? A quem favorece a noção anacrônica de que a tecnologia pode ser aplicada indiscriminadamente, pois ela representaria o “progresso” e a “evolução” , e que só através dela poderemos nos proteger das incertezas da natureza?

Ora… a pergunta é: Quem se sente ameaçado com a justiça e a dignidade restituída às mulheres? Quem?

O texto nos remete a um falso dilema: Se quisermos a modernidade e o progresso, a alienação e a violência entram no pacote. É uma venda casada, na qual os médicos são os proprietários do parto, e a mulher um objeto sobre o qual eles atuam. Caso queira o parto natural, sem violência e protagonismo, então nós médicos não faremos parte, e seu destino é a selva e a desassistência.

O texto do colega sonega EXATAMENTE a humanização do nascimento, que vem propor a “terceira via”, o protagonismo restituído à mulher, a visão complementar e integrativa e acoplada às EVIDÊNCIAS científicas. Falta tocar no nervo exposto da assistência: a incapacidade crescente dos médicos de entenderem o parto normal como um direito das mulheres e um evento humano, para o qual a sua ajuda é bem vinda, mas não fundamental para a assistência direta.

Falta CORAGEM para olhar este cenário de frente. Por isso é que se cria essa dicotomia falsa e interesseira entre violência e tecnologia X desassistência e barbárie. MENTIRA. É possível oferecer partos humanizados, para todos os setores, públicos e privados, mas para isso é preciso sair das trevas, parar de pensar sobre conceitos estapafúrdios e anacrônicos, e encarar o desafio de oferecer a ética conjugada com a técnica, resguardando as mulheres de intervenções inadequadas no transcurso fisiológico dos seus partos.

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Ultrassom

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Eu falo do exagero de ultrassonografias há 20 anos, mas agora vejo a preocupação alcançar as instituições médicas. Lembro que há muitos anos eu criei as 3 categorias básicas de ultrassom:

  1. Médicas – aquelas que possuem os 3 elementos fundamentais de um exame diagnóstico: uma pergunta uma resposta e uma ação médica.
  2. Sedativas – É utilizada (indicada ou a pedido) para aquelas mulheres que desconfiam de sua capacidade de carregar uma gestação com segurança. Para estas a ecografia oferece uma tranquilização e uma sedação de suas angústias.
  3. Recreativas – Sem indicação clínica, estes exames são utilizados para ver o sexo do bebê, para “espiar” o bebê, para saber “como ele está” ou “com quem é parecido”.

O artigo abaixo se refere às ecografias “recreativas”…

É muito importante estabelecer uma crítica constante aos modismos médicos e ter uma conduta baseada no que é comprovadamente melhor para os pacientes.

http://o.canada.com/news/stop-using-ultrasound-to-determine-sex-of-fetuses-urge-doctors-radiologists/

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Violência Homem

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Para meus colegas homens – que enxergam com tanto assombro e aversão a proximidade entre as palavras “violência” e “obstetrícia” – eu proponho que façam este singelo exercício de imaginação:

Vejam-se em um hospital escola em posição para um toque e avaliação da próstata. Depois de um bom tempo de demora entram o professor e seus 16 alunos. O mestre descreve seu caso como se você estivesse ausente, e como se sua única função no mundo fosse carregar uma patologia no corpo para oferecer aos alunos como aprendizado. Logo depois, sem pedir ou avisar nada, enfia os dedos no seu ânus, descrevendo jocosamente o que encontra, entre um e outro comentário de futebol. Depois disso, pede para um aluno sentir a consistência da próstata, o que ele faz com mais vagar. Depois um segundo, um terceiro e um quarto. Quando você escuta o quinto aluno colocar as luvas, resolve perguntar se está certo ser tratado dessa forma. O nobre professor se indigna e diz, com rudeza, que aquele é um hospital escola, e que você DEVE isso aos alunos. Você concorda, em termos, mas tenta argumentar que existem formas mais dignas e respeitosas de fazer isso, mas é interrompido. Explicam-lhe, finalmente, que é assim ou nada. “Se você quer o atendimento tecnológico que temos a oferecer então deve se calar. Caso não queira, nada podemos fazer para lhe ajudar”.

Você baixa os olhos e se submete. Por medo. Engole em seco e permite, mais uma vez, ter seu corpo invadido e sua dignidade desmerecida.

Pensou? Talvez só assim seja possível a você enxergar porque se calam as mulheres diante das ameaças, explícitas ou dissimuladas. Talvez só passando por uma experiência assim você possa aquilatar a dor da humilhação e da violência. Não é por pouca coisa que as mulheres recalcam essa dor em suas almas.

Enquanto continuarmos a aceitar este tipo de violência contra mulheres todas as outras continuarão a ter sentido. Por outro lado, quando extinguirmos o parto violento, as outras formas de agressão passarão a ser cada vez mais inaceitáveis.

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Violência Mulher

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O pior da violência é quando não é reconhecida como tal. É quando ela se mistura às normas e rotinas, procedimentos e protocolos, sendo institucionalizada e banalizada, a tal ponto que fica camuflada no cenário da atenção. Invisível ela cria raízes e se consolida na paisagem. Quando alguém, por fim, desperta e reclama, sempre aparece um outro que, amortecido pela mesmice das condutas repetitivas exclama: Mas como? Sempre fizemos assim e nunca ninguém reclamou“.

Acredite… quando um grupo de antropólogos e feministas aportou em terras de África para questionar a clitoridectomia em meninas adolescentes como prática ritualística e institucionalizada esta foi a EXATA manifestação do líder tribal. “Como assim “violento”? Esse ritual é realizado há milênios e jamais alguém havia reclamado!!”.

Para ter direitos é necessário conhecê-los. Para viver em um mundo melhor é preciso primeiro concebê-lo, depois desejá-lo e por fim construí-lo.”

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Cesarianas, episiotomias, clitoridectomias…

Cesariana

Episiotomias, cesarianas, histerectomias, ooforectomias…

O que estas cirurgias têm a nos dizer?

Aparte de ocorrerem apenas em um gênero – as mulheres – tais intervenções estão entre as cirurgias mais realizadas do mundo, mas a ninguém parece lícito questionar a necessidade de algumas destas cirurgias. Nós mesmos, os humanistas do nascimento, historicamente defendemos a cesariana bem indicada, criticando apenas seu uso abusivo e indiscriminado. Porém, estamos nos aproximando de números para os quais não existe justificativa. Nos Estados Unidos as cesarianas já chegaram a 33% das gestantes, mais de 1 milhão delas sendo realizadas todos os anos. O Brasil ostenta a vergonhosa marca de 56% de cesarianas todos os anos. No setor privado brasileiro as cesarianas se aproximam de 90%, mostrando que a obstetrícia brasileira desistiu da atenção ao parto normal, oferecendo a via sedutora e alienante da cesariana como primeira (e muitas vezes única) alternativa.

Estes números sobre a forma de nascer deveriam acender um sinal vermelho intermitente para a sociedade. A “vida natural” parece estar cedendo espaço de forma intensa para sua vertente artificial. O nível de intervenção sobre o ciclo fisiológico feminino atinge coeficientes absurdos e inaceitáveis. Entretanto, quando vamos analisar a cesariana com mais profundidade para entender as reais motivações para a sua realização abusiva, percebemos que ela não está isolada no espectro de intervenções sobre o corpo feminino.

As histerectomias estão entre as cirurgias mais realizadas nos Estados Unidos. Por volta de 600 mil são realizadas todos os anos, e mais de 20 milhões de americanas não possuem mais o seu útero. As episiotomias, apesar da sua queda na prática obstétrica graças a quase três décadas de evidências científicas em contrário, ainda são muito utilizadas por lá. No Brasil os relatos das pacientes que sofreram uma episiotomia nos chegam diuturnamente, e até revistas para mulheres ainda as caracterizam como “pequenas intervenções que não machucam a mãe”.

Estas intervenções cirúrgicas ocorrem exclusivamente entre as mulheres e sobre a sua sexualidade. Qual a razão disso?

Para entender as razões para o aumento de cesarianas é fundamental inseri-las no contexto das intervenções culturalmente aplicadas sobre o corpo da mulher, onde esta cirurgia se situa como a mais chamativa, mas não a única.

A clitoridectomia – retirada cirúrgica do clitóris – cirurgia ritualística utilizada por alguns povos africanos, também se caracteriza por uma intervenção ablativa sobre o corpo da mulher. Para estas mulheres a retirada do clitóris as capacita para a vida adulta, fornecendo um ritual de iniciação preparatório para a maternidade. Este ritual milenar, assim como todos os outros que fazem parte do nosso dia-a-dia, não se estabelece ao acaso. Um ritual pode ser definido como “um ato repetitivo, padronizado e simbólico, de uma crença cultural ou um valor. Estas atitudes podem ser simultaneamente ritualísticas ou técnico-racionais”, segundo a definição de Robbie Davis-Floyd. Assim, um ritual qualquer pode ser entendido como a encenação de um valor cultural, de forma consciente ou não.

Uma clitoridectomia e uma cesariana, desta forma, obedecem a um ordenamento semelhante, pois se caracterizam por encenações de valores profundos relacionados à mulher e ao feminino. Se para muitos fica clara a ideia de que a clitoridectomia é uma violência para cercear e controlar a sexualidade feminina, para alguns a mesma lógica pode ser aplicada à realização abusiva de cesarianas, que apenas demonstra uma dificuldade de lidar com as energias de ordem sexual que se tornam evidentes no transcorrer de um parto. A retirada de úteros e ovários, práticas comuns nas sociedades ocidentais também corroboram esta hipótese na medida em que confirmam a noção do corpo da mulher como sendo imperfeito, mal elaborado e defectivo, indigno de confiança.

As sociedades humanas temem a sexualidade feminina porque ela atenta contra um dos seus pilares mais importantes de sustentação: o patriarcado.

As intervenções sobre o corpo da mulher estão assentadas sobre um olhar específico sobre o feminino. Cesarianas, histerectomias, clitoridectomia, episiotomias são todas faces de uma mesma figura. O uso alastrado de formas ablativas de intervenção em seus corpos se baseia na ideia da mulher como ser perigoso, traiçoeiro, dissimulado e inconfiável. As razões médicas para tamanha intervenção são incapazes de explicar a enorme adesão a esta forma de atenção. As culturas humanas olham para a mulher de uma forma depreciativa. Seus órgãos são frágeis e problemáticos, sua menstruação é uma “sangria inútil”, sua gestação é uma bomba relógio prestes a explodir e sua menopausa é uma “falência” que necessita de reposições químicas, caso contrário seus ossos se tornam farinha e se quebram.

Nenhum aspecto FISIOLÓGICO da vida masculina recebe atenção ou tratamento da medicina. Como dizia meu colega Max “Se mulheres tivessem barba haveria tratamento para isso”.

Para entender a profusão de cesarianas é importante entender a mulher e seu contexto. Para mudar esta realidade não será suficiente proibirmos as cesarianas, ou mesmo penalizarmos quem as comete em demasia. É preciso mudar a forma como a sociedade enxerga a mulher e o feminino, valorizando seus rituais de passagem e oferecendo um olhar positivo para eles. O cuidado com momentos críticos da vida reprodutiva e sexual de uma mulher exige mais do que simplesmente intervir quando é necessário; implica em valorizar o que existe de belo e estimular  a vivência mais natural possível destes eventos.

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Parto e Autonomia

Maozinha

Afinal, quem deve tomar as decisões no nascimento?

Você acha que as equipes de saúde podem tomar decisões por você?
Podem escolher por você? É certo você receber uma episiotomia sem justificativa e sem a sua plena concordância? É razoável ter um fórceps ou um Kristeller aplicado sem que você receba explicações? É correto tomar atitudes sobre o corpo de uma mulher sem consentimento?

É justo que você seja afastada do seu bebê sem explicações detalhadas ou justificativas baseadas em evidências, apenas porque as equipes do hospital querem “dar um banho“, “tirar a sujeira do parto“, “pesar, medir, colocar colírio” ou para fazer “procedimentos de rotina“? Podem estes procedimentos ocorrer sem que você seja consultada?

É justo que seu bebê seja levado para longe de você apenas para ser avaliado em um local cheio de luzes, barulhos e cheiro de desinfetantes a despeito de sua vontade expressa de estar ao lado do seu filho? É adequado interromper a “hora dourada” – os 60 minutos que se seguem ao nascimento – para cumprir normas insensíveis e sem comprovação de sua utilidade? A quem servem estas condutas?

Já parou para se perguntar quem tem o direito de mandar em você e no seu filho no momento sagrado em que um é apresentado ao outro?

Pense bem… afinal, quem manda no seu corpo? Quem determina sobre este bebê, que ainda pulsa no mesmo ritmo do seu coração?

Não se trata de impedir o cuidado oferecido pelos profissionais, mas questionar até onde estas intervenções são criadas para verdadeiramente acrescentar segurança ao momento do parto ou apenas para gerar vantagens para quem atende.

Se você acha que a atenção ao bebê precisa ser revista, para que o melhor da técnica se adapte aos direitos humanos, não aceite mais procedimentos indignos e que não respeitam a ciência e negam autonomia às mulheres.

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As Delícias do Parto

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Pela segunda vez em poucas semanas atendemos um parto (no hospital!) em que a mãe, imediatamente depois que o corpinho inteiro do bebê saiu, exclamou de forma espontânea: “Ai, que delícia!!”

Ai, que delícia!! ??????

Mas… não era para ser um horror?
Não era para elas se ajoelharem e pedirem uma analgesia?
Não era para ficarem aterrorizadas e marcarem uma cesariana ainda segurando entre os dedos trêmulos das mãos o teste de positivo de gravidez?

Não entendo…
Não era para ser uma dor excruciante, injusta, cruel e sem sentido?
Não era para ter a intensidade dolorosa de um dedo decepado?
Não era para ser como “defecar um tijolo”?
Onde cabe o conceito de “delícia” no sombrio cenário de parto que me foi ensinado na escola médica?
Onde “prazer”, “realização” e “superação” poderiam fazer sentido no modelo tecnocrático e biologizante que recebi nos bancos da universidade?

Eu pergunto:
Onde foi que perdemos o caminho do nascimento humano?
Onde foi que esta parte fundamental da sexualidade humana foi culturalmente deturpada?
Em que momento perdemos a mão, caímos soltos no espaço, sem referenciais e sem destino?
Onde foi que prostituímos o parto, encarceramos os corpos e sequestramos o prazer, a alegria e a felicidade de parir em paz e com dignidade?
Porque não podemos mais escutar dos nascimentos a verdade que neles se esconde?

Sim, a verdade por tantos sonegada é que esse momento pode ser uma “delícia”, desde que nós assim aceitemos.

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