Arquivo do mês: setembro 2023

Imprensa

Eu costumava escutar rádio pela manhã, ao dirigir para o consultório. Sempre ligava num programa de informação e entrevistas de uma estação filiada à Globo da minha cidade. Em uma dessas manhãs, próximo do impeachment da presidente Dilma, o programa matutino entrevistou o então promotor do MP Federal Deltan Dalanhol, que naquele momento desfrutava a condição de celebridade, e estava no auge da fama. Acumulava palestras e viagens, inclusive nos mais importantes “talk shows” da TV brasileira. Logo após a entrevista, que descrevia com entusiasmo mais uma das operações midiáticas da Lava Jato, o âncora da estação de rádio fez uma declaração apaixonada para o “garoto de bochechas rosadas”, deixando clara sua admiração pelo “grande brasileiro” que estava acabando com a corrupção e os corruptos, colocando a impunidade dos poderosos em nocaute. Nada poderia ser mais explícito do que a admiração daquele jornalista ao justiceiro da Lava Jato.

No horário do almoço, no intervalo das consultas, eu escutava o programa mais longevo do rádio do meu estado: o Sala de Redação, uma resenha de futebol, cotidiano e costumes que ocorre todos os dias de semana a partir das 13h há mais de 40 anos. No dia em que o ex-juiz Sérgio Moro assumiu o Ministério da Justiça o debate (sobre futebol) foi interrompido para transmitir seu discurso de posse. Quando ele terminou sua “elegia ao punitivismo”, o programa foi retomado com aplausos e elogios rasgados ao ex-juiz por parte de toda a bancada, tratando-o como um herói nacional, um ícone da justiça, que estava diante da chance de colocar seu nome na galeria de grandes personagens históricas da República. “Ele é a nossa grande esperança”, disseram alguns. Por “nossa” eles, por certo, falava em nome da classe média ressentida, aquela franja da população que sempre foi o suporte para o bolsonarismo.

Lembro com detalhes dessas datas porque estes foram os últimos programas de notícias e opinião que escutei no rádio. Deixei de ouvi-los ao notar que a imprensa estava totalmente cooptada, agindo em sintonia para dar apoio a um governo de absurdos, capturada pela propaganda anti-esquerda, anti-Lula e em ataque constante ao PT, que fechou os olhos durante vários anos para o despreparo de Bolsonaro, sua incompetência e sua desonestidade, assim como para os abusos evidentes do Ministério Público Federal e do juiz Sérgio Moro. A mesma imprensa que fez livros exaltando o juiz Moro e a Operação Lava-Jato e que jamais empreendeu uma mea-culpa, jamais se desculpou das mentiras e dos “canos de esgoto“, e que nunca realizou a necessária autocrítica sobre o desastre de sua cobertura jornalística, das jornadas de junho até a prisão de Lula.

Quando na noite de domingo de 9 de junho de 2019 foram divulgadas as provas do “hacker de Araraquara” – Walter Delgatti – inicialmente pelo Intercept na figura do seu antigo representante, o jornalista americano Glenn Greenwald, o Brasil parou. Daquele momento em diante os caçadores se tornaram caça, e o mundo de fantasias criado para elevar à condição de heróis nacionais um juiz parcial e procuradores alucinados do Ministério Público começou a se desmanchar como um castelo de areia com a chegada da maré alta. Essa foi a primeira etapa de um longo processo de desconstrução, e que agora joga os personagens Moro e Dalanhol no fundo do poço. Pessoalmente, senti alívio ao constatar que estivera certo o tempo todo, e que não errei ao abandonar a audiência das empresas do jornalismo corporativo que deram o suporte para os golpes em sucessão que se abateram sobre nosso país, jogando na lama sua credibilidade. Não sinto falta alguma da manipulação a que todos somos submetidos cotidianamente pelo jornalismo burguês e hoje posso dizer que perdi a confiança em qualquer empresa jornalística cujos compromissos com quem a financia impede a emergência da verdade. Jornalismo só existe se for livre; sem isso temos apenas propaganda e jogo de interesses travestidos de notícia.

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Fantasma

Quem de nós não tem um fantasma de amor que habita o sótão das memórias?

Meu irmão Roger Jones me fez lembrar de um show de TV que passava na nossa infância e que no Brasil levou o nome de “Nós e o Fantasma” (The Ghost and Mrs. Muir – 1968). A série foi inspirada no filme “O Fantasma Apaixonado”, de 1947, que recebeu uma indicação ao Oscar na categoria de Melhor Fotografia. Este filme, por sua vez, baseou-se na novela escrita em 1945 por Josephine Aimee Leslie, lançado no Brasil com o nome de “Vozes na Casa”. A série era centrada na vida de uma viúva, a jovem escritora Carolyn Muir, que decide reconstruir sua vida e se muda com seus dois filhos – e o cãozinho Scruffy – para um chalé no litoral de Schooner Bay, conhecido como o “Chalé das Gaivotas”. Lá eles descobrem que a casa é habitada pelo fantasma de um velho marinheiro, o Capitão Daniel Gregg. Invisível aos olhos de todos, ele torna-se visível à Sra Muir e seus filhos, e começa a se relacionar com eles.

Havia uma evidente tensão sexual entre ela e o espírito do velho marinheiro. Uma das características do show eram as artimanhas do Capitão para afastar qualquer pretendente que se aproximava da viúva. Entretanto, o amor era explicitamente platônico, como se fosse óbvio que nada de sexual seria possível ocorrer entre os personagens que habitavam as duas diferentes dimensões. Para a minha cabeça infantil era uma história divertida, em especial pelas trapalhadas do sobrinho do Capitão Gregg, Claymore. Hoje, entretanto, vejo na trama um pouco mais do que uma história de fantasmas.

Escutei inúmeras histórias como esta contadas pelas muitas mulheres com quem conversei na vida. Elas me relatavam amores do passado que haviam falhado, laços rompidos na juventude, frustrações românticas que deixavam espaço para infinitas conjecturas. Havia, para muitas, o fantasma de um amor perfeito, que morava no sótão de suas memórias, o amante idealizado do passado, o “amor que poderia ter sido”, perfeito, eternamente jovem, sem mácula, mas que o passar do tempo tornou impossível, o qual sobrevive apenas como doce fantasia. Muitas até usavam esse amor como escudo que as impedia de refazer sua vida amorosa, pelo medo inconfesso da decepção.

Quem já pensou que seu destino poderia ser diferente caso tivesse tomado uma decisão distinta numa encruzilhada da vida?

Abertura “Nós e o Fantasma” – YouTube

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Lobo em Pele de Cordeiro

Prestem atenção no voto do todo-poderoso Ministro Alexandre de Moraes: caso você tenha a oportunidade pouco agradável de um encontro com a polícia, não ouse correr. Se você se afastar da polícia (entre outras razões, porque tem medo de ser morto por um policial mal treinado e em pânico), isso dará aos policiais o direito de invadir a sua casa – mesmo com o uso da força, derrubando sua porta à patadas – sem mandado judicial e sem flagrante delito, apenas por ter se portado de forma “suspeita” (como dizem os americanos, de forma irônica: “suspicion is a felony or a misdemeanor?”). Ou seja: uma atitude “suspeita” – segundo os critérios subjetivos do policial – poderá justificar a invasão da sua casa. Essa invasão violenta do Estado ao caráter “inviolável” do domicílio foi defendida pelo “Príncipe da Democracia”, Alexandre de Moraes.

A sedução de aplaudir o algoz do Bolsonaro assumiu proporções quase incontroláveis. Espaços virtuais como “esquerda compra de esquerda” já vendem memorabilia com a face do “Xandão”, tratando-o como um verdadeiro ícone nacional. Passamos a tratar como herói um sujeito cuja história é marcada por episódios de autoritarismo explícito. A exaltação do ministro psdbista por sua ação nas últimas eleições é uma profunda ingenuidade, pois que sua postura autoritária se tornou evidente desde o episódio do corte dos pés de maconha.

Esse pendor para as ações punitivas não deveria causar espanto no campo progressista, mas boa parte da esquerda liberal ainda se deixa seduzir por frases de efeito, demonstrações de virilidade e ações pirotécnicas. Alexandre foi indicado pelo golpista Temer, o que já deveria nos causar repulsa, e suas posições sempre tiveram como norte uma perspectiva arrogante e autoritária. Aplaudir suas ações é um ato de expressa ingenuidade que a esquerda raiz deve repudiar.

E vejam bem; os lavajatistas confessos Facchin e Barroso foram contrários a tese da liberalidade oferecida às forças repressoras do Estado de invadir sua casa. Ou seja, até mesmo os ministros mais reacionários compreendem a gravidade de permitir estas invasões e defendem a manutenção da proteção do cidadão diante do poder massacrante da polícia. Para a surpresa de nenhum marxista consciente, Xandão se associa às forças sociais mais retrógradas e escolhe a perspectiva abusiva que atropela o direito individual.

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Felicidade

A alegria explícita em um mundo que exalta a depressão é vista como uma forma de subversão ao modelo social. Ser feliz agride frontalmente um sistema baseado no consumo, porque é evidente que as pessoas felizes não tem buracos a preencher com coisas compradas. Toda a propaganda procura lhe tornar infeliz, mostrando o quanto a falta de objetos lhe diminui e oprime. Com isso poluímos a existência com bugigangas, penduricalhos, tralhas pesadas que carregamos com pesar e esforço. A felicidade, entendida como a disciplina dos desejos e a valorização dos afetos, é a forma mais efetiva de libertação espiritual, muito mais do que qualquer religião ou fortuna.

Agnes Edwiges Stanton, “A River for every Bridge”, Ed. Sampaoli, pag. 135

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Pontes

Como é curiosa e perfeita a sabedoria da natureza, que faz correr um curso de água por baixo de cada ponte construída.

Edouard Lefay “Quotes from the underworld”, Ed. Sullivan, pág 135

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Misandria

Deveria o feminismo repetir os erros do machismo?

A imensa maioria dos homens daria a vida para proteger a vida de uma mulher, fosse ela sua esposa, mãe, filha ou mesmo uma desconhecida. É isso que nos demonstra a história da humanidade e nosso entorno. Sim, existem canalhas espancadores e abusadores, mas apenas uma parcela ínfima e insignificante de homens desprezaria os códigos masculinos e machucaria uma mulher. Ainda assim, existem aqueles que desejam acreditar que esta “franja maldita” de homens feridos seja o retrato da própria masculinidade.

Toda a civilização foi construída por homens objetivando proteger as mulheres e seus filhos. Olhem ao redor e vejam as maravilhas criadas pela engenhosidade masculina e observem como são usadas para o bem de todos, homens e mulheres. A frase “mulheres e crianças primeiro” deveria fazer soar um sino de alerta. Quem a disse, e repetiu por milênios, não o fez por amor às mulheres e seus significados no mundo? Se existem homens perversos e cruéis com as mulheres – por certo uma minoria – por que não haveria o mesmo número de mulheres a odiar, desprezar, torturar e desconsiderar os homens? Ou por acaso devemos acreditar que as mulheres são mais doces, amorosas, nobres e dignas que os homens? Seriam elas mais inteligentes? E se disséssemos isso de negros em relação aos brancos, não seria esse um preconceito malsão e inaceitável? Por que aceitamos para os gêneros o que repudiamos nas “raças”?

Mulheres e homens compartilham as mesmas virtudes morais e intelectuais, mas também as mesmas tragédias e dramas, determinados pela condição humana. Querer determinar um gênero mais inteligente, capaz ou honesto que outro – elementos da essência moral e intelectual da humanidade – é um erro grosseiro, que apenas estimula ódio e divisionismo. Quando esta divisão foi aplicada às raças produziu o holocausto, e hoje quando é usada para tratar um gênero como superior ao outro apenas atrasa as propostas de um entendimento mais equânime e justo.

Esse ódio aos homens precisa parar.

Maggie Maxwell Wilkinson, “The Spirit of Innovation”, Ed. Oxford Press, pág 135

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Isonomia

Se a esquerda reclamava – e hoje sabemos, com razão – do ativismo jurídico da Lava Jato e seus métodos medievais de tortura, precisamos lutar para que isso jamais se repita, inobstante a vítima que esteja sendo submetida a este processo desumano e cruel. Exigir que as delações citassem Lula para que a delação fosse aceita e o preso fosse liberado foi uma praxe entre os procuradores em conluio com o juiz de Curitiba. Todavia, este tipo de prática abusiva e imoral é literalmente o mesmo que exigir dos atuais prisioneiros da operação da Polícia Federal que investiga os atos ocorridos em 8 de janeiro que citem a participação direta de Bolsonaro. Condicionar estas delações seletivas à liberação da prisão é o que se condicionou chamar de “tortura” quando o perseguido era Lula. Deveria ser diferente com nossos adversários?

E vejam; isso não significa que Bolsonaro seja inocente, que não tenha participação nos atos de 8 de janeiro. Não significa também que ele não tenha sido a mente por trás dos atos golpistas e da manifestação tosca e histérica (desculpem o termo aparentemente machista) de uma turba de celerados gritando palavras de ordem, misturando exortação ao “espírito santo”, com o “juízo final”, “Jesus”, Olavo de Carvalho e o coronel Ustra. Entretanto, não podemos incorrer no mesmo erro que causou a debacle da Lava Jato. Qualquer ato que demonstre um interesse em penalizar Bolsonaro e sua turma para além dos crimes deveras cometidos corre o risco de produzir nulidades e oferecer ao ex-presidente o destaque que 20 milhões de brasileiros ainda acham que tem.

Quem luta pelo Estado Democrático de Direito não pode ser oportunista – a lei deve ser igual para todos. Acreditar que os problemas da democracia brasileira estão atrelados à figura burlesca de um Bolsonaro com as calças sujas de farinha atirando perdigotos para sua claque ainda não entendeu os reais dramas da democracia liberal brasileira. Se acreditamos que a exaltação de um juiz parcial e desonesto por parte da mídia corporativa era inadmissível, pois que sua conduta era arbitrária e autoritária, porque não temos o mesmo sentimento ao ver os arroubos de estrelismo do ministro calvo disparando sentenças claramente punitivistas? Por que devemos acreditar que os abusos de Moro são muito piores do que o de ministros do STF, que há poucos meses pisavam na Constituição para manter preso e alijado das eleições o presidente Lula? Se não houver um cuidado muito preciso com cada passo na direção da adequada punição a Bolsonaro a militância fascista e de extrema direita vai afirmar (talvez com razão) que se trata de uma perseguição política contra Bolsonaro. Não temos o direito de fazer contra os bolsonaristas o que os acusamos de fazer contra nós.

Não vejo necessidade de pressa para punir Bolsonaro; prefiro que seu julgamento seja justo e estritamente legal, mesmo que tenhamos que esperar até que todas as condições legais sejam cumpridas. Isonomia é um direito de todos nós, e abrir exceções apenas para dar vazão ao nosso desejo de vingança pode ser motivo de arrependimento logo adiante.

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Bichos

Careca, a chefona da Comuna

Por que será que não me impressiona o fato de que a mulher que fez a acusação grosseira contra Lula no interior do RS – dizendo que a distribuição estaria suspensa até sua chegada – é defensora de bicho e trabalha em uma ONG de proteção aos animais? Por se tornaram tão comuns na sociedade atual esses personagens, como o “ecofascista” e o “fascista dos direitos animais”? Isso me faz lembrar a frase de um conhecido ditador brazuca que se gabava de “gostar mais do cheiro dos cavalos do que do cheiro de gente”. No ano passado uma apresentadora de programas infantis declarava que “preferia ficar com bichos do que com gente”.

Não parece coincidência. Essas são as pessoas que dizem que os animais são “superiores” aos humanos, que são fiéis, amorosos, inteligentes e bondosos. Essas pessoas adoram exaltar bichos e desmerecer as pessoas. Ouvi de uma paciente, há muitos anos, que ela gostava mais dos seus cães do que dos seus familiares. Existem nas grandes cidades supermercados dedicados exclusivamente ao mundo “pet”, com centenas de produtos, equipamentos, roupas, casas, brinquedos, comida, etc. O que isso significa para a cultura?

O Brasil ocupa a 3ª posição no ranking mundial de países com a maior população total de animais de estimação. Estes dados são da Abinpet (Associação Brasileira da Indústria de Produtos para Animais de Estimação). Não apenas isso, mas o crescimento é vertiginoso, e a associação indica que deve ocorrer um aumento de até 14% no setor em relação ao ano passado, quando atingiu R$ 46 bilhões. Só para comparar, o orçamento da educação no Brasil é de 147 bilhões. Qual a explicação para o gigantismo crescente do “amor pelos animais”?

Ok, as pessoas tem menos filhos. O fenômeno começou na Europa quando, por lá, a classe média resolveu refrear a natalidade, enquanto o Brasil ainda crescia 3% ao ano. Entretanto, o modelo logo chegou aqui. Os sentimentos maternais e paternais seriam desviados para os pets, que assumiriam a condição de crianças da casa. Não é à toa que se usa tão abertamente a expressão “mãe” e “pai” de pet, e a relação com eles se estabelece com essa configuração familiar. Entretanto, para alguns o amor aos pets vem acompanhada de uma marcada e indisfarçável misantropia, um ódio pelas pessoas, associada a uma percepção fantasiosa e idealizada dos animais, que seriam como “adultos sem maldade”, ou seja “sem dolo”. Exato, crianças.

Nem é necessário lembrar de Freud e seus estudos sobre a sexualidade infantil que apontavam para o egoísmo visceral e natural das crianças, desmontando a imagem angelical dos pequenos. Também não é difícil perceber que o amor desmedido pelos animais esconde elementos menos nobres, os quais a superficialidade das análises por vezes impede nossa visão de perceber. Este amor, como se sabe, é sempre seletivo. É amor, mas por certo ele só acontece por alguns animais, aqueles com os quais é possível a identificação. Para amá-los é preciso torná-los gente, com sentimentos, emoções e desejos que podemos reconhecer. É por isso que amamos golfinhos, mas não atuns; os primeiros são capazes de demonstrar de forma clara sua semelhança conosco.

Nada tenho contra os animais – todos eles – muito menos condeno quem os ama, um sentimento que, reconheço, não fui dotado. Digo isso mesmo tendo quatro cachorros que convivem comigo e que me consideram como parte da sua família. Entretanto, não tenho por eles amor, tão somente respeito. Não os condiciono às minhas vontades e permito que sejam livres e soltos; sem compromissos. Entretanto, percebo que alguns apaixonados pela “causa animal” usam do ativismo pelos pets para esconder sua profunda aversão aos seus semelhantes, o grave ressentimento com seres humanos e uma rejeição ao contato com gente. Por isso é tão comum ver esses ativistas envolvidos em atos condenáveis.

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Emaranhado

Machado de Assis também estava errado ao dizer que “o ladrão já nasce feito”, e que a ocasião apenas oportuniza o crime. Essa proposta é de um essencialismo brutal e imobilizante pois, se admitirmos que o caráter é inato, infenso aos condicionantes sociais e às necessidades artificiais criadas pelas sociedades de classe, então teremos de aceitar os determinismos lombrosianos de que o caráter deformado é uma marca de nascença, e nenhum processo educativo seria possível.

Não aceito esta perspectiva, e creio mesmo que a ocasião também faz o ladrão. Basta uma leve investigação no mundo ao seu redor para perceber que muitos sujeitos de caráter dúbio atravessam a existência com aparência de honestos apenas porque a ocasião adequada não lhes foi ofertada pelo destino. Outros, sucumbem à pressão dos desejos e se atiram nos atalhos da vida, mas suas falhas apenas se tornam escândalo quando a porta da oportunidade se abre. Prefiro crer que entre o Santo e o Criminoso se ergue um tênue e translúcido véu, onde o acaso têm um fator preponderante em sua tessitura, e que a razão para suas rotas divergentes se esconde no emaranhado de escolhas e circunstâncias que os envolvem.

Dionélio Souza Ribeiro, “Encruzilhada das Letras”, Ed. Panteão, pág 135

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O que não mata…

Há um velho ditado que diz que “aquilo que não te mata te fortalece”. Por trás dessa afirmação está a ideia de que, com exceção dos eventos fatais, os episódios dolorosos na vida fortalecem aquele que por eles passam, deixando o sujeito mais preparado, capacitado e fortalecido. Não é muito difícil entender que existe sabedoria nesta perspectiva: se a vida é feita de aprendizados, nossos sofrimentos e traumas também podem ser vistos como duras lições que o destino nos oferece. Os sábios do deserto diziam que “a única dos insuportável é aquela para a qual não damos sentido e significado”. Assim, se é possível entender os sofrimento como plenos de ensinamento então aquela dor que não lhe mata (pois a morte encerra a possibilidade de crescimento) pode ser valiosa, dependendo do que você fizer com ela, qual o sentido que oferecer a ela. Portanto, o que não lhe mata lhe fortalece sim, por oferecer experiência, e ela será a principal ferramenta de sobrevivência para os futuros desafios – semelhantes ou iguais a este. Esta é a pedagogia por excelência da nossa espécie, responsável pelo fantástico aprendizado das crianças. Não há dúvida que uma série de problemas podem ocorrer causados pelos traumas inevitáveis que a vida proporciona, porém muito pior que isso é acreditar ser possível uma vida sem desafios, dores, quedas e traumas.

Pensem na perspectiva da “descoberta das Américas” pelos europeus. Os indígenas que aqui viviam não foram expostos aos “traumas” das doenças endêmicas causadas pelo convívio íntimo com os animais domésticos, como ocorria há séculos com os europeus. Desta forma o sistema imunológico deles não estava fortalecido pelas múltiplas exposições. A falta deste tipo de doença na América pré-Colombiana foi o principal causador do extermínio das populações originárias, muito mais do que os enfrentamentos com os invasores do velho mundo.

O que não havia matado os europeus – as doenças causadas pela domesticação de animais – os havia deixado imunologicamente mais fortes, preparados e protegidos. A falta deste “mal” entre os nativos da América os tornou mais fracos, presas fáceis da invasão microbiana. Porém, esta específica perspectiva dos sofrimentos não é uma apologia do “trauma” ou uma visão masoquista da história, e sim o simples reconhecimento da importância fundamental desses processos dolorosos para o fortalecimento de sujeitos, ideias e nações

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