Arquivo do mês: junho 2017

Nomear e Apoiar

Creio que um dos principais problemas que permeia os debates sobre parto é confundir nomeação e suporte. Muitas mulheres e homens – e boa parte dos ativistas – ainda não entenderam que existem dois temas envolvidos nessa discussão e insistem em confundi-los.

É fundamental a importância de NOMEAR uma cirurgia abdominal, como uma cesariana, para conter seus abusos e combater sua banalização, que tantas vidas ainda coloca em risco e tantas frustrações gera nas mulheres. Por outro lado, e de forma concomitante, há a necessidade de APOIAR as puérperas em qualquer circunstância. Estas etapas são INDEPENDENTES, mas criamos a ilusão de que são uma só.

Infelizmente acreditamos que mentir – para mulheres ou crianças – é uma forma de acolhimento e carinho.

Assim sendo, podemos (devemos) nomear com precisão o que aconteceu com uma mulher que pariu e ao mesmo tempo lhe oferecer apoio empático e incondicional. Podemos usar a correta nomeação seguida de apoio, como em: “Você teve infelizmente uma cesariana mas lutou bravamente por dar o melhor ao seu filho”. Alternativamente você pode não nomear e apoiar, mas isso permite facilmente cair na banalização, como em “Tanto faz a via de parto o importante é mãe e bebê estarem bem.” Sabemos como isso é usado por cesaristas. Outra possibilidade é nomear e não apoiar, como em: “Você teve cesariana e nenhuma mulher é verdadeiramente mãe se não passou por um parto”, e sabemos o quanto de crueldade esta afirmação carrega. Finalmente, você pode não nomear e não oferecer apoio, de maneira igualmente cruel e infantilizante, como em: “Não importa como foi o parto, nada justifica toda essa sua manha”.

Continuar a confundir estas etapas não ajuda em nada nos debates, além de atrapalhar demais a discussão sobre os caminhos a seguir. Desconsiderar a importância da VERDADE e do SUPORTE – que NÃO SÃO excludentes – é grave e continua produzindo tristeza e rancor, cobertos por uma grossa camada de culpa. Tratar as mulheres como adultas já não é mais uma “opção”, mas um dever de todos nós.

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Orgasmos

Será possível ainda acreditar que a abordagem sobre as dificuldades sexuais – tanto para homens quanto para mulheres – pode ser de ordem cognitiva? Vejo gente falando sobre “as mulheres não conhecem o próprio corpo,” dando a entender que a “ignorância” sobre ele acarretaria em dificuldades para obter prazer. Quando leio isso eu lembro das opiniões médicas sobre “homossexualismo” de alguns poucos anos que afirmavam que tal “desvio” poderia ser “curado” pela perspectiva racionalista.

Pessoalmente, não acredito nisso. Creio que sexo não mora nos genitais e sequer no neocórtex; para homens e mulheres ele dormita nas profundezas do inconsciente e só com uma abordagem que abra as cancelas que protegem as suas profundezas será possível mudar seu destino. Não há nada que possa ser “ensinado” às mulheres e aos homens que seja capaz de mudar a rota do seu próprio prazer. Buscar na razão esta resposta é como procurar a chave perdida debaixo do poste de luz, mesmo sabendo que ela foi deixada mais abaixo, num ponto escuro da rua.

Para mim afirmar que as agruras da sexualidade podem ser motivadas com cursos ou “informação” tem o mesmo valor que dizer que o vício de fumar pode ser vencido se ensinarmos aos fumantes os os malefícios do cigarro. Ou ainda – na mesma direção e em sentido oposto – se acharmos que um treinamento ou uma “formação” poderiam curar uma compulsão sexual (como uma parafilia, por exemplo). Acho que isso nada mais é do que procurar no lugar errado.

Cursos e vivências sobre a temática da sexualidade podem melhorá-la não pelo que se “aprende“, mas pelo que se “apreende“.

O problema sempre ocorre com abordagens prescritivas, ao estilo “Nunca faça isso“, “faça assim“, “dar prazer sem receber é errado“. Errado para quem? Como podemos julgar a subjetividade nesse nível? Uma compreensão rasa e limitada do que seja prazer pode nos fazer julgar o prazer do outro como “errado“.

A melhor e mais preciosa história que conheço a este respeito vem do filme Manhattan, de Woody Allen, pela voz da personagem de Tisa Farrow (irmã de Mia).

Ela chega na festa e diz para um grupo de convidados:

Queridas, queria comunicar a vocês que, depois de 20 anos de análise, ontem eu tive pela primeira vez um orgasmo.

As amigas a abraçam eufóricas, mas ela diminui o entusiasmo delas com um olhar condoído.

– Calma, meninas. Infelizmente meu psiquiatra informou que eu tive um orgasmo do tipo errado.

Ohhhh“, dizem e se apressam em consolá-la.

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Rituais mutilatórios

E quanto aos rituais…. eu sou DEFENSOR árduo dos rituais. Eles são fundamentais para a cultura. Natal, Páscoa, Pesach, ano novo (cristão, chinês, hebreu), bodas, aniversários, funerais, etc. A questão é que todos os rituais desnudam os valores culturais. Estudei por 30 anos os rituais de parto para me convencer que eles apontam para os valores do patriarcado e que se assentam sobre o mito da defectividade essencial da mulher. Esta é a questão central: os rituais nos mostram quem somos!! Fazem isso porque operam na sombra do inconsciente e não sob a luz da razão!

Por isso eles são poderosos e reveladores. Sob a luminosidade da razão eles murcham, secam e ….. se transmutam. Os rituais não são estanques e imóveis; eles caminham dois passos atrás do nosso conhecimento e dos valores sociais, e nos seguem de perto. Quando a razão impõe um novo entendimento da realidade, os rituais se modificam para se adaptar à novidade. Os rituais são eternos, mas não imóveis. Sua metamorfose adaptativa é o que lhes confere a imortalidade.

Acabar com as mutilações genitais tem o mesmo sentido de terminar com os sacrifícios sobre animais que fazíamos em um passado não muito distante. Pareciam ter sentido, mas aos poucos – calcinados pela luz da razão – foram desaparecendo. O mesmo precisa ocorrer com os rituais humilhantes ou violentos – como as mutilações.

Se as mutilações tinham alguma vantagem higiênica e identificatória há milhares de anos estas funções desapareceram. Ninguém pode admitir que sua proximidade com Deus se deve por ter a vulva deformada ou o prepúcio amputado. A ciência inclusive nos mostra o quanto perdemos de sensibilidade e prazer com estas perdas e cortes. A abolição destas mutilações em crianças é um marco civilizatório essencial.

Estabeleça-se que nenhuma criança pode ter seu corpo violado por práticas ritualísticas e mutilatórias e que qualquer adesão a estes grupos religiosos através dessas práticas só possa ocorra após a maioridade. Essa mudança nas práticas permitiria que as marcas, quaisquer que sejam, ocorram sob o controle de um sujeito livre para tomar decisões perenes sobre o seu próprio corpo.

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Polícia

A polícia do Brasil é a que mais mata no mundo. Não sei se é a que mais morre, mas isso é irrelevante. Morrem muitos policiais também, muitos mesmo, e isso é lamentável.

De qualquer forma, equipar as polícias e as transformar em máquinas de guerra não ajuda a solucionar a questão, tanto aqui quanto em lugar algum do mundo. Os Estados Unidos são um claro exemplo desse fracasso. O Japão e a China são exemplos do sucesso do desarmamento. O capitalismo americano – que conjuga opulência com miséria junto com concentração absurda de riqueza – gera o descontentamento e agressividade, semelhantes ao que vemos no Brasil. Tornar o Brasil um país-presídio, um estado policial, não funcionaria pois jamais teve sucesso em lugar algum do mundo.

“De acordo com os Centros de controle e prevenção de doenças, em 2013, armas de fogo foram usadas em 84.258 lesões não-fatais (26.65 por 100 mil habitantes dos Estados Unidos) e 11.208 mortes por homicídio (3.5 por 100.000 habitantes), 21.175 por suicídio com arma de fogo 505 mortes devidas a disparo acidental de arma.”

Nos EUA 85 mil pessoas são feridas por balas por ano e o país possui quase 3 milhões – um Uruguai inteiro – encarcerado. Criar prisões não soluciona o drama capitalista, assim como instituir leis severas ou diminuir idade penal também não. O punitivismo é um fracasso total e uma desumanidade absurda com os presos, basta olhar as masmorras em que jogamos nossos sujeitos indesejáveis. A solução é a que já conhecemos de alguns países europeus: equidade e justiça social.

Mas aí precisamos de um presidente que represente a massa dos excluídos, e isso a Casa Grande não aceita.

A alternativa é a convulsão social mas o resultado disso é morte e angústia.

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Vida em plenitude

Ninguém falou sobre isso, eu acho, mas para mim há uma brutal contradição no experimento dos vidros com arroz que receberam palavras “boas” ou “ruins”, realizados em uma escola do Paraná. (a piada óbvia é que para um vidro se gritava “Lula” e para o outro “Moro”)

O resultado para mim foi muito confuso. Não a constatação objetiva do experimento, mas como foi interpretado pela professora e por muita gente.

Vejam bem: No pote que recebeu palavras “positivas” nada cresceu, como pode ser constatado na foto. Tudo se manteve estático e estéril. Não houve crescimento de bactérias ou fungos. Tudo ficou como estava antes de ser fechado. Por outro lado, no vidro da “negatividade”, houve crescimento, abundância e uma multiplicidade biológica impressionante. Ocorreu intensa diversidade e estímulo à vida.

Em outras palavras, o pote da negatividade produziu energia e vida e o pote da positividade estagnação e esterilidade. Ou vocês acham que a vida em seu fulgor e energia incessantes deve acompanhar os nossos pueris preconceitos estéticos?

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Consciência e mudança

Por debaixo de um ato qualquer existe uma construção social e inconsciente que nos impele às ações. Mesmo quando o ato nos parece incongruente existe uma lógica que o sustenta além da nossa rasa compreensão. O que os torna fortes e longevos é sua conexão com o desejo, e não com a razão.

A episiotomia ocupa um lugar no próprio imaginário feminino, que aceita tais mutilações como o “preço a pagar” por ser mulher e trazer seu filho ao mundo com segurança. O mesmo ocorre com as mutilações genitais na África, onde as próprias mulheres ainda aceitam esse destino como justo, talvez como culpa ancestral pela própria condição feminina, sempre ligada ao pecado e ao erro.

Na China nenhuma das alunas enfermeiras obstetras de diversas províncias chinesas realizava episiotomia de rotina. Ficaram escandalizadas quando falei da nossa taxa global de 56% (e de estados do centro-oeste com 70% de taxa de episiotomia). E isso em um país em que quase todos os partos são em litotomia. Para elas episiotomia é uma conduta estranha e violenta. Conseguiram manter a ideia de um períneo intocado mas infelizmente sucumbiram aos modismos ocidentais como parto deitado, máscara, esterilização, separação mãebebê, hospitalização, etc.

Mudar essa condição será possível quando trouxermos tal construção histórica à luz. A simples evidência de sua inutilidade e malefício (cujos estudos comprobatórios já contam mais de 30 anos) não é suficiente para erradicar uma prática violenta, por mais evidências apontadas. É preciso mais do que razão; é necessário consciência política e organização social para pressionar pela extinção das más práticas.

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Rotinas hospitalares

As rotinas hospitalares são usadas, no dizer de Robbie Davis-Floyd e Brigitte Jordan como “tecnologias de separação“. Se existem raros casos em que esta distância e o confinamento de recém-nascidos são necessários o uso alastrado dessa prática tem muito mais significado pelo que carrega de forma invisível e simbólica. Esse afastamento manifesta uma atitude autoritária dos poderes delegados do Estado contra a autonomia da mulher sobre seu filho. O objetivo inconsciente destas condutas e rotinas é despojar a mulher do controle sobre seu filho, estabelecendo uma tirania da técnica e do conhecimento sobre a conexão mãe-bebê que recém se estabelece. Nesse momento especial é lançada a pedra fundamental para a construção de um sujeito subserviente ao Poder.

Nesses momentos sempre lembro a frase da minha amiga Mary, parteira da Holanda: “Você quer que seu filho nasça como paciente ou como cidadão?”

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Generalização

“Uma generalização negativa e demeritória sobre grupos, etnias, gêneros, religiões etc. com a qual não concordo. Caso concorde, então é apenas a verdade dura que precisa ser dita”.

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Profissionalização

Creio que um dos principais problemas que permeia os debates sobre parto é confundir nomeação e suporte. Muitas mulheres e homens – e boa parte dos ativistas – ainda não entenderam que existem dois temas envolvidos nessa discussão e insistem em confundi-los.

É fundamental a importância de NOMEAR uma cirurgia abdominal, como uma cesariana, para conter seus abusos e combater sua banalização, que tantas vidas ainda coloca em risco e tantas frustrações gera nas mulheres. Por outro lado, e de forma concomitante, há a necessidade de APOIAR as puérperas em qualquer circunstância. Estas etapas são INDEPENDENTES, mas criamos a ilusão de que são uma só.

Infelizmente acreditamos que mentir – para mulheres ou crianças – é uma forma de acolhimento e carinho.

Assim sendo, podemos (devemos) nomear com precisão o que aconteceu com uma mulher que pariu e ao mesmo tempo lhe oferecer apoio empático e incondicional. Podemos usar a correta nomeação seguida de apoio, como em: “Você teve infelizmente uma cesariana mas lutou bravamente por dar o melhor ao seu filho”. Alternativamente você pode não nomear e apoiar, mas isso permite facilmente cair na banalização, como em “Tanto faz a via de parto o importante é mãe e bebê estarem bem.” Sabemos como isso é usado por cesaristas. Outra possibilidade é nomear e não apoiar, como em: “Você teve cesariana e nenhuma mulher é verdadeiramente mãe se não passou por um parto”, e sabemos o quanto de crueldade esta afirmação carrega. Finalmente, você pode não nomear e não oferecer apoio, de maneira igualmente cruel e infantilizante, como em: “Não importa como foi o parto, nada justifica toda essa sua manha”.

Continuar a confundir estas etapas não ajuda em nada nos debates, além de atrapalhar demais a discussão sobre os caminhos a seguir. Desconsiderar a importância da VERDADE e do SUPORTE – que NÃO SÃO excludentes – é grave e continua produzindo tristeza e rancor, cobertos por uma grossa camada de culpa. Tratar as mulheres como adultas já não é mais uma “opção”, mas um dever de todos nós.

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Esperança

“Não esmoreça. Passe pela vida e deixe seu testemunho. A vida é curta demais para covardias e vaidades. Faça esse tempo curto de convívio conosco valer a pena. Deixe seu tijolo para a construção de um mundo melhor e permita que sua consciência e sua ética guiem seus passos em meio à artilharia pesada das forças do atraso. Siga em frente de peito aberto. Não se iluda: muitos acompanham teus passos em silêncio e seguem teu exemplo.”

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