Arquivo do mês: fevereiro 2023

Religião e paz

Religião não tem nada a ver com guerras ou pacifismo. Aliás, a imagem acima, com cavaleiros Cruzados em batalha, pode dar a falsa ideia de que esta foi uma guerra “religiosa”, de cristãos contra o islã, algo tão errado quanto a luta de “católicos contra protestantes”, na Irlanda, algo que era ensinado quando eu estava na Escola – uma forma imperialista de descrever o conflito. As religiões não produzem guerras – nem paz. Ninguém mata pelo Deus do outro ou pela forma de fazer pão. O que nos leva à guerra são interesses materiais bem mais palpáveis.

Como diria Marx, “a história do mundo é a história das lutas de classe”. Pegue qualquer guerra, em qualquer período da humanidade e verá que em todas elas vamos encontrar interesses econômicos e geopolíticos determinantes, e não disputas ideológicas ou de caráter religioso. As religiões, entretanto, são usadas como “cola”, uma forma de seduzir o povo para o esforço de guerra, clamando por uma identidade ou pela defesa de valores culturais que estariam sendo “ameaçados”, questões estas que são absolutamente desprezíveis para aqueles no poder e que estão interessados economicamente no conflito.

Portanto, se você acha que as religiões produzem guerras, então foi reprovado em suas disciplinas de história

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Arquivado em Pensamentos, Religião

Facebook

Ahh, como eu te amo Facebook, paraíso das frases feitas, dos conselhos para desmerecer conselhos, da autoajuda, da glorificação do sujeito, da imagem própria fátua e gloriosa no espelho da tela, das imagens retocadas, dos recados cafonas em guardanapos, dos textões, das indiretas, das comidas ajeitadas, das fotos na praia, da Turrefél ao fundo da foto, da roupa suja lavada em público, dos linchamentos de personalidades, das citações, das lacrações, dos comentários políticos, das ideias geniais, da foto do diploma, dos cortes de cabelo, das poesias, dos xingamentos, das frases bíblicas, dos ateus proselitistas, das dores morais, dos arrependimentos, das imagens de casais e suas juras de paixão eterna, o carro novo, o livro que está lendo e suas páginas sublinhadas, as fotos de biquíni, as fotos na academia, das resenhas, dos cancelamentos, da ironia, das ofensas dissimuladas, da inveja, da saudade de quem se foi, dos lugares comuns escritos com sofisticada empolação, das declarações desabridas de amor, das paixões incontidas, das teses longas que ninguém lê, das fotos antigas do tempo do colégio, das homenagens aos pais, das fotos da mulher quando era mais jovem, os gatinhos, os cãezinhos, os bebês, os netos, a casa e o quintal, as fotos antigas do marido sem barriga, das conquistas dos filhos, dos memes, dos clipes de música e da alienação dolorida, brilhante e colorida que se choca contra nossa retina tão logo toca o despertador do celular.

Vou sentir saudades…

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In Vino Veritas

Creio ser importante que se faça uma reflexão a respeito dos fatos ocorridos na Serra Gaúcha referentes ao trabalho análogo à escravidão (e não “trabalho irregular”, como foi noticiado pelas empresas de mídia daqui).

Primeiro, é gravíssimo. Nós estávamos acostumado a pensar que esse tipo de abuso só acontecia nos rincões distantes do Brasil, onde não haveria um aparato estatal civilizatório suficiente para coibir tais ações. Mas não; os crimes ocorriam na região mais desenvolvida e rica do Estado, do nosso lado, nas nossas barbas.

Em segundo lugar é imprescindível que algo seja feito e que os responsáveis sejam punidos pelo rigor da lei. Estes responsáveis são as empresas terceirizadas que contratam estes empregados e os tratam como lixo, mas igualmente as empresas que lucram com a desumanidade no tratamento desses trabalhadores e fazem vista grossa para o tratamento desumano que recebiam. Não há sentido algum em “passar pano” para Salton, Aurora e Garibaldi, e não aceitaremos que terceirizem suas culpas evidentes neste caso, saindo ilesas de crimes contra a dignidade humana. Hoje também sabemos que as empresas haviam sido denunciadas muitas vezes ao Ministério Público do trabalho, e nada foi feito. Por que tanta negligência com fatos tão hediondos?

A situação é grave demais para qualquer tipo de condescendência. Agora surgiram informações que sugerem a participação de membros da polícia militar nos castigos, pressões, constrangimento e torturas aplicados aos trabalhadores. Quanto mais investigamos, mais fundo fica o buraco, e começa a se configurar uma participação disseminada dos crimes pela sociedade local, seja por ação ou por omissão.

Não só as três empresas acusadas devem ser punidas, mas todas as outras das quais ainda não temos notícia. Muito mais ainda resta para ser apurado, e talvez tenhamos batido apenas na ponta do iceberg e isso explica o manifesto do Centro da Indústria, Comércio e Serviços de Bento Gonçalves, que mostrou que os líderes de classe acreditam que o problema de escassez de mão de obra na cidade é “culpa dos trabalhadores que vivem de benefícios governamentais” e não querem trabalhar, “sobrevivendo através de um sistema assistencialista que nada tem de salutar para a sociedade“. Ou seja, a culpa do trabalho escravo é do “Bolsa Família”, e não da ganância dos empresários, seja do vinho ou da mão de obra terceirizada. É sempre útil lembrar que estes municípios da Serra Gaúcha tiveram uma votação marcadamente bolsonarista, da ordem de 70% dos votos, e isso explica muito do que observamos agora.

Por fim, aqui vai uma reflexão mais delicada para as lutas proletárias. Hoje uma rede de supermercados do Rio anuncia que vai suspender a compra de vinhos da Serra e vai até devolver os estoques ainda existentes. A razão? Não deseja ter seu nome envolvido com empresas “sujas” no mercado. Aqui mesmo no sul do Brasil a palavra de ordem é “boicote”, uma forma de punir as empresas que promovem – ou são coniventes – com a barbárie do trabalho análogo à escravidão.

Entretanto, a ação nefasta da Operação Lava Jato, comandada pela nata da corrupção judiciária do Brasil, deixou claro que punir as empresas acaba destruindo aqueles que são sua alma: os empregados. O vinho que nós tomamos é feito pela mão dos trabalhadores da agricultura, os transportadores, os funcionários da vinícola, os engarrafadores, os burocratas e seus diretores. Todos estes serão punidos por uma culpa que não é deles. Precisamos aprender que a punição não deve atingir o povo trabalhador inocente, mas as pessoas diretamente relacionadas com os crimes cometidos, para que os empregos possam ser preservados e as famílias que sobrevivem das vinícolas não sejam sacrificadas. Não podemos admitir que a destruição planejada das empresas de construção civil e da indústria naval protagonizada pela Operação Lava Jato, que ocasionou a perda de pelo menos 4.4 milhões de empregos, tenha continuidade nos ataques à indústria do vinho (e do turismo), com o mesmo desastre social que já vimos.

Exigimos punição exemplar para diretores das empresas e para todos aqueles relacionados aos crimes contra a dignidade humana que foram coniventes com o trabalho análogo à escravidão, a tortura e aos maus tratos. Todavia, também desejamos que os trabalhadores honestos não paguem este preço, preservando as empresas da necessária punição aos responsáveis.

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Felicidade

No livro “The Village Effect” Susan Pinker nos fala sobre a importância dos relacionamentos para a saúde, a longevidade e a felicidade, e neste livro ela operacionaliza a questão dos afetos, mostrando que os relacionamentos – quando garantidos pela “vila” – podem oferecer às pessoas a possibilidade de uma vida produtiva e feliz. Porém, não é mais segredo para ninguém que pessoas felizes não são boas consumidoras; portanto, a felicidade e a plenitude não interessam ao sistema. Fácil entender: quem é pleno não buscará no consumo algo que lhe falta. Em verdade, ser explicitamente feliz em uma sociedade doente é a mais sofisticada forma de mobilização revolucionária.a.

Enquanto isso, a biomedicina contemporânea tecnocrática, ligada ao capitalismo e o neoliberalismo, desconsidera o quanto o estilo de vida pode modificar os padrões de saúde e bem-estar. Estudos existem por toda a parte para confirmar que a felicidade é algo que se produz de dentro para fora, mas continuamos acreditando que a solução das mazelas físicas e psíquicas dos sujeitos sociais se dá somente pela adição de drogas e intervenções cirúrgicas, cujos efeitos em médio e longo prazos são muitas vezes desconhecidos – ou reconhecidamente danosos.

Em verdade, a vida ocidental contemporânea vai na direção oposta das descobertas dos estudos sobre a felicidade e o bem-estar, desmerecendo o poder da solidariedade em nome de aquisições materiais fugazes e descartáveis. Desta forma, até que a sociedade acorde da sedação/sedução materialista da sociedade de consumo ainda teremos muita “miséria emocional glamurosa“, o culto ao dinheiro e a drogadição (legal e ilegal) como estímulos sociais para suportar uma vida de crescente infelicidade.

“Somos tão pobres que ao invés de criarmos riqueza criamos bilionários”, enquanto deixamos que as coisas sejam mais importantes que as amizades e o convívio.

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Gisele

Lembrando pra galerinha da treta:

A Gisele não é o problema; ela é apenas uma das manifestações do problema, que é o capitalismo. O caso dela é escandaloso porque o fosso que a separa das pessoas humildes que a cercam é obsceno. Todavia, culpar a Gisele, o Neymar, o Elon ou o Paul McCartney é fulanizar um problema sistêmico que só serve para estimular o proletariado a se dispersar, caindo na armadilha identitária de criar ataques entre os mais e os menos oprimidos.

Nos próximos passos previsíveis dessa treta vamos acusar a professora por ganhar muito mais do que a tia do cafezinho esquecendo que AMBAS são brutalmente exploradas pelo mesmo sistema, inobstante o fato de serem de raças e salários diferentes. Numa sociedade socialista a obscenidade dessa disparidade desumana e indecente não seria tolerada, pois a consciência de classe não aceitaria tamanha ofensa à dignidade humana.

Ahhh, nao esqueçam que Gisele vende sua imagem, que é o seu trabalho. Ganhar 10 milhões para que sua imagem seja vinculada à uma cerveja não é o problema. O escândalo mesmo é uma empresa do Lemann PAGAR por isso.

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Mundo às escuras

Sempre que eu vejo as representações do surgimento do planeta, ou mesmo o aparecimento posterior desse profundo mistério chamado “vida” – a organização complexa que surge da matéria inerte – eu tenho uma sensação estranha. Apesar das maravilhosas demonstrações do que poderiam ter sido as etapas de vulcanismo, das chuvas infinitas, a criação dos oceanos e as primeiras estruturas vivas surgidas em suas águas mornas – já mais recentemente – eu me surpreendo que toda esse período enorme da história do planeta ocorreu “às escuras”.

Sim, porque a complexidade dos globos oculares surgiram há poucos milhões de anos, ainda no período Cambriano, por volta de 545 milhões de anos passados. O período Cambriano, meio bilhão de anos atrás, foi um pico de produção e diversidade de vida, como poucos na história da Terra. Nenhuma evidência da existência dessa estrutura é encontrada em períodos anteriores a ele, mas uma grande variedade de olhos é encontrada no registro fóssil de Burgess Shale, que ocorreu no Cambriano Médio.

Assim, os 3.5 bilhões de anos anteriores a este período ocorreram sem testemunhas oculares. Ressecamento da crosta, vulcões em erupção, o surgimento da flora, o aparecimento das primeiras bactérias, os moluscos, os maremotos, nada disso foi visto por nenhuma criatura. Foi necessária a criação da Geologia e das imagens geradas por computador para podermos imaginar como teria sido esse período e transformá-lo em imagens majestosas e impressionantes. 

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Maremoto

“Então, um belo dia, eu acordei pela manhã e me dei conta que não havia mais sentido continuar sendo aquela antiga versão de mim mesmo. Foi um estalo; como acordar”.

Verdade, mas na realidade a transformação não é fruto de magia, não é sequer uma transformação repentina, da mesma forma como um maremoto ou a erupção de um vulcão não ocorrem de surpresa, surgidos do “nada”. Estas mudanças apenas externamente aparentam ser abruptas; elas ocorrem pelo movimento lento e gradual das placas tectônicas do nosso psiquismo, que insidiosamente se adaptam e se transmutam para acomodar nossa perspectiva de mundo. Um dia, sem aparente aviso, surge o tsunami, o tremor sob os pés e a lava percorre seu caminho junto às cinzas, o que nos leva à ilusão de que algo súbito e surpreendente ocorreu. Isso acontece apenas pela nossa incapacidade de perceber as violentas tensões subliminares que ocorrem nas profundezas de nossa alma.

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Essa coisa chamada amor

É possível acordar quase tudo num compromisso afetivo, tipo um casamento. Posses, espaços, funções, finanças, herança e limites. Só não é possível determinar por contrato as diminutas frações desse consórcio relacionadas ao desejo. Não por coincidência, são as únicas realmente definitivas desde a criação do amor romântico.

O casamento, por outro lado, despojado dessas parcelas quase insignificantes, é uma instituição sólida, pétrea, que resistiu a milênios de ataques quase sem abalo. A única ameaça ao seu domínio veio desse elemento estranho, fissura aberrante da ordem cósmica, elemento irracional e violento que o consome, ao qual chamamos…. amor.

O amor romântico, por sua vez, é tão contraintuitivo que só pode ter sido uma invenção tardia. Pense bem: numa perspectiva evolutiva, em locais com alto nível de mortalidade por doenças e conflitos, num contexto de guerras, perdas, fome, etc. qual seria o sentido em se ligar afetivamente (de forma romântica) a alguém, sabendo que este amor poderia se esvair tão facilmente?

Um contrato bem alinhavado, feito com um desconhecido e com funções e tarefas bem circunscritas, funcionaria muito melhor.

Marguerite D’Alembert “Cette chose qu’on appele amour” (Essa coisa chamada amor), ed. Pintemps, pág 135

Marguerite D’Alembert, nome artístico da escritora e cineasta Marie Dufour, nasceu em Nantes em 1960 e passou toda a sua infância na Côte D’Azur, na cidade de Cannes, onde desde a mais tenra infância se tornou uma estudiosa e amante da sétima arte. Estudou cinema da Sorbonne e após sua graduação começou a acompanhar grandes diretores do cinema nacional francês. Foi assistente de cena de François Truffaut nas filmagens de “De repente, um domingo”, que foi o último filme dirigido por ele. A partir destes encontros iniciou uma exitosa carreira como diretora de comerciais, curta metragens e documentários. Começou a escrever crítica literária e de cinema no Le Figaro em 2005 e publicou seu primeiro livro de contos em 2007, com o título “Mariposas imortais”, título de um conto premiado sobre os dramas e as delícias de envelhecer. Em “Cette chose qu’on appele amour” ela fala sobre amor e relacionamentos, fracassos, perdas, amor na maturidade, solidão, desejo e saudade. É casado com o diretor Pierre Gosciny (“Oceano em Chamas”, “Cais”, “Poderia ser verdade”) desde 1987 e tem 3 filhos. Mora em Paris.

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Futebol Moderno

Não há como comparar, na atualidade, o futebol europeu com o futebol praticado no resto do mundo. Na condição de tricolor, o jogo do meu Grêmio contra o Real Madrid em 2017 marcou esta diferença, que a partir de então ficou muito clara para mim. Eram (para usar a palavra da moda) patamares diferentes de futebol. No campeonato mundial patrocinado pela FIFA os sul-americanos chegam lá para fazer um “crime”, jogar por uma bola, tentar o milagre, fazer história. Parecemos clubes do interior jogando contra potências futebolísticas da capital. Já os gringos vão fazer compras e curtir os hotéis de luxo das cidades árabes. Estamos muito mais próximos do futebol da Arábia e mesmo da África do que do futebol da Europa. Prova disso é que nas últimas 10 semifinais os clubes da América Latina foram batidos por clubes africanos e de outras praças. O futebol dos anos 80-90 foi último suspiro dessa proximidade; a distância se tornou insuperável pela força do poder econômico; o dinheiro destruiu a competitividade no futebol; um fosso gigantesco se abriu separando o futebol praticado no centro do Imperialismo com aquele da periferia.

Eu sei: os clubes europeus são “legiões estrangeiras” cheios de jogadores da periferia, mas eles apenas arrecadam a mão de obra no sul global; o dinheiro, a organização, os estádios e o marketing é todo deles. Pensem apenas o seguinte: o jogador Neymar ganha sozinho mais do que todos os jogadores do Palmeiras e do Flamengo juntos – que já tem salários obscenos para a realidade do país. Ou seja: ele ganha mais que o plantel inteiro dos dois clubes mais ricos do país. Segundo dados da revista Forbes de 2022, Neymar ganha US$ 55 milhões anuais entre salários e bônus por metas em campo. Por mês arrecada ao redor de US$ 4,5 milhões, o que representa na cotação atual quase R$ 23 milhões. Ainda de acordo com a publicação, Neymar ganha mais US$ 32 milhões por seu trabalho fora de campo, principalmente emprestando seu nome para publicidade de inúmeros produtos. O jogador mais bem pago do Brasil ganha um décimo do que ganha o Neymar. É um poder econômico contra o qual não há como competir.

Com o futebol europeu sendo comprado por bilionários do petróleo ou novos ricos do leste europeu a tendência é que este esporte fique cada vez mais distante do povo. Cada vez mais concentrador de renda – e de títulos – e paulatinamente afastado do trabalhador pobre, o destino desse esporte é se tornar um jogo para as elites, controlado por magnatas, com uma estrutura que visa essencialmente o lucro, na mais acabada perspectiva neoliberal. Enquanto isso, vai se afastando das torcidas, expulsas dos estádios e cada vez mais alienadas das decisões do clube.

O futebol também precisa de uma revolução, para evitar que venha a desaparecer pelo extermínio de sua motivação mais primitiva: a paixão.

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Desamparo

Amar alguém é ficar solto no espaço, sem garantias de que será resgatado. Tão dramático é esse movimento que a natureza o deixou longe da razão; seria arriscado demais para a continuidade da espécie que a nós fosse permitido ponderar antes de cair no precipício da paixão…

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