Arquivo do mês: julho 2014

Amamentação, Ativismo e o Futuro

FRANCE BREAST FEEDING
Entrevista da escritora e feminista Elisabeth Badinter…

Primeiramente eu acreditei se tratar de um texto muito antigo, talvez dos primórdios do movimento feminista contemporâneo, lá pelos anos 60. Quando vi que era uma entrevista de 2010 eu fiquei surpreso, pois percebi que a autora está absolutamente defasada no seu discurso de crítica às medidas de incentivo à amamentação, contrária a tudo que se escreveu e publicou sobre os benefícios desta ação. Ok, ela fala que amamentar é bom, mas que este estímulo só deveria ser para os países pobres com problemas de saneamento.

Como? Europeias não tem vantagens em amamentar e ficar com seus filhos? Ora, Dra Elisabeth… De onde a senhora tirou elementos para criticar tais ações? Que estudos sustentam isso?

Eu gostava muito do seu trabalho, em especial um livro que li nos anos 80 chamado “O Um é o Outro“. , mas esta sua entrevista sobre amamentação, apesar de ter já 4 anos de idade, é extremamente superficial e equivocada. As perguntas, em verdade, são muito mais conscientes e elaboradas que as respostas. Se tivesse sido escrito por uma estudante de jornalismo, ou alguém totalmente distante do tema, eu entenderia. Mas um depoimento como esse vir de uma feminista é no mínimo estranho. Ela desqualifica TODAS as pesquisas que demonstram a qualidade da amamentação não apenas do ponto de vista biológico, mas igualmente psicológico. Trata a amamentação como algo bom para “pobres” e o contato com o bebê como uma espécie de “frescura burguesa”. Tenta colocar aqueles que lutam pela humanização do parto e da amamentação como retrógrados e machistas, mas aponta para um futuro obscuro. Sim, “mulheres não são chimpanzés”, mas afinal… o que são? Se não podemos aprender com a etologia – o estudo do comportamento animal – como poderemos definir o ser humano numa era pós Darwin? O contato desses animais com seus filhotes não nos aponta para uma importância fundamental dessas atitudes? Deveríamos nós, numa demonstração de arrogância típica do século XVIII, acreditar que nada temos que ver com os milênios que nos antecederam e que moldaram nossa essência animal e mamífera?

Pois eu responderia a ela que temos muito mais de chimpanzés do que ela imagina. Nosso comportamento é marcadamente “animal”, no sentido de buscarmos vias inconscientes para a satisfação de nossas necessidades, para além do que a nossa tênue racionalidade é capaz de abranger.

Quanto aos exageros dos ativistas…

Ora… quem não os comete? Aqui no Brasil, mas creio que também em Portugal, muitos ativistas por vezes erram o alvo ao culpabilizar mulheres por não obedecerem um ideário de parto normal, sem drogas, sem intervenções e com amamentação prolongada. É claro que este não é um roteiro único, mas um mapa para que se chegue a uma satisfação no processo de maternagem. Ele NÃO é constituído de um caminho único, mas de infinitas alternativas. Entretanto, ainda é comum vermos colegas indignados com os desvios de algumas mulheres, e isso é capaz de culpabilizá-las.

Entretanto, mesmo com esses contratempos, não há como esconder que o parto normal humanizado e a amamentação efetivas oferecem benefícios inequívocos para o binômio mãe bebê. Portanto, deve ser sim uma política de governo, da mesma forma que deve ser diminuir o consumo de açúcar (principalmente por crianças), publicidade infantil e consumismo, pois, mesmo sabendo que as famílias tem o DIREITO de criar seus filhos a partir dos seus valores, é DEVER do poder público oferecer as informações e o estímulo para uma educação mais saudável e segura.

Podemos concordar com Elisabeth Badinter quando ela reclama do cerceamento de opções e de uma espécie de “patrulha ideológica” sobre a amamentação. Não devemos criminalizar estas opções, pois nunca temos pleno conhecimento dos determinantes (conscientes e inconscientes) para a sua adoção. Por outro lado, a pensadora erra feio ao deixar de enxergar os benefícios inquestionáveis conseguidos com o ESTÍMULO à amamentação e ao parto normal. Fazer que as mulheres REGRIDAM às teses feministas dos anos 60 – onde o objetivo era uma igualdade irreal e ingênua com os homens – é um desserviço ao feminismo, que abandonou estas teses em nome de uma valorização das características femininas mais preciosas, como a gestação, parto e amamentação. Se estas características femininas NÃO SÃO determinantes do feminino (que em muito extrapola estes elementos) também não são algo que deve ser extirpado das mulheres, como defeitos, fraquezas ou equívocos da natureza.

A entrevista da Sra Elisabeth Badinter pode ser encontrada aqui:

Mulheres não são Chimpanzés – Elisabeth Badinter

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A necessidade das Doulas

RenataFrohlich044a

Creio que quando falamos de doulas e suas tarefas na assistência ao parto precisamos deixar papéis e funções bem claras. Muito já foi dito sobre o quanto uma doula pode ser importante no parto, pela vinculação emocional que ela produz com a mulher que está parindo, assim como muito já se disse sobre os limites desta atuação. Doulas NÃO fazem nenhuma ação médica ou de enfermagem. Doulas não substituem o pai, e não discutem determinações médicas. Doulas não receitam droga de espécie alguma e não assumem o protagonismo pela mulher. Doulas são ajudantes, amigas, parceiras compassivas e auxiliares experientes na tarefa de fazer nascer.

Mas são elas fundamentais?

Eu acho que nós precisamos contextualizar. O movimento de doulas no Brasil já tem mais de 10 anos, e muitas doulas no Brasil saem dos cursos de capacitação todos os dias com o real interesse de ajudar gestantes na tarefa de parir. Para muitas mulheres, com suas histórias, contextos e circunstâncias, uma doula será fundamental, mas para que isso aconteça deveremos respeitar o sentimento dela sobre o evento. Caso contrário criaremos apenas outra invasão sobre a autonomia das mulheres.

Quando eu fui pai – há mais de 30 anos – não havia doulas. Minha mulher não teve este tipo de ajuda e apenas pude estar presente porque era estudante de medicina. Ela deu a luz em um parto grosseiro, em uma sala cheia de profissionais pouco afeitos a trabalhar com a magia do nascimento. Entretanto, ela pariu. Posso dizer que, para ela uma doula não foi “fundamental”, o que não significa que, se uma doula estivesse presente, ela não poderia ter uma experiência muito mais gratificante e menos angustiante.

É possível que a grande dificuldade quando tratamos da presença de uma doula esteja na ideia de que isso seja “fundamental”. Essa expressão nos leva aos fundamentos, à essência, condições sine-qua-non. Por exemplo: uma bola é fundamental para o futebol; um juiz não. Assim, podemos dizer que para o nascimento de uma criança apenas a mãe e o seu bebê são “fundamentais”; todo o resto vem por acréscimo. Desta forma, para um parto é necessário que haja uma grávida, mas não uma doula. É importante, entretanto, que entendamos quando as ativistas dizem: “Toda mulher TEM que ter uma doula“. Nesse caso, trata-se de uma emoção, uma maneira muito mais simbólica do que real de tratar a importância que elas percebem na ação de uma doula. É apenas a expressão de uma alegria e de uma gratidão, e não um tratado sobre a ontologia do parto.

Ter uma doula em um parto PODE ser espetacular para o desenvolvimento do parto, por que tem a ver com as necessidades básicas humanas de carinho, suporte, apoio e afeto. Entretanto, para algumas mulheres a presença de qualquer pessoa pode produzir um efeito contrário, e nesse caso uma doula NÃO deveria estar presente. Essa é a tese que eu mais me dedico no momento: o “Parto na Perspectiva do Sujeito“. Nós, profissionais de saúde e gestores, temos o DEVER de oferecer uma doula para todas as gestantes, tanto quando oferecemos cesarianas para casos patológicos, analgesias para dores acima do limite ou antibióticos nas infecções. Eu até acredito que não disponibilizar uma doula um dia será considerado antiético, se forem proféticas as palavras do Dr John Kennell. Todavia, utilizar uma doula como ajudante na atenção ao parto só pode ocorrer quando estiver em sintonia com as características do SUJEITO que está parindo, e não pela imposição de protocolos coisificantes, objetualizantes e homogeinizantes. Uma doula é um DIREITO, e jamais uma rotina hospitalar ou uma peça de mobiliário, que estará junto à gravida quer ela queira ou não.

Somos muito mais do que mamíferos, e nossa conformação racional nos impõe características ímpares. Somos agentes da natureza, e não apenas submetidos à sua vontade. Somos seres de linguagem, vagamos no universo da palavra, volitamos sobre significados e significantes e não podemos ser analisados apartados da consciência que conquistamos. Assim, determinar uma doula como “essencial” é desreconhecer nossa característica única de “humanos”, tanto quanto impor analgesias ou decretar a privacidade como igualmente “fundamentais”.

Deixemos nas mãos das mulheres as escolhas, este é o caminho. Se é importante oferecer a elas o que o conhecimento nos mostra como válido, mais fundamental ainda é permitir que cada mulher faça suas escolhas como desejar, baseadas em sua vida, desejos e valores.

PS: Esse é um debate que aconteceu em 2012, reformatado…
Na foto, Zeza Jones, Doula Zezé e Renata Fröhlich no nascimento de Flora, em 29/12/2007

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Medicina e Ideologias

Pesquisa

Tive há dois dias uma amigável discussão com um jovem colega médico que – entre algumas provocações e palavras ásperas – me afirmou que “Não existe “ideologia médica”. Medicina de verdade é praticada com base em fatos (…) e evidentemente não existe zona de conforto na medicina.”

A ideia de que a medicina é uma ciência baseada em “fatos” é curiosamente muito disseminada dentro das faculdades de medicina. Para nós, estudantes, parece-nos óbvio que as pesquisas, os estudos e as evidências são elementos “matemáticos” que nos aproximam da verdade. A frase do meu jovem colega, em verdade, retrata um modelo de pensamento hegemônico entre os médicos. Nós realmente vemos a medicina através dessa perspectiva positivista e cientificista, onde o conhecimento e o aprimoramento tecnológico por fim vencerão o obscurantismo e nos elevarão ao conhecimento pleno, o conhecimento da Verdade e do Real.

Eu também me deixei embevecer por esta visão por muitos anos. Basta que você veja qualquer livro da história da medicina e a construção dos fatos históricos nos levará a este entendimento. Parecemos estar vencendo as doenças através da invasão ininterrupta do saber racional sobre a economia orgânica, seja pelas drogas, infusões, cirurgias, quimioterapias, etc. O porvir da medicina parece claramente ligado a um controle exógeno cada dia mais intenso. Entretanto, a bela construção de uma “medicina positivista” esbarra nos próprios acontecimentos da prática médica, onde a ciência é desconsiderada e elementos outros (o poder, o patriarcado, a política, a economia, a moral e a religião) ocupam o lugar central no direcionamento das condutas.

As ideologias controlam a medicina. Os paradigmas são vinculados a questões históricas e contextuais, e eles são os geradores da própria pesquisa e suas interpretações.

Todavia, a ideia de uma ciência médica “pura” – não contaminada pela ambiência e pelas brisas políticas que sopram, ora de bombordo, ora estibordo – sempre me incomodou. A própria produção científica e sua matriz preferencial – a Academia – me parecem claramente influenciadas por modelos ideológicos relacionados à sua época e às circunstâncias onde apareceram. As grandes descobertas médicas só podem ser entendidas de forma abrangente se pudermos entender o contexto histórico e político em que foram encenadas, da mesma forma que apenas a compreensão mais ampla das circunstâncias políticas da Guerra Fria pode nos explicar as viagens à lua, da mesma forma como a queda da boate “Stone Wall” em Nova York pode nos fazer entender as pesquisas sobre o “vírus da AIDs”.

Imaginar uma “medicina sem ideologia” é imaginar um corpo sem “alma”, comandado pelo mundo real, excluído da formatação da linguagem. A medicina SEMPRE foi um campo para a aplicação de controle social e autoridade política.

A ideia de que os procedimentos se baseiam em experiências e “fatos” (fatos não existem, apenas interpretações – Nietzsche) deveria fazer as episiotomias terminarem quando os fatos científicos demonstraram a sua inutilidade como procedimento de rotina, e isso aconteceu em 1987, há décadas. No entanto, “Nascer no Brasil” apontou 53% de episiotomias entre aquelas afortunadas que conseguem um parto normal no Brasil. As cesarianas abusivas, que determinam o AUMENTO da mortalidade materna em alguns países, entre eles os EUA, também deveriam ser freadas com as evidências e os estudos. Entretanto, como essa clara assincronia entre “o que se sabe e o que se faz” demonstra, a medicina NÃO se expressa necessariamente através da ciência, mas pelos caminhos mais tortuosos da ideologia e da política. A destruição da parteria no Brasil e nos Estados Unidos – e NÃO na Europa – é outra prova de que a construção dos modelos de atenção se baseia em elementos alheios às pesquisas, e muito mais ligados às forças que favorecem umas corporações em detrimentos de outras.

Dizer que praticamos “medicina baseada em fatos” é uma ingenuidade. Pensar que deveríamos agir assim é um objetivo e uma utopia, tão nobres quanto inalcançáveis. Existem forças invisíveis (e as ideologias são exatamente “agir sem se dar conta do que nos move”, no dizer de Slavoj Zizek) que fazem com que a mão corte uma episiotomia ou prescreva um antibiótico, mas nos iludimos ao acreditar que a razão foi a condutora magna de tais movimentos.

As ideologias, que se ligam mais aos desejos do que à razão, são o que está por trás dos fios invisíveis que nos guiam.

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Comedoras de Placenta

Mulher comendo

Trabalho com humanização do nascimento, mas tenho pouquíssima experiência em placentofagia. Na verdade apenas vi isso, em salas de parto, como uma espécie de brincadeira entre o casal, algo para servir de laço entre eles. Sei que existe este costume entre algumas pessoas, inclusive aqui no Brasil, especialmente algumas parteiras tradicionais do nordeste, mas não acredito que seja uma prática muito disseminada.

Veja bem, até mesmo entre os animais a placentofagia é relacionada muito mais às questões ecológicas e em, menor grau às determinações espécie-específicas. Isto é: não dá para se dizer que os leões, por exemplo, comem a placenta, ou os babuínos, gorilas ou chimpanzés como uma característica da espécie. Para estes mamíferos o uso alimentar da placenta, quando ocorre, é feito por duas razões específicas principais: obter reserva alimentar em contextos de falta de alimento ou para afastar predadores, que poderiam ser atraídos pelo odor de sangue. Assim, muitas espécies em cativeiro (onde não há risco nem fome) jamais comem a placenta. Por outro lado, na vida selvagem isso pode ocorrer mais do que se observa.

No ser humano nenhuma das justificativas acima se adaptaria à placentofagia. Não temos predadores que se atrairiam pelo cheiro de sangue  nem parece razoável usar 700 gramas de carne para suprir deficiências alimentares absolutas. Portanto, o uso é principalmente simbólico, mas pesquisas sobre seus efeitos medicinais poderiam nos oferecer informações importantes para tratamentos de transtornos do puerpério, entre outros.

Qualquer ato simbólico, incorporado em um ritual, pode parecer  “bizarro” para algumas pessoas, mas pode ser facilmente incorporado por outras culturas. Para alguns, os rituais de batismo ou casamento são igualmente estranhos e até mesmo degradantes. Se quisermos ter uma visão mais abrangente diante da enorme diversidade de rituais existentes no planeta,  não haverá nada de muito estranho em alimentar-se ritualisticamente do envoltório recentemente expelido de um bebê. Compare isso com o corte do perineal (episiotomias) ou a extirpação do prepúcio (circuncisão,  realizada pelos semitas e por grande parte da população dos Estados Unidos), que são cirurgias ritualísticas e mutilatórias da medicina ocidental, e perceberás que, subitamente, a placentofagia se torna muito mais inocente do que estas práticas.

Assim sendo, fica fácil perceber que as críticas à placentofagia são carregadas de preconceitos. Porém, a carga recente contra essa prática mira as placentas que são “devoradas”, mas na verdade tenta atingir as mulheres que procuram fazer do seu parto um processo de empoderamento pessoal. Reivindicar o protagonismo às mulheres no momento do parto passou a ser um “caso de polícia”.

Perceba com cuidado. Retire os véus que cobrem a questão das “mulheres comedoras de placenta” para enxergar o que se esconde por detrás do meramente expresso na placentofagia. Da mesma forma como algumas mulheres queimaram sutiãs e usavam minissaias nos anos 60 e 70, seria um erro grotesco acreditar que tais manifestações eram direcionadas à moda ou à “liberdade de movimentos”. É claro que não; as queimas e as pernas à mostra eram SÍMBOLOS de uma demanda muito mais séria. Tratava-se do grito contra a opressão de uma sociedade patriarcal, chauvinista e machista que sufocava a natural expressão do feminino. E, tais movimentos, mudaram a cultura ocidental, como podemos perceber.

Hoje em dia, as “devoradoras de placenta” estão apenas sinalizando que o protagonismo do parto lhes pertence; que o parto precisa ser regulado por um outro paradigma. Tratá-las como seres bizarros e mulheres “malucas” é perder a perspectiva e o momento histórico de “revolução” no parto.

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Voiceless Women

Human Rights in Childbirth

Excerpts from a discussion on the Facebook page “Human Rights in Childbirth”

Ric Jones

“I still prefer the foolish free choices than the wise things women are obliged to do for their own safe”.

Plus, are we really thinking on women and baby’s safety when we demand them to be in a hospital instead of remaining at home? Are we “pure scientists” offering pregnant couples the best our knowledge is able to give? Or, in fact, are the decisions that we – doctors and midwives – make based in other interests, like money, time, convenience, power, political and moral pressures? The differences we see today concerning the violent practices from the past happened because the medical staff became more “human” and “respectful” or because now women can make choices and (also) complaints?

For a humanistic obstetrician it’s a pain on the heart to witness a woman choosing an unnecessary abdominal surgery without using her perfect and ancient own equipment. But, for me, that’s the price to pay for free choice. That’s the same feeling I have when I meet my daughter’s boyfriends. I guess I could find a better guy for her, but I still prefer that she chooses that, even if she makes terrible mistakes…

A clear example for what I call “ideological violence” is when a woman makes a “free choice” for a c-section based in the fear that her baby will get “stuck” in the birth canal or the cord wrapped around the neck will sufocate the newborn. Or even based in the notion that c-sections are cleaner, safer and more “humane” than the “animalistic births” she sees on TV. So, my question is: How free are her choices? How deep is the misunderstanding of birth she carries thru her entire life, based on media and doctor’s wrong informations? How can she receive TRUE and unbiased (as far as it is possible) information about risks, but also about pleasure and empowerment during the transcedental experience of birth?

The problem is not just “rational information”, the ones we can find in pamphlets or books, but the entire society that percieves birth as an emergency and a terrible threat to babies. So, along with the information we need “education”, and that begins in early stages of life, like in the kindergarten. Besides that, I totally agree with Robbie’s famous quote: “We shall not become the Gestapo of normal birth”. That’s it.

One of the problems I see a lot in the birth movement is the widespread notion that “she decided for a c-section because she is….. (stupid, weak, bad informed, decieved by doctors, etc…)” and in these situations women are ALWAYS victims of someone else. But, in fact, many of these decisions were done AGAINST doctor’s best advices, done by well informed women !!! They did it by themselves, and they had their reasons (what Penny Simkin once stressed on her book “When survivors give birth”). So, we need to respect these choices and stop saying that women make them for “silly” reasons. Good practices, good births, natural births, orgasmic births can’t become a “dogma” or, again, something that we must submit women to do, “on their best interest”.

“Many of the things you can count, don’t count. Many of the things you can’t count really count.” Albert Einstein (and that has to do with birth, as far as we cannot – yet – measure love, empowerment, affection, and faith)

I can describe technically – based in hormonal, physiological, mechanical and behavioral measurements – a sexual relationship, that even results in a healthy baby as a very successful one. But, at the same time, I may listen to that specific mother’s description of the sex, pregnancy and birth as the most horrifying experiences she has ever experienced in her life. So, what counts here (the biological parameters) are meaningless in a world ruled by language and symbolic values.

Why is it SO difficult to talk about “free informed choices” for women?

See… I can decide to climb the Everest, even thou the risks I am running by doing such a “foolish choice” (concerning the fact that I can get to the top without my toes or my own life) are “evidence based”. No one discuss that playing chess at home is safer than mountaineering. But no one dares to question me!! Men’s choices are sacred !

Ok, there’s a baby in a woman’s womb, and I respect that difference. But even when the woman is not pregnant we see that they don’t have the same spectrum of choices that a man has. And, when we discuss that issue (and that’s the point of view that I totally agree) we always put somebody else to decide for her, as the best person to make “good” decisions. The mother is always seen as unreliable.

There’s no humanization of childbirth with voiceless women…

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Fast Food

Hamburger meal served with french fries and soda close-up

O sol escaldante torrava o capô do carro enquanto os pneus derretiam sobre o asfalto fumegante. Ao aproximar-se o pino do Astro Rei as crianças começavam a se estranhar pelo tédio de uma manhã inteira dentro de uma caminhonete alugada. Minha mulher Norma tentava em vão acalmá-los, dizendo que amanhã, por esta hora, estaríamos nos divertindo no “parque aquático Schlitterbahn”, descendo na velocidade da luz por escorregas infinitos de água cristalina.

Meu filho Pedro de 10 anos, e minha filha Lauren, de 7 estavam visivelmente excitados com a possibilidade de visitar um lugar que há muito eu lhes havia recomendado. Entretanto, a viagem até lá, partindo de San Antonio, levaria mais de duas horas, e precisaríamos parar para almoçar. Mais do que a inevitável excitação pelo passeio, agora a fome também contribuía para nossa inquietude.

– Pare assim que for possível, disse Norma. As crianças precisam comer algo. Podemos almoçar, descansar um pouco e depois continuar viagem. Mas por favor, não pare nessas lanchonetes de “junk food”. Quero que eles comam algo de verdade.

Concordei, mas percebi que se eu me mantivesse na estrada seria impossível encontrar algo diferente de “Wendy’s”, “Mac Donald’s”, “KFC” ou “Taco Bell”. A monotonia das autoestradas americanas é indescritível. Uma sucessão infinita de “dejá vu” que se repetem a cada entroncamento. Os edifícios onde se situam tais lanchonetes parecem feitos de LEGO, monótonos e pré-moldados. Todos feios e previsíveis.

Decido virar a direção em uma saída aleatória. “Exit 348”, mas poderia ser outro número qualquer. Mantive-me no acesso lateral até me sentir seguro para dobrar à direita e adentrar nas ruas do local. Uma via asfaltada e sem calçadas descortinava um bairro residencial, mas eu esperava encontrar algum lugar onde fosse possível sentar e comer. Talvez se eu continuasse minha rota adiante poderia descobrir um centro comercial, uma rua de compras ou um restaurante de comida mexicana. Ou indiana, tanto faz.

Quanto mais eu prosseguia, mais difícil aparecer um lugar para almoçar. Já cansado de girar o pescoço para os lados à procura de uma placa, resolvi parar em um posto de gasolina. Pergunto onde há um restaurante.

– Aqui temos vários. Pode dobrar na próxima rua. Ali tem um “Mac Donald’s”, e mais adiante…

Eu o interrompi antes que me desse a lista que eu já conhecia.

– Na verdade estamos a procura de um restaurante que não seja de “fast food”. Algo como “comida caseira”, sabe? Arroz, feijão, um bife, fritas, ovos, cenouras, tomates, etc. Conhece algum?

O rapaz coçou a cabeça e franziu a testa. Disse para virarmos para o outro lado, pois ele lembra de que perto do monumento havia algo parecido com isso.

Seguimos nosso rumo para onde nos indicou o frentista, mas não havia nenhum restaurante no local indicado. Em verdade o prédio descrito há muito estava abandonado, coberto de madeiras e sem vida. Porém, do outro lado da rua havia uma lanchonete. “Burger King”, estava na placa luminosa.

– Vamos até lá para perguntar onde está este restaurante. As crianças estão aflitas e eu também estou morrendo de fome. Vamos, não custa nada.

Claro, era Norma falando. Homens tem uma natural aversão a pedir informações, talvez porque parece que a cultura tem a expectativa de que nós sempre tenhamos pleno conhecimento de onde estamos e para onde vamos. Pedir informação é uma capitulação, uma fraqueza.

A lanchonete estava vazia, talvez pelo calor, quem sabe por ainda não ser meio-dia. Atrás do balcão uma menina de uniforme e semblante hispânico, e no caixa um senhor aparentando 50 anos, de bigode ralo e óculos, que parecia ser o gerente. Aproximei-me dele e perguntei se havia algum restaurante no bairro que vendesse “comida caseira”, tipo “feita em casa”.

Ele levantou os olhos para a rua e disse:

– Aqui havia um na esquina mas, como pode ver, fechou. Não creio que você vá encontrar algum por aqui. Talvez em Northcliff, porém não posso garantir. Mas temos várias opções de lanches. Veja, temos o Whooper, o Chicken Jr, o…

Norma o interrompeu com a mão à frente.

– Eu sei os produtos que existem aqui, mas é que as crianças são pequenas. Não gostamos de comida industrializada para eles. Além disso, nunca sabemos exatamente do que estes lanches são feitos.

Dois hambúrgueres alface queijo molho especial cebola picles um pão com gergelim…

Minha filha Lauren sorria ao meu lado. Seu sorriso infantil e desdentado não me permitia sequer censurá-la. A música havia colado em sua mente, e ela a repetiu irrefletidamente.

O gerente continuou.

– Bem, esta é a musiquinha do concorrente, mas não está muito longe nos nossos produtos. Veja, temos um controle de qualidade insuperável. Nossas máquinas são calibradas semanalmente e nossa equipe é treinada de maneira altamente profissional. As nossas refeições são preparadas sem contato com as mãos. Uma máquina corta o pão, a outra prensa o hambúrguer, uma outra coloca os ingredientes e esta última aqui atrás de mim os empacota. Tudo asséptico e tecnológico.

– Eu entendo… senhor?

– Gonzáles, ao seu dispor.

– Eu entendo Sr. Gonzáles, disse eu. Por outro lado é exatamente esta falta de presença humana que me assusta. Eu gostaria de uma refeição que se adaptasse ao meu gosto particular, à quantidade de carne que minha mulher gosta, ou à alergia às cebolas de minha filha Lauren. A comida que os senhores servem não parece comida: parece ração, pois não é feita para pessoas, e sim para entidades biológicas que precisam de nutrientes para continuar a trabalhar. Para nós comida é um pouco mais do que isso, pois cumpre uma função simbólica.

Gonzáles me olhou como se eu estivesse falando algo assustador e bizarro.

– Mas temos análises feitas por laboratórios que nos garantem que os nutrientes usados…

Interrompi mais uma vez o gerente.

– Gonzáles, eu concordo com você. Reconheço as pesquisas, mas não se trata de ciência, mas de valores. Eu acho que o ato de se alimentar vai muito além dos nutrientes, dos carboidratos, da glicose e das proteínas. Comer é um ritual, repleto de simbologias, que incluem sinalizadores de valores culturais inconscientes. Portanto, não se faz comida com nutrientes, mas com palavras.

Claro que Gonzáles ficou ainda mais assustado com o meu discurso.

– Eu não conheço nenhum restaurante do jeito que vocês querem por aqui. Se vocês voltarem para a auto estrada encontrarão Wendy’s, KFC e o “concorrente”, vocês sabem qual. Olha, vou confessar a vocês. Nasci do outro lado da fronteira, se é que você me entende, em Nuevo Laredo. Vim para cá pequeno, junto com minha família. Meus pais tinham um restaurante por lá. Mas era um trabalho duro atender a clientela, pois cada prato tinha uma particularidade. Uns não queriam tomate, outros não aceitavam picles; outros comiam metade do prato, e desperdiçávamos o resto, e outros ainda reclamavam que era muito pouco. Trabalhar para cada pessoa isoladamente é muito cansativo e dispendioso. Trabalhar da “maneira antiga” demandava muito tempo. Os dias de hoje não permitem mais essa dedicação à cada cliente. Precisamos de tempo, muito tempo, o elemento mais escasso no mundo atual.

Respirou fundo e continuou.

– Aqui as coisas melhoraram muito. Agora todos os lanches são iguais, independente da fome que você tiver. Todas as porções são idênticas, todos os elementos os mesmos. Não trabalhamos com a diversidade que tanto nos atrapalhava. Apostamos no modelo industrial de manufatura de produtos. Veja ali…

Gonzáles apontou para uma máquina atrás dos balcões e no fundo da loja, e continuou sua explanação.

– Ali está o pão antes de ser cortado, e ali começa o seu lanche, na primeira máquina. Depois ele vai passar por estas outras aqui, sem que ninguém toque nele, até chegar nesta espécie de prateleira vertical, embrulhado, asséptico e pronto para comer. Não acham isso uma maravilha?

– Uma esteira de montagem, disse Norma.

– Sim!! disse Gonzales. Seu olhar era de pura sinceridade, com inegável entusiuasmo. Sim, parecia uma maravilha que a tecnologia economizasse o seu tempo para fazer uma refeição para os outros. Também parecia interessante o fato do processo praticamente não precisar de pessoas, o que explicava o número restrito de funcionários àquela hora do dia.

– Bem, Gonzáles, não queremos mais tomar seu tempo. Obrigado pelas orientações e pelas explicações do seu trabalho. Vamos continuar a procurar mais um pouco. Felicidades e boa sorte.

Ele sorriu com visível amabilidade e acenou com a mão.

Buena suerte y hasta luego, disse ele ao deixarmos o local.

Quanto nos aproximamos do carro havia um senhor de mais idade perto de onde o estacionamos, sentado em uma cadeira de praia sob o toldo de uma loja de equipamentos elétricos. Ainda curioso com a situação me aproximei do senhor e fiz uma pergunta.

– Bom dia, o senhor poderia me dizer o que houve com o restaurante que fechou aqui na esquina?

– O Gilda’s?, perguntou o senhor.

– Sim, aquele da esquina ali, disse eu apontando para o prédio com tapumes.

– Ah, fechou há alguns anos. Não havia interesse em continuar. O dono saiu da cidade. Ele também era maltratado pelos colegas concorrentes. Tinha uma empresa de buffet e fazia comida para festas. É … ele cozinhava na casa das pessoas.

– Uma pena, disse eu.

– Sim, respondeu o senhor. Agora se você quiser almoçar tem que comer comida de papel com bife de plástico.

Sorri para ele e me despedi.

Dentro do carro a ideia foi tentar mais alguns minutos e, se nada encontrar, voltar para a autoestrada e parar em uma lanchonete mesmo. Afinal, a fome estava cada vez pior, e as crianças mais agitadas.

– Podemos ficar dois dias em Schlitterbahn papai? Quero andar em todos os tobogãs, em todas as piscinas, em todos os brinquedos!

Lauren era a mais entusiasmada de todos, sem dúvida.

– O que o papai disse? Podemos brincar hoje. Não teremos muito tempo para ficar pois sua mãe tem que voltar para casa, e você sabe porque, não é?

– Sim!, disse ela. O bebê vai chegar!!

O ventre reluzente de Norma mostrava o quinto ocupante do carro. Suas semanas estavam findando, mas o passeio foi um acordo que fizemos com o pequeno Martin. “Aguarde um pouco para que seus irmãos possam se divertir”, dissemos a ele. Até agora ele havia cumprido sua parte no acordo.

– Sim, mamãe precisa estar descansada e precisamos estar próximos de casa para ir ao hospital, certo?, disse eu.

Dois hambúrgueres alface queijo molho especial cebola picles um pão com gergelim…

Era Pedro, cantarolando irrefletidamente a canção, enquanto mexia no seu Tablet.

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A Velha Infância

carrinho rolimã

Todo mundo me mandou ver o vídeo do Marco, descendo de carrinho de rolimã (ou carrinho de “lomba”, como se diz aqui no sul), principalmente porque o menino que narra a descida dramática do “Morro da Vó Salvelina” tem um sotaque muito engraçado. Aliás, “rolimã” é a forma aportuguesada de “roulement“, ou rolamento em francês. Esses carrinhos originalmente tinham 4 rolamentos que funcionavam como rodas. Eram toscos mesmo, feitos de uma tábua firme sobre a qual o “piloto” se sentava, e dois eixos, em cujas pontas se colocavam os rolamentos. A direção era dada pelos pés, que mexiam o eixo frontal para fazer as curvas. Funcionava com “tração gravitacional”, quer dizer…tinha que estar num local mais alto para descer em velocidade. O vídeo é realmente engraçadinho, principalmente pela maneira emocionada como ele “narra” a descida épica do Marco (o irmão mais velho e genial?), e também pelo sotaque do menino, provavelmente da colônia italiana aqui do sul.

Mas eu achei muito mais bonito do que divertido. Sim, na emoção do menino existe uma pureza que estamos desacostumados. Meninos desta idade estão normalmente trancafiados em casa jogando videogames, mas não o Marco e seu amigo. Estão ao ar livre, brincando com algo que eles mesmo construíram. Por isso a emoção incontida do narrador. Ele descreve a descida do Marco como uma aventura dramática e vitoriosa.

Esta cena me fez lembrar a minha infância, mas também as histórias de aventuras que meu pai conta de sua juventude. Muito mais do que a facilidade de brinquedos que “brincam por nós”, naquela época a imaginação é que nos guiava. Um carrinho de lomba era, na verdade, um “bólido supersônico”, dirigido pelo “Capitão Marco”, o mais ágil de todos os pilotos do exército. O morro da “Vó Salvelina” era na verdade a escarpa tortuosa e mortal que precisava ser vencida, em cujo cume se refugiavam os inimigos da nossa pátria. Ali, nas lutas, batalhas e enfrentamentos imaginários se guardava o gérmen da nossa criatividade. O fazer era parte constitutiva e fundamental do brincar; nada era pronto, tudo ainda tinha que ser adaptado.

Que tipo de mente criativa poderá nos oferecer um mundo onde o lúdico é pasteurizado e pronto, onde os “games” sangrentos substituem as brincadeiras criativas e únicas, e onde as soluções para os problemas estão disponíveis no site da empresa?

Veja abaixo o vídeo do Marco e seu amigo no Morro da Vó Salvelina…

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Arquivado em Histórias Pessoais