Arquivo do mês: setembro 2022

O diamante e a madeira

Há poucos dias fui atropelado por essa ideia: em uma perspectiva cósmica um pedaço rudimentar e tosco de madeira é infinitamente mais raro e muito mais bonito do que um enorme diamante.

Para que esta pedra preciosa seja formada por átomos puros de carbono em condições de cristalização basta que este elemento sofra pressões fortes o suficiente para transmutá-lo. Já para criar os simples blocos de madeira que forram as paredes de um barraco humilde são necessários bilhões de anos de sofisticada elaboração no processo evolutivo.

Os diamantes serão encontrados de forma corriqueira nos planetas onde sequer os mais simples microrganismos existem. Todavia, para que um simples pedaço de pau exista é preciso uma gigantesca engenharia produtora de vida, que leva milhões de anos de elaboração minuciosa e exaustiva adaptação.

As metáforas para esta simples constatação são infinitas, mas fico apenas com esta: a beleza física existe em abundância no planeta, mas a grandeza da alma é produto de demorado e sofisticado processo de evolução, através das grandes quedas, pequenas vitórias, inúmeros erros e a construção infatigável da humildade.

As almas nobres são as pessoas “madeira“, enquanto as outras, lindas e exuberantes, são as pessoas “diamante“. As primeiras são raras e sofisticadas, mas poucos conseguem observar seu valor em um mundo que valoriza muito mais a luz exuberante e ofuscante da beleza exterior. Por isso é importante a atenção e uma análise apurada para que não nos deixemos seduzir pelo brilho fátuo que tão facilmente nos seduz.

Amália Dominguez Chacón, “Crônicas do Sol Poente”, ed. Pacific Press, pág, 135

Amália Chacón é uma poetisa e ensaísta peruana. Nasceu em Arequipa, o “oásis do deserto” em 1951, aos pés do Vulcão Misti. Filha de uma família abastada da região mudou-se para Lima no início dos anos 70 para estudar. Foi lá que se interessou por política e iniciou seu curso de sociologia na Universidad de Lima. Nesta época conheceu Abimael Guzmán, professor de Filosofia da Universidade Nacional de San Cristóbal de Huamanga e, a partir desse encontro e dos ensinamentos que dele surgiram, começou seu percurso dentro do Partido Comunista do Perú e posteriormente pelo Sendero Luminoso. Durante mais de 20 anos esteve atuando na guerrilha e na clandestinidade. Foi casada com o Comandante Quispe, com quem teve dois filhos ainda enquanto foragida: Miguel e Alejandro. Escreveu muitos livros de poesia que eram vendidos nas universidades por alunos que encontravam cópias mimeografadas de seus escritos. Sua poesia era dura, triste, humana, mas sempre trazendo uma perspectiva otimista para o seu país e o mundo. Seus escritos, ensaios, crônicas e poesias falavam da vida em reclusão, da dura labuta na selva e da importância de um país livre do imperialismo e da exploração fundiária. Amália veio a falecer de leucemia em 1982, após ser entregue pela guerrilha às tropas do governo para tratamento médico.

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Vergonha

Dentro de poucos anos as pessoas vão esconder as declarações de amor ao miliciano Bolsonaro, da mesma forma como hoje escondem a antiga exaltação ao herói Moro, que todos sabemos que não passava de um bandido de toga. Também no passado os integralistas picotaram seus uniformes verdes quando o nazi-fascismo passou a ser combatido por todo o mundo. Anotem: “bolsonarista” em muito breve será um adjetivo tão ofensivo quanto o são aqueles que definem os adeptos de Hitler e Mussolini.

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Imperfeição

Li no Facebook a frase que dizia que “nossa insistência em sermos perfeitos é ilógica, porque os perfeitos não sabem amar”. Todavia, discordo desta frase; em verdade os perfeitos sabem amar, a questão é que sua condição faz com que não precisem amar.

Na minha perspectiva o amor surge exatamente do sentimento de falta, aquilo do qual o sujeito carece. Sendo a perfeição a ausência de falhas e a completude suprema, nada lhe faltaria ou lhe seria vedado.

Assim, amar para quê? Para suprir qual lacuna? Para tapar qual buraco na alma?

A imagem ao lado explica exatamente o que pretendo dizer…

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Vai prá….

Vá pra Cuba!!!
Olha a Venezuela!!!
Em breve seremos uma Argentina!!!

Apesar de ser uma fórmula encontrada pelos fascistas para agredir, essa é a melhor propaganda para o PT. O Brasil precisa mesmo se abraçar aos seus irmãos latino-americanos!! Precisamos produzir uma gigantesca onda de contraposição ao imperialismo. Unidos nos fortalecemos, mas o Império sempre apostou na nossa desunião, fomentando separações artificiais produzidas por disputas locais inúteis e que só estimularam nossa submissão.

Viva Cuba, viva os Hermanos do Prata, viva a Nicarágua livre, viva a Venezuela soberana e abaixo o imperialismo assassino!!!

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Justiça para Olívio Dutra

Creio que é possível criticar o ex governador Olívio Dutra por sua única falha imperdoável: ser colorado. Para um gremista com o eu é doloroso ver um ícone da política gaúcha com a camisa do adversário. Sua vida pública, entretanto, é inatacável, em especial no episódio da Ford, onde esteve certo o tempo todo, mas os tolos e oportunistas da época se negaram a enxergar.

Olívio Dutra estava certo desde o princípio. Nunca foi por ideologia. Era para a proteção das contas do Estado. Passados 20 anos a Ford foi embora sem ter feito nada pelo Rio Grande ou pelo Brasil. São abutres do capital internacional, que exploram as nações periféricas e depois vão embora sem deixar qualquer valor, e sem contribuir com o desenvolvimento da indústria nacional.

Pois foi o seu acerto no que diz respeito à instalação da fábrica da Ford – apressada e prejudicial aos interesses do Estado o que ocasionou, após 16 anos, o vergonhoso pedido de desculpas da RBS (concessionária local da Rede Globo). Este resgate da justiça tardia é apenas um dos fatores que o farão ganhar a vaga ao Senado. Olívio é um bastião da honestidade, admirado até pelos seus adversários, pois sua conduta em todas as esferas de poder sempre foi de retidão, ética e competência.

Nosso sonho como socialistas é que nenhum sujeito será jamais degradado abaixo da condição humana e todos terão direito à dignidade de um lar, comida, segurança e saúde. Com Olívio no Senado sabemos que estaremos dando mais um passo nessa direção.

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Pesquisas

“Não acredite nas pesquisas, elas foram compradas pela esquerda”,
diz o militante bolsonarista…

Bem, para acreditar nisso é preciso questionar: na última eleição o Bolsonaro comprou as pesquisas? Como funciona? Afinal, as pesquisas mostraram de maneira muito clara que Bolsonaro crescia de forma vertiginosa no final da campanha eleitoral e todas as empresas foram unânimes em apontar a vitória do candidato da extrema-direita. Outra dúvida: as esquerdas – professores, operários, trabalhadores, proletários, estudantes, os pobres, os negros, os gays – compram pesquisas de intenção de voto, mas a direita – os magnatas, a elite financeira, os empresários, os militares, a pequena burguesia e os patrões – não compram? Por quê? A direita é honesta e a esquerda vigarista? Por que deveríamos acreditar nessa divisão moral da sociedade? Onde se pode comprovar isso? Expliquem por que os pobres comprariam as pesquisas eleitorais (quem paga?) e os ricos (como o velho vigarista da Havan) não fariam isso?

Essa divisão moral da sociedade não faz sentido algum, mas todo o ideário fascista é centrado nessa ideia. Basta ver como foram as propagandas nazistas, o fascismo italiano e todas as frentes de direita que, na ausência de argumentos econômicos e sociais, apelam para valores da “família”, da “religião” e de um patriotismo canhestro e falacioso. Veja como os defensores de Bolsonaro jamais questionam os projetos, planos e realizações dos governos de esquerda, muito menos os comparam com o que foi feito na onda neoliberal de Temer-Bolsonaro. Não, sempre partem para os ataques morais, chamando os petistas (e a esquerda em geral) de vigaristas, ladrões, guerrilheiros e “presidiários”. Entretanto, jamais se vê uma crítica aos projetos de governo, nunca algo técnico ou sobre as ideias, sempre elementos subjetivos sobre a honestidade ou a “espiritualidade” dos políticos da esquerda.

O estranho é que isso agride até a própria realidade. Quem esteve a vida inteira envolvido com crimes, milícias, rachadinhas, funcionários fantasmas, apartamentos para “comer gente“, desejo de “matar uns 30 mil“, negros pesados em “arrobas“, sendo a “favor da tortura“, ameaçando golpe militar a todo momento, vizinho de “milicianos envolvidos na morte de Marielle e Anderson” sempre foram Bolsonaro e seus filhos.

Eu espero que a partir do ano que se aproxima possamos virar a página do fascismo, do negacionismo, do estímulo à violência, do golpismo e do ódio incontido. Precisamos reconstruir um pais que foi destruído pelos golpes em sucessão, e esta será uma tarefa de todos nós.

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Censura

Eu me acostumei a ver os humoristas brasileiros – em especial os stand-up da última geração – sendo acusados de fazer bullying contra grupos oprimidos. Com o tempo, a partir da vigência do “politicamente correto”, criaram-se lugares fechados, vedados ao humor, ambientes proibidos às piadas, pois que tais espaços estariam ligados ao sofrimento de grupos tradicionalmente oprimidos por sua etnia, orientação sexual, identidade de gênero, deficiências físicas, etc. O humor a partir de tal imposição cultural transformou-se. Através de um patrulhamento feroz do que era dito o humorismo amansou-se, tornou-se civilizado e domesticado. A censura não ocorria mais por parte de “escolhidos” pelo estado para filtrar o que era adequado para os ouvidos sensíveis de nossa população cristã e conservadora, mas por mecanismos culturais descentralizados. Fazer graça se tornou perigoso, mas o humor perdeu uma de suas principais funções: a crítica social mordaz, ferina.

Segundo David L. Paletz, a sátira é uma forma de humor em que as instituições sociais e políticas, os indivíduos são ridicularizados e humanizados. Isso pode nos levar a liberar a tensões e, assim, levar a mudanças no sistema. Dado que a frustração é uma das principais causas da agressão, não surpreende que as pessoas que frustram nossos objetivos e prazeres sejam os principais alvos do humor (como reis, rainhas, políticos, médicos, policiais, clérigos, professores, mandatários, etc.). Com a introdução do humor “controlado”, que evitaria ofender, criou-se um humorismo contido, uma comédia amordaçada, que serviria ao impedimento da segregação desses grupos. Aliás, praticamente todos os programas de humor dos anos 80 e 90 seriam proibidos atualmente. Pense em Chavez, Trapalhões, Viva o Gordo, Zorra Total etc. Nada disso seria aceitável no mundo de hoje.

É compreensível esse movimento. A empatia nos impulsiona a tentar proteger essas pessoas mais fracas de um determinado espaço social, como uma mãe faria com seus filhos. Este para mim é o padrão “maternal”, que abriga criando uma cápsula da amor protetivo, impedindo as agressões que vem de fora. Por esta perspectiva, a censura poderia ser aplicada a qualquer um que estivesse fazendo zombarias sobre esses grupos. Seria uma “censura do bem”, para proteger sujeitos fragilizados dos ataques de uma cultura degenerada e excludente.

Apesar de entender as razões pelas quais se adotam estas medidas na cultura, sempre me posicionei de forma absolutamente contrária a esta proposta. Não acredito que, em médio e longo prazos, qualquer censura possa ser benéfica. A censura sempre é a imposição de força de um grupo sobre a liberdade de expressão de um sujeito ou de coletivos. Baseada em critérios morais ou políticos, julga a conveniência da publicação ou divulgação de uma obra humana impedindo sua liberação à exibição pública. A censura se baseia na ideia autoritária de que existem sujeitos em uma sociedade capazes de julgar o que devemos ou podemos escutar, ver ou admirar. Todavia, da mesma forma como não existe “ditador do bem”, a censura falha em seu intento principal de livrar a sociedade de uma ideia que tenta se expressar; com o tempo – por melhores que sejam suas intenções – ela apenas mantém essa ideia prisioneira no inconsciente social, onde se nutre e cresce.

O que é recalcado não desaparece, e fatalmente se fortalece.

Danilo Gentili foi um dos principais comediantes atacados por grupos identitários. Sofreu processos, ataques e violências por contar piadas sobre mulheres, crianças, nutrizes e muitos outros grupos. Apesar de ele se situar no ponto oposto ao meu no espectro político, creio que ele está correto em sua perspectiva sobre o humor. Ele é vítima da censura que uma parte da esquerda faz e se tornou incansavelmente perseguido pelos identitários e pelas patrulhas de costumes, algo absolutamente medieval. A “hegemonia da ofensa” – onde as piadas são inadequadas apenas a partir de uma escolha política – que ele denuncia é real. Nela se condena por preconceito alguns grupos, enquanto outros são liberados. Fazer piadas com gays, afirma ele, é errado, mas com a pretensa homossexualidade do filho de um presidente de direita, está liberado.

As punições que os stand-up receberam nos últimos anos são a imagem mais clara da absoluta falta de respeito com a liberdade de expressão que existe no Brasil. Acreditar que uma piada possa ser proibida daria arrepios na espinha de qualquer liberal que aceita as liberdades individuais como elemento fundador da democracia, mas no Brasil recebe aplausos até daqueles que repudiam o fascismo e se se acreditam democratas. Censurar uma música do Chico Buarque ou uma piada tosca do Rafinha Bastos tem o mesmo peso, pois na censura não há debate sobre o mérito e a qualidade da obra, apenas sua conveniência moral ou política. Portanto, deveríamos reagir com a mesma energia contra qualquer uma destas arbitrariedades.

O grande problema com a proteção aos grupos “frágeis” é que a blindagem destes grupos – mulheres, gays, negros, deficientes, trans, etc, sobre o que se pode – ou não – dizer gera mais exclusão do que algum efeito pedagógico. Uma pessoa cujas falhas não podemos apontar e zoar (como fazemos todos os dias com nossos amigos) é alguém diferente de nós; frágil e intocável. Estes grupos passam a carregar o status de crianças, fracas demais, demandantes de proteção. Existe um preço a ser pago se alguém se considera (ou é considerado) acima das críticas – ou abaixo delas. Se você não pode brincar com suas características, não vai conseguir proximidade. Entre os próprios protegidos existe reação, pois que o preço da proteção é a eterna imaturidade.

“Ahhh, mas negros, gays, loiras etc eram humilhados com piadas que os diminuíam”. Isso é verdade, mas a maneira de lidar com esse problema não pode ser a repressão, que só piora a exclusão – como bem nos ensinou Freud. A forma mais justa é, diante de um ataque contra estes grupos, valorizar o fato de alguém ser mulher, ser gay, ser negro, ser loira ou ter alguma deficiência e não excluí-los das piadas, pois estas auxiliam na criação de um fator especial nas comunidades humanas: a intimidade. Além disso, todos nós aprendemos desde muito cedo a diferenciar as piadas e seus contextos, em especial reconhecer quando a piada é um simples veículo usado para um ataque preconceituoso. Esta sim é deletéria, mas não passa de uma falsa piada, um gracejo que apenas dissimula uma agressão. Entretanto, mesmo ela não se extermina com censura, apenas com educação e convivência. Aliás, o grande elixir para curar o preconceito é esse: jamais segregar e sempre estimular o convívio dos diferentes; esta sempre foi grande arma para derrubar os muros entre nós.

Tenho profunda admiração por humoristas que rompem essa barreira. Danilo Gentili tem meu total repúdio por sua postura política, mas minha solidariedade pelo direito de fazer e contar piadas sem a ameaça de ser censurado. Muitos outros humoristas enfrentam o bombardeio da “correção política” e se colocam como linha de frente da ampla e irrestrita liberdade de expressão. Entre eles, Rick Gervais e Dave Chappelle são os melhores exemplos de humoristas do politicamente incorreto, e por isso merecem minha admiração e respeito.

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A burguesia e seus candidatos

Tenho visto muitas queixas sobre os candidatos para as próximas eleições. Leio posts de sujeitos que acreditam que temos uma representatividade desqualificada, feita de subcelebridades, figuras midiáticas, gente sem qualidade e/ou preparo. Queixam-se das candidaturas de atores pornôs, palhaços, cover da Dilma, cosplay do Wolverine, youtuber, ex jogadores de futebol e vôlei, técnico de futebol, humoristas, viúvas de celebridades, cantores de axé, ex BBB, atriz aposentada, filhos de políticos, cantores bregas, etc. Por certo que estas queixas tem um caráter inequívoco de classe, como a dizer que apenas pessoas com “preparo”, curso superior, cultura e refinamento poderiam decidir sobre os destinos das cidades, estados e da nação.

Mas eu pergunto: qual o real problema desses personagens aparecerem na política?? Que tipo de crítica moralista é essa, e ao quê serve? Apesar de haver nestas candidaturas uma supremacia da “notoriedade” sobre o trabalho político, estes candidatos ainda são muito mais representativos do Brasil de verdade do que os playboys, os farialimers, os empresários, os militares, os pastores e seu “rebanho”, os policiais (em especial os justiceiros e fascistas) e os latifundiários do agro que ameaçam o meio ambiente. A mim esta interdição “cultural” é uma imensa tolice, uma forma de excluir as classes populares do debate nacional, um deboche contra o povo brasileiro e suas figuras populares, como se o fato de ser palhaço, jogador de futebol ou cantor fosse indigno e traduzisse uma incompetência para a política.

Tenho certeza que as pessoas que insistem nas críticas à “qualificação” dos candidatos jamais se escandalizaram com o fato de dois terços dos 513 deputados federais eleitos e reeleitos são empresários e profissionais liberais, segundo levantamento feito pelo Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap). Isto é: dois terços dos representantes no Congresso não vivem de salário!!! Dois terços dos representantes parlamentares, aqueles que lançam e aprovam leis, não pertencem a classe trabalhadora. Na população em geral 10% dos brasileiros são empreendedores, mas no congresso são 66%. Para quem eles irão legislar??

Esses empresários e profissionais liberais vão cuidar da vida e dos proventos de todos brasileiros e exercerão controle sobre uma classe da qual pretendem se distanciar ou dar as costas. Todavia, esse tipo de disparidade típica das democracias liberais – um parlamento de ricos que controlam uma massa de pobres – não causa espanto, sequer nojo ou indignação. Já um ex palhaço parece insuportável.

A melhoria da nossa representatividade política jamais vai ocorrer em um sistema em que o gasto para ser deputado federal é altíssimo, completamente inatingível para um sujeito comum – mesmo da classe média. Um bom exemplo é o da Deputada Feederal Shéridan (PSDB-RR), que teve o valor mais alto na relação entre despesas e número de votos na última eleição (2018). Na disputa por manter sua cadeira no congresso federal ela recebeu 12.129 votos e declarou ter gasto R$ 2,3 milhões. Shéridan desembolsou R$ 190,22 por cada voto que conquistou.

Quem se escandaliza com isso? Por outro lado, o fato do sujeito ter sido atleta, ator pornográfico ou BBB parece ser inaceitável para a sensibilidade dos liberais meritocráticos ingênuos. Parece que ainda acreditamos que a classe burguesa tem melhores condições para gerenciar os destinos de uma nação, e existe um investimento pesado nesta crença. A forma mais simples e popular é debochar das candidaturas populares, de gente simples, de pessoas do povo e iguais a nós, da nossa classe. Quem pode esquecer o fato de que os candidatos do espectro de esquerda são tradicionalmente tratados como “cachaceiros” tão logo pretendam se candidatar?

A revolução do voto não será por aí; ela vai ocorrer pela real participação popular nos destinos do país, e isso jamais vai acontecer na vigência da democracia liberal burguesa. Para isso precisamos de uma revolução e um povo com a necessária consciência de classe para mudar seu destino.

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Jesus e outros mitos

Para muitos estudiosos, a vida real de Jesus de Nazaré não passa de um mito.

Sim, é possível que Jesus – filho de Maria e José – não tenha sequer existido, como afirmam vários estudiosos, e com argumentos bem consistentes. Por outro lado, pode ser que o fato de não ser encontrado nos relatos de escribas até 1 século após sua passagem pela terra, tenha uma explicação bem mais simples, e muito mais plausível: Jesus foi – em sua época e no século que se seguiu à sua morte – absolutamente desimportante, assim como o foram os mais de 400 autoproclamados Messias de sua época, todos eles considerados “fracassados” pelo próprio povo judeu, que conectava a figura do Messias prometido à necessária libertação do jugo romano. Essa hipótese é interessante e bem razoável e, para aqueles que duvidam de sua possibilidade, temos aqui mesmo no Brasil um exemplo bem próximo e típico da “criação de mitos” que comprova o uso político de figuras do passado.

Sim, ele mesmo: Tiradentes. O alferes Joaquim José da Silva Xavier foi totalmente esquecido após sua morte e “ressuscitou” um século depois de sua execução, para ser usado como símbolo para os republicanos em sua luta para derrubar o império. Sua memória dormiu por cem anos e foi trazida do mundo dos mortos – com inaceitáveis cabelos compridos, barba e semblante crístico, criação do pintor Décio Villares – para ser usado politicamente, como o Cristo da mais “Nova República do Novo Mundo”.

A história de Tiradentes é uma cópia da própria narrativa de Cristo “o salvador”, com direito à um traidor, via crucis, apóstolos, a luta pela liberdade contra o opressor, a exposição pública de sua morte e a posterior sobrevida de suas ideias. Uma narrativa clássica dos heróis que pode ser encontrada em diversas épocas da história, e em várias latitudes.

Desta forma, assim como Tiradentes foi trazido de volta como mito para liderar um movimento político, por que o mesmo não seria feito com um obscuro palestino e sua mensagem direcionada aos pobres, miseráveis e oprimidos? Nada mais justo e lógico.

Se hoje Jesus pode ser visto como alguém que pegaria uma pistola para defender o direito à propriedade privada, por que não poderia ter sido de outras formas transformado – e até desfigurado – nestes 20 séculos passados desde a sua partida?

Ainda acredito que o “Jesus histórico” realmente existiu, mas suas lendas e mensagens são basicamente criações coletivas humanas produzidas por aqueles que o seguiram. Aliás, exatamente como fazemos com qualquer mito humano, de Zoroastro a Lula. Suas existências podem ser verificadas, mas suas obras são construções culturais carregadas de acréscimos e supressões destinadas a levar adiante projetos e visões de mundo do tempo em que vivemos.

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Rejeição

Há algumas semanas conversei com uma mulher sobre uma série de assuntos relacionados à sua gravidez e, depois de um certo tempo, ela fez um comentário de caráter político que me deixou curioso. Como ela tocou no assunto, resolvi espichar um pouco a conversa para entender onde ela se situava nesse espectro político. Por curiosidade, perguntei:

– Mas afinal, em quem você vai votar?

Ele fez uma cara de quem estava pensando e por fim, respondeu:

– Ainda não escolhi, mas vai ser qualquer um, menos o Lula.

Um pouco surpreso, perguntei a razão de eliminar preliminarmente o ex-presidente de suas preferências, ao que ela explicou:

– Não adianta, não gosto dele. E não adianta tentar me convencer do contrário. O Lula trata as pessoas como se fossem coitadinhas, incapazes, fracas. Eu jamais precisei de ajuda para chegar onde cheguei. Não é porque sou negra que preciso ser tratada como inferior.

Ela era, por certo, uma mulher negra de classe média baixa. Havia estudado, tinha acumulado alguns bens (normais para seu estrato econômico) e tinha seu próprio pequeno negócio. Perguntei como poderia ser essa a visão que tinha de um sujeito simples, nordestino, operário, etc. Na minha cabeça, era pouco compreensível que as pessoas mais prejudicadas por uma estrutura social injusta como a nossa rejeitassem o personagem que mais representa a esperança de reversão dessa dura realidade.

As respostas dela foram tão subjetivas que se tornam até inúteis para uma análise de suas causas. Falou coisas como “O jeito que ele olha para os pobres”, ou “as palavras (falsas) que usa para falar deles”, e até “essa mania de falar da própria mãe, pobre e retirante“. Eu me convenci de que não havia nada em sua fala sobre o que Lula havia feito de errado, mas seu rechaço se fundava sobre o que Lula é: um homem que, reconhecendo as dificuldades do povo mais oprimido – negros, pobres, mulheres, operários, gays, etc – lança sobre eles um olhar de reconhecimento e cuidado, mas que para alguns parece ofensivo.

Perguntei sobre os candidatos ricos, de outras classes sociais, preocupados com suas próprias realidades próximas, e como ela lidava com o fato de que nenhum olhar seria direcionado aos pobres e destituídos. Questionei também se ela entendia que esta rejeição a Lula nos levou a eleger um sujeito racista, homofóbico, misógino e que despreza os pobres e até a própria democracia. Sua resposta foi curiosa:

– Ora, todos são racistas; ele é apenas mais um. O Brasil é um país racista; você, lá no fundo também é – e não adianta negar. Esse presidente ao menos é sincero e verdadeiro. Transparente.

Por fim disse não aceitar nenhum tipo de postura, assim dita, assistencialista. Afinal, não é justo que os outros ganhem “de presente” o mesmo que ela batalhou tanto para alcançar. As ajudas do governo acabavam por diminuir o valor de tudo que ela havia conquistado em sua vida, algo inaceitável e injusto.

Isso me fez lembrar os médicos que reclamavam do pagamento dado às doulas. Um deles, antigo e reacionário membro do conselho médico local, dizia que as doulas eram como “verdureiras”, no sentido de atuarem em uma “profissão” sem qualquer regulamentação, e que seria injusto ganharem bem quando os médicos – após anos de esforço – ganhavam quase o mesmo que elas.

Sim, mais fácil depreciar o trabalho alheio do que reivindicar a valorização do seu.

Quando a esquerda oferece mais equidade e justiça social esta promessa incomoda algumas pessoas por parecer desmerecer suas conquistas, ao menos nesta percepção deteriorada delas. Acreditam que, para que suas coisas ganhem valor, é importante que outros só as obtenham mediante sacrifício.

As ideias socialistas geram desde sempre a ilusão de extermínio da meritocracia, como se a justiça que apregoam fosse oferecer “igualdade para os desiguais”. Na verdade apenas promete que ninguém poderá ser privado de suas necessidades fundamentais e que o trabalho deverá ser remunerado com equilíbrio e sem exploração. Porém, diante da proposta de que todos devem ser remunerados com justiça, é chocante ver o quanto de rejeição isso ainda provoca.

Desisti de convencê-la a trocar seu voto, mas ao menos deixei claro que sua escolha era muito mais baseada na aversão à ideia de justiça social e muito menos nos defeitos de Lula. Ou seja, seu preconceito estava mais ligado às virtudes do que às imperfeições do candidato. Por outro lado, percebi que esse tipo de discurso é muito mais prevalente do que se pensa, e que é importante escutar o que estas pessoas têm a dizer.

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