Há 25 anos eu fui convidado por um grupo de colegas do hospital onde eu trabalhava para participar de uma reunião a respeito de um “novo modelo de negócios” que poderia render milhões. Alguns colegas foram, eu não. Não acredito, inclusive hoje, que eu poderia vender coisa alguma na vida; seria uma tremenda perda de tempo. O mais entusiasmado entre eles era um colega pneumologista, que voltou da reunião absolutamente apaixonado pela ideia, e completamente envolvido pelo clima da proposta.
A reunião era da Amway, uma ideia “revolucionária” onde você não precisava vender nada, apenas convencer outras pessoas a vender por você. Você seria um gerente, um coordenador de equipe, o cabeça, o organizador. O chefe. O que poderia ser mais sedutor?
A regra do sucesso? Nunca desistir, mesmo quando parece estar fracassando. O método de convencimento? Ora, ainda hoje é usado por igrejas no mundo inteiro: a promessa da redenção. Lembro de encontrar meu colega uns dias depois e dizer a ele que este modelo se parecia demais com uma “pirâmide”, e que não seria possível em um modelo como esse que todas as pessoas se beneficiassem. “Não é uma questão de de talento ou empreendedorismo, mas de matemática”, expliquei a ele.
Ele ficou furioso com a minha observação. Sua resposta foi:”Eu estava enganado quanto à sua capacidade de se envolver em um negócio maravilhoso como este, mas agora estou desconfiado da sua capacidade intelectual“. Essa é a resposta óbvia de alguém que “viu a luz” em uma espécie de viagem astral e não aceita que outros não a tenham visto. Meu colega levantou-se e saiu indignado da sala.
Nunca mais falei sobre ele sobre esse episódio e alguns meses depois eu mesmo saí do hospital. Quando encontrei um amigo em comum muitos anos depois lhe perguntei se o nosso amigo ainda estava envolvido no “negócio” para o qual tinha nos convidado. Meu colega respondeu que ele havia abandonado um ano depois e que foi “uma grande decepção, a qual não gostaria de comentar”.
Digo isso apenas porque ontem assisti o documentário da Netflix “Betting on Zero” e achei muito bom, pois me parece um documentário que fala mais do que o gigantesco modelo de negócios e sonhos da Herbalife, mas vai além e nos faz questionar as bases do capitalismo: a ilusão disseminada de que, se você tiver méritos e resiliência, poderá ser um vencedor, mesmo quando as regras do jogo são predeterminadas e na sua mão jamais haverá cartas boas para apostar. O capitalismo está na estrutura filosófica que sustenta estes negócios através da promessa escatológica de redenção.