
Para todos os que aplaudiram o Gabigol, imaginando uma postura política e nobre ao não dar atenção ao governador ajoelhado, lembrem que os jogadores de futebol, salvo raríssimas exceções (Sócrates, Roger Machado, Juninho Pernambucano, Wanderley Luxemburgo, Afonsinho, etc) são alienados, afastados das comunidades de onde vieram, vivendo em redomas, ganhando milhões, reacionários, direitistas, meritocráticos, ignorantes da realidade social e, não por acaso, apoiadores de soluções radicais e violentas. A recente comemoração do Palmeiras (clube criado por imigrantes e operários) ao lado do Bolsonaro (um fascista) não pode ser esquecida.
A lista de jogadores que se identificam explicitamente com o binômio biblia-bala é extensa e citar alguns e esquecer outros poderia parecer clubismo ou perseguição. Imaginar que desse estrato social sairá alguém com consciência de classe é uma ilusão na qual a esquerda não pode embarcar.
Gabigol é um herói para o futebol, mas não exijam dele o que não pode dar. Não lhe peçam que seja um exemplo de luta contra a desigualdade, a exclusão e o genocídio protagonizados pelo governador do Rio. Para a galera favelada, preta e pobre do Flamengo, essa mesma que o Witzel mira “na cabecinha”, ele não chegará a ser mais do que um pôster na parede.
Outra questão é o que significa a vitória do Flamengo. Já há muito anos denuncio a espanholização do futebol brasileiro que só não aconteceu antes pela incrível incompetência do Flamengo em gerenciar seus recursos e pelos desmandos políticos do Corinthians. Somente os Flamenguistas mais fanáticos enxergariam a situação falimentar de TODOS os outros clubes cariocas como algo positivo. Não posso aceitar o desaparecimento de grandes e tradicionais clubes do Rio em nome de abrir espaço para o surgimento de um time de galácticos milionários.
Nesse contexto o Flamengo é o Walmart do futebol.
E vamos combinar que o Flamengo tem a maior torcida porque tem mais investimento de mídia e tem mais mídia porque tem a maior torcida, num circulo que tende a esmagar os outros clubes e criar um desnível de recursos que se escora em muito dinheiro.
Concordo com a ideia de que nada disso desmerece o duplo sucesso que o Flamengo conquistou nestes dois dias. Todavia, o desnível econômico e a gentrificação do esporte bretão podem criar um futebol previsível e sem graça.