Arquivo do mês: abril 2013

The Old Feminism

Betty  Friedan

Exponho aqui a minha resposta ao artigo escrito pela feminista americana Katie Roiphe chamado “A Derrota do Feminismo” e que pode ser encontrado traduzido na Internet neste link A Derrota do Feminismo no Facebook

Neste texto a autora critica a exposição de mulheres com seus filhos nos perfis públicos do Facebook, entendendo que esta exposição das “crias” escancarava a falência dos ideias originais e revolucionários das feministas americanas, em especial Betty Friedan. Tenta mostrar que “resumir-se aos filhos” seria uma traição às propostas de liberação feminina. Para ela, a radicalidade feminina que se expressa nos filhos é a derrota inequívoca dos sonhos de autonomia e liberdade para as mulheres.

Realmente, o título está correto: para mim trata-se do fim desse tipo de feminismo antigo, que despreza o feminino e desconsidera as especificidades do ser mulher. Estamos diante do ocaso de um movimento feminista cujo desiderato máximo era transformar as mulheres em “homenzinhos de gelatina”, fortes, invasivas, transformadoras e sem a chatice perpétua dos filhos a atrapalhar seus projetos. A autora chega a usar um argumento, no mínimo, curioso:

“Mas essa forma específica de narcisismo, a exposição destes querubins para criar uma imagem do eu, é para mim mais perturbadora pela verdade que revela. A mensagem subliminar é clara: Eu sou os meus filhos.”

Para ela, “eu sou o meu trabalho” não causa, outrossim, um espanto que poderíamos prever pelas suas palavras. Amalgamar-se no seu ofício soa melhor do que apresentar a obra mais sofisticada e complexa que uma mulher é capaz de produzir: um filho saído de seu ventre. A articulista provavelmente não percebeu o que muitas mulheres conseguem ver, e que ela se nega a perceber: existe um orgulho imenso em dar à luz um filho e criá-lo com coragem, denodo e determinação. Se as mulheres podem hoje atingir outros postos de realização pessoal nas sociedades ocidentais, que foram outrora a elas sonegados, isso não desmerece o trabalho árduo, penoso e – ao mesmo tempo – gratificante de gestar, parir e maternar um filho.

Realmente, é o fim “desse” feminismo, bem chamado de feminismo caga-regras. Não precisamos mais de patrulhas feministas, comandos anti-gravidez e nem de ativistas contra o romantismo, o desejo, a delicadeza e o amor maternal. Podemos soterrar um feminismo que nada mais é do que a outra face do machismo, que olha as sociedades igualmente divididas e antagonizadas, e que não pensa em congraçamento e respeito na diversidade.

As velhas feministas traumatizadas e raivosas deixaram fiéis seguidoras e, para algumas, as marcas do rancor e do ressentimento com a devoção maternal se mantém idênticas.

Rest in Peace, old feminism…

E que seja bem vindo um “novo feminismo”, de mulheres que respeitam suas características mais profundas e que exaltam a feminilidade na sua mais intensa radicalidade: o poder de gestar e parir.

2 Comentários

Arquivado em Pensamentos

Parteria

Call The Midwife Christmas

Sempre fui inspirado pela palavra “parteira”.

Antes de continuar é importante explicar que quando falo das parteiras estou explicitamente me referindo às profissões que atendem partos. Estas estão englobadas no conceito de “skilled attendants” da OMS. Minha ideia ao falar em parteira(o) é debater esta questão por cima das divisões corporativas que, aliás, apenas atrasam as discussões sobre o nascimento humano.

Eu não gosto do termo “obstetriz”. Quando fui, há alguns anos, convidado a falar no curso de obstetrícia da USP (EACH) dei um especial destaque a este tema para os alunos, apesar de não ser algo que pareceu muito importante para eles naquele momento. Segundo Robbie, sempre que uma mulher que atende partos se nomeia PARTEIRA ela está se conectando – de forma inconsciente, mas consistente – com os milênios de cultura e aprendizado de atuação junto às mulheres no momento de parir. Elas trazem consigo a alma das parteiras, a conexão feminina do “estar ao lado”, o respeito à fisiologia, o culto à paciência e o desejo de ajudar as mulheres a suplantarem seus desafios.

Por outro lado, sempre que estas profissionais insistem no termo “obstetriz” elas procuram, igualmente de forma inconsciente, se conectar ao modelo de atenção dos profissionais médicos, que surgiram muito depois, e acabam fazendo deles o paradigma de suas ações. Portanto, estas últimas tendem a ser mais intervencionistas, menos pacientes, mais técnicas e mais próximas do discurso médico. Também acredito que o termo adequado para descrever a ação das parteiras é a parteria, que tem o mesmo significado de midwifery.

Eu mesmo, desde há muitos anos, me descrevo como “parteiro”, quase numa provocação, pois este termo agora é utilizado de forma pejorativa pelos meus colegas. A arte de partejar, de atender partos normais e de respeitar a rota de fisiologia foi perdendo considerável terreno nos últimos anos. Passamos de uma espécie de “orgulho” de parteiro, no passado não muito distante, para um desprezo explícito a estas capacidades, na modernidade. E tal mudança tem a ver com o domínio total de vertente médica de atenção ao parto, que se tornou absolutamente hegemônica exatamente quando a última geração de profissionais que haviam aprendido a partejar com parteiras se aposentou. Hoje em dia, os alunos das escolas médicas aprendem obstetrícia com profissionais que nunca viram o trabalho de uma parteira, e isso é muito triste, mas explica de forma muito clara a atual situação.

Lembro um fato, ocorrido no hospital de periferia em que realizei meu treinamento enquanto estudante de medicina, e que me ofereceu uma imagem muito clara do que seriam os modelos de atenção ao parto vistos através distintos vieses.

Um colega recém-formado adentrou o espaço do refeitório enquanto tomávamos o lanche da tarde. Ele estivera ocupado no centro obstétrico atendendo um parto, e chegou atrasado ao nosso encontro vespertino para o café. Sentado na ponta da mesa eu era o estudante de medicina que vivia “peruando” plantões, perguntando coisas, investigando palavras, discursos, atitudes e olhares. Enquanto acercava-se da mesa simples coberta por uma capa plástica de estampa floral, meu colega exclamou:

– Vocês perderam uma maravilhosa aula de aplicação de fórceps de Kielland agora mesmo.

Sentou-se ao nosso lado na mesa e comeu seu sanduíche ainda orgulhoso de suas confessas habilidades. Para ele, a capacidade “positiva” de indicar um procedimento, produzir uma ação, aplicar uma técnica, usar uma ferramenta e conseguir um resultado eram o ápice do proceder médico. Eu conseguia perceber com clareza as razões para a felicidade e o orgulho que ele ostentava. Estava claro para mim, menino de 23 anos que cursava a escola médica, que o desiderato máximo da nossa profissão passava por essa sucessão clara de ações: diagnosticar, propor, intervir e reparar.

Mas a alegria do meu colega me provocou uma consideração um pouco mais profunda. Fiquei pensando que este discurso médico se assentava sobre um paradigma interventivo, masculino, racional e objetivo. Poderia, sem dúvida, produzir resultados muito bons nas inúmeras patologias que encontramos na experiência diária com o tratamento de pacientes. Entretanto, com o parto – a feminilidade em sua mais intensa radicalidade – a abordagem precisava ser diversa, pois existia uma formatação original, “de fábrica”, implantada em toda a mulher desde seu nascimento, que a conduzia para a realização do parto, sem que a ação interventiva humana fosse necessária. A maneira de enxergar o evento precisaria ser obrigatoriamente diversa e passaria longe do modelo de intervenção. Não há, via de regra, algo a ser consertado, ajustado ou corrigido. Assim deveria ser, a não ser que…

A não ser que considerássemos todo nascimento como uma patologia, um erro, um equívoco perigoso. Para entender o parto como um ato disfuncional seria necessário enxergar a própria mulher como essencialmente defectiva. Assim, a ideia de uma mulher “malfeita” produziu a necessária autorização social para a intervenção extemporânea ou intempestiva, mas que com o passar dos anos tornou-se a norma.

Minha brincadeira mental mais engraçada é imaginar a cena do meu colega em um universo paralelo, no mesmo refeitório do hospital de periferia, os mesmos pães na cestinha, o queijo fatiado em retângulos irregulares, o presunto magro, a térmica de café e as xícaras velhinhas com as bordas lascadas. Pela mesma porta entra uma parteira com um sorriso largo, os dentes brancos enfileirados e felizes, os olhos brilhando, os cabelos revoltos pelo gorro recém tirado, os olhos ainda vermelhos pela emoção que acabara de passar.

– Vocês perderam uma maravilhosa aula de parteria avançada agora mesmo, meninos.

Diz sem tirar o sorriso do rosto, enquanto pega nas mãos o pãozinho que aguardava sua vez de ser devorado.

– E o que você fez? pergunto eu, entre curioso e afoito para ouvir sua história.

Então ela responde com um suspiro triunfal:

– Nada. Nada mesmo. Precisamente nada.

Deixe um comentário

Arquivado em Histórias Pessoais, Parto

As Negativas

Paternidade 02

Acho respeitável à negativa de assistir o nascimento de seus filhos, assim como acho digna a própria negativa de ter filhos, ou mesmo abster-se de ter relações sexuais. Até mesmo de nunca falar com seus pais, ou de nunca escutar música clássica, de nunca cantar ou jamais caminhar de pés descalços. Entendo que alguns não queiram (e mesmo se irritem) com o barulho da chuva no telhado de zinco, e com a própria chuva molhando o corpo. Aceito a recusa de andar de mãos dadas, de olhar o céu e imaginar seu limite e de imaginar caras e bichos nas nuvens.

Compreendo, sem hesitar, que algumas pessoas prefiram não se emocionar com o sorriso de um bebê, seus primeiros passos e suas palavras enroladas. Por isso mesmo me obrigo a aceitar – sem problemas – que durante o rito de passagem mais poderoso que um ser humano é capaz de ultrapassar alguém que está ao lado resolva fechar seus olhos e ouvidos, impedindo-se de ver o milagre esplendoroso que está a acontecer. Acreditar no contrário seria imaginar que somos todos iguais, e que sentimos da mesma forma, e isso não é aceitável em um mundo que se propõe diverso e plural.

Deixe um comentário

Arquivado em Parto

O abuso – das calcinhas aos bisturis

Gerald Thomas Corte

Nos últimos dias fomos assaltados por uma imagem que até poderia ser chocante e agressiva não fosse a televisão a nos escandalizar todos os dias e banalizar os abusos. Entretanto, tivesse acontecido há alguns anos e isso seria intolerável para a moral e os bons costumes. Na foto que circulou pela Internet, um conhecido dramaturgo brasileiro (apesar do nome estrangeiro) coloca as mãos por debaixo do vestido exíguo de uma – aparentemente – constrangida apresentadora que participava de um programa de televisão. A cena é tão grosseira que até parece uma montagem previamente combinada, tamanha a liberalidade com que o artista se desvencilha das mãos da modelo e tenta alcançar as peças mais íntimas do seu vestuário.

Tudo é permitido na cena contemporânea. Para alcançar o sucesso e a fama parece que o limite tornou-se obscuro e esfumaçado. Numa sociedade de “ninguéns” um alguém que retira despudoradamente a calcinha de uma modelo parece alcançar uma merecida notoriedade. A fotografia bizarra chamou a atenção da mídia e de inúmeros articulistas, das feministas aos cronistas de cotidiano, todos condenando a ação violenta e grosseira levada a efeito durante a sessão de autógrafos do citado artista.

Por outro lado, muito se falou sobre o descaramento e a permissividade do tal ato, e pouco se falou do terreno fértil que a cultura contemporânea cria para esta ação. Se a atitude do cabeludo artista é deplorável, e tem sido por todos condenada, resta a pergunta que não quer calar: porque é tão fácil acessar o corpo de uma mulher?

Difícil responder, mas eu temo que esta questão fique restrita à discussão da exposição excessiva do corpo e das formas de uma mulher desejável, e das consequências que este oferecimento parece produzir nos homens. É certo que a provocação erótica de uma mulher que vende seus atributos físicos para o uso da fantasia alheia não significa, em hipótese alguma, a liberação de acesso à sua intimidade. Se a atitude agressivamente erótica dela pode receber alguma crítica de setores mais moralistas da sociedade, não vejo possibilidade de aceitar qualquer invasão do sagrado território de seu corpo com a justificativa de que “ao vestir-se assim estava autorizando o abuso”. Chega desse tipo de discurso, pois que ele está velho demais para continuar sendo usado.

Entretanto, eu gostaria de falar de outros abusos contra o corpo das mulheres. Há mais neste abuso do que simplesmente uma mão boba explorando uma calcinha, e acho que é oportuno que abordemos esta questão de frente. Para mim, que milito na área da humanização do nascimento, o “levantar de saias” deste senhor é uma agressão menor se comparada aos abusos diários e repetidos contra as mulheres perpetrados por uma atenção ao parto que viola a segurança de seus corpos.

O índice de cesarianas no Brasil chegou a números inaceitáveis. Mais da metade das mulheres deste país é submetida a uma grande cirurgia para a extração de bebês, muitos deles antes de estarem minimamente adaptados à vida extrauterina. As taxas de prematuridade explodiram no país, com consequências que podem se alastrar por toda a vida deste ser que está nascendo. Nossa invasão irrefletida ocorre à despeito de milhões de anos de processo adaptativo que capacitaram as mulheres para um nascimento fisiológico. Centenas de estudos e pesquisas abrangentes já foram realizados sobre esta questão e todos confirmam que a cesariana é muito mais perigosa e danosa para a segurança de ambos, mãe e bebê. Mesmo assim, e apesar das comprovações do risco aumentado, a incidência continua aumentando. Por quê? Qual a razão para continuarmos aceitando tanto abuso?

Se nos escandalizamos com a atitude obscena, despudorada e invasiva realizada contra a modelo de pernas saradas, por que não ocorre o mesmo com as intervenções abusivas nos corpos roliços e lustrosos de grávidas, submetidas diariamente – e aos milhares – a procedimentos invasivos e perigosos? Mais ainda: Se consideramos inaceitável que o ato deste artista seja esquecido, e considerado apenas um “arroubo de liberalidade em uma sociedade histérica”, ou quem sabe “uma brincadeira inconsequente de uma mídia para idiotas”, porque continuamos a fechar os olhos para a violência de corpos retalhados sem necessidade para satisfazer os desejos de controle e poder sobre as gestantes e seus corpos? Porque não produzimos em nós a mesma sensação de enojamento que o abuso na moça bonita produziu?

Minha resposta não é que os homens e as mulheres ainda se calam, ainda se fecham. Não há vozes suficientes para fazer a indignação das redes sociais virar um clamor por respeito, verdadeiro e eficiente. Os mesmos corpos que são vendidos ao lado de cervejas não conseguem se mobilizar para exigir que a inviolabilidade do corpo de uma mulher seja um fato social.

Por enquanto só escutamos ruídos baixos, ranger de dentes, lágrimas contidas e indignações sussurradas. O respeito à mulher precisa ir para a rua, para os parlamentos, para os centros obstétricos e para o ouvido das meninas, para que elas cresçam com a consciência de que o corpo que carregam por toda uma vida é um patrimônio de valor, e que deve ser respeitado.

Enquanto as mulheres permanecerem em silêncio todos os tipos de abusos serão cometidos. Levantar o vestido de uma mulher em público, abrir seu ventre sem justificativa ou impedir que seu marido esteja presente no parto são abusos que tem a mesma origem: o silêncio, a mortificação muda, a apatia vitimista e a condescendência com uma ordem cultural que avilta o feminino e expropria a mulher de seu próprio corpo. Lutar pela liberdade das mulheres é um dever dos cidadãos, homens e mulheres, que desejam uma sociedade baseada na fraternidade, na justiça e na liberdade.

Deixe um comentário

Arquivado em Violência

Torcidas Ferozes

Apesar de ter colocado aqui a imagem de uma torcida paulista – envolvida em inúmeros atos de vandalismo e violência – cujos torcedores continuam presos na Bolívia, não vejo nenhuma diferença substancial entre as torcidas do Corinthians, do Palmeiras, do São Paulo e a maioria das que existem pelo Brasil. Na verdade elas todas se assemelham em suas origens e forma de expressão. A paixão é o adubo, mas um caráter débil é o solo fértil onde vão germinar as ações abusivas e carregadas de ódio. Sou um gremista “moderado”, e aqui no sul as torcidas dos nossos clubes ainda não chegaram à sofisticação de vandalismo e marginalidade das paulistas, mas caminhamos celeremente para isso. É necessário que algo seja feito a respeito da atuação de torcedores que extrapolam sua ação como espectadores, para que as famílias e os cidadãos normais possam voltar a gostar de futebol. Busco na psicanálise a minha explicação para esse fenômeno: o participante de uma torcida organizada – normalmente medíocre, marginalizado e uma espécie de humilhado crônico de periferia – pretende tornar-se protagonista do espetáculo que frequenta, e faz isso através de sua ação violenta. É como se, ao ver os jogadores usufruindo de dinheiro, fama e mulheres pelo futebol que jogam, ele pretenda também associar-se ao show; assistir o sucesso dos outros é complicado demais para quem é apenas um figurante no espetáculo da sua própria vida.

Para além disso, existe um fenômeno mais contemporâneo e, todavia, mais grave: a profissionalização dos torcedores. Assim como ocorreu de maneira catastrófica com as “barra-bravas” argentinas – que estão levando o futebol do Prata à decadência acelerada – aqui no Brasil também se vê torcedores que “gerenciam” a torcida, cobram propinas, assumem a venda de materiais pirateados do clube, controlam o transporte de torcedores para outras cidades, formam verdadeiras quadrilhas e usam a violência como “modus operandi”. Estas ações “empresariais” se assemelham àquelas dos “hermanos” de Boca e River. Lá, como é sabido, as torcidas mandam nos clubes, e atuam de forma criminosa. O entorno do estádio “La Bombonera”, por exemplo, é controlado por “flanelinhas” que trabalham para os poderosos da torcida organizada do Boca Juniors, e tudo isso com o beneplácito da polícia, que não tem força ou vontade política de acabar com essas arbitrariedades. No rival, o River Plate, há poucos anos ocorreu o julgamento pelo assassinato de um líder de torcida, morto pelos rivais da MESMA torcida, em uma luta fratricida pelo poder no clube. O resultado já sabemos: estádios com meia-torcida, e o futebol argentino cada vez mais pobre e sem craques (estão todos na Europa ou no Brasil).

As torcidas organizadas são, por fim, o possível prenúncio da morte do futebol como nós o conhecemos. Talvez no futuro o futebol seja um espetáculo circense, tipo “Malabaristas Chineses” ou “Circ du Soleil”, que alguns admiradores assistirão em “teatros ovomaltinados”, sem paixão e sem interesse pelas cores de uma camiseta mítica, já que torcer pelo time do seu coração deixou de ser possível pela privatização do amor clubístico, através da ação de torcidas organizadas ferozes e criminosas.

Deixe um comentário

Arquivado em Pensamentos

Mãezinhas

Entre as expressões mais comumente utilizadas em centros obstétricos (e em lojas de roupas para bebês) está uma que ainda encerra certa divisão nas opiniões.  

Para alguns, trata-se de uma expressão carinhosa; para outros uma espécie de armadilha linguística, que cairia na categoria que Maximilian definiu como “verbose”. A expressão é “mãezinha”, tão utilizada pelas pessoas que atendem mulheres cujo volume abdominal denuncia um nascimento que se aproxima celeremente. Entretanto, sabendo que existe muito mais por trás das palavras do que a mera superficialidade de sua intenção, eu prefiro me filiar à tese das “intenções recônditas”, vendo nestas expressões jogos verbais que camuflam os verdadeiros propósitos a que servem. 

“Mãezinha” nos apresenta um duplo código:   O primeiro é a presença óbvia e ostensiva do diminutivo, que serve para infantilizar a gestante, tal qual o discurso feminino das “coisinhas, pequeninhas e bonitinhas“, que é utilizado para desmerecer as ações e o universo de significantes de meninas e mulheres.   Isso se produz desde a infância, onde a delicadeza e a fragilidade são expressões valorizadas no comportamento feminino, e onde a força e a imposição são por vezes intoleráveis. A “mãezinha”, assim tornada criança, é mais facilmente manipulável e condicionada a aceitar as ordem que lhe são dadas. Além disso, com menos culpa suprimimos as suas vontades e solicitamos que obedeça o sistema, com suas regras e protocolos. O segundo sentido oculto – e para muitos totalmente inconsciente – é a liquefação do sujeito, a amálgama deste no tecido social, como diria Max.

Tal situação se percebe em todas as circunstâncias em que a individualidade e a subjetividade precisam ser abolidas e amordaçadas. Um exemplo típico, em outra instituição de contenção social, é nas forças armadas.   Quando fui oficial médico na aeronáutica tal era a prática estimulada: jamais chamar pelo nome, e sempre pela inserção funcional do sujeito na instituição. Chamávamos pelo que determinado militar fazia, como se o sujeito fosse reduzido à sua função, sua utilidade. Assim eram os “soldados”, “sargentos”, “cabos” ou mesmo “capitães”.  

Não havia “sujeito”, apenas sua ação. Mãezinha serve a este fim: a supressão da individualidade e a infantilização de um sujeito tornado objeto.”

Deixe um comentário

Arquivado em Parto