Arquivo do mês: abril 2016

Aborto

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Tenho profundo respeito pela temática do aborto e o considero um dos temas mais importantes e emblemáticos no que diz respeito ao empoderamento das mulheres e para a conquista do protagonismo feminino.

Mas debater este tema me produz imenso desconforto…

Desconforto me descreve, por isso nunca debato abertamente este tema. Peço inclusive que as pessoas que são a favor da humanização do nascimento não tragam essa pauta para os debates. Ela é tão poderosa, e mexe tanto com as emoções, que muitas vezes o movimento pela humanização do nascimento fica eclipsado pelo debate da descriminalização do aborto.

É claro que sou contrário ao aborto, mas quem seria a favor?

Prefiro não debater abertamente a questão do aborto, e por isso que peço que as pessoas que são a favor da humanização do nascimento não tragam essa pauta para os debates. Ela é tão poderosa, e mexe tanto com as emoções, que muitas vezes o movimento pela humanização do nascimento fica eclipsado pelo debate da descriminalização. Eu acho que os congressos e os simpósios de humanização do nascimento deveriam evitar discutir uma temática tão arrebatadora como o aborto. Existem fóruns especiais para isso, e quando misturamos estes temas eles geram muita divisão. No movimento de humanização do nascimento existem defensores dos dois grupos: contra e a favor da legalização. Se nós incentivarmos que a humanização do nascimento se vincule a um deles perderemos pessoas que poderiam estar ao nosso lado mas que se afastarão pela questão do aborto.

Nos Estados Unidos, por exemplo, uma parte considerável das ativistas são cristãs. isto é: são pró-vida. Seria desnecessário e contraproducente estabelecer que os partidários da humanização do nascimento tivessem que se vincular a uma das correntes “pro life” ou “pro choice”. Como eu disse, tenho grande admiração por quem carrega esta bandeira, mas este tema é grande demais para nós, e pode produzir uma divisão desnecessária se ocupar tempo demasiado nos nossos questionamentos.

Entretanto, nada impede que cada um de nós carregue as bandeiras que quiser. Eu, por exemplo, defendo a Palestina Livre e o fim da ocupação, mas não aceitaria que esse tema fosse debatido em um simpósio de parto humanizado, mesmo sendo de imensa importância e estar vinculado com a saúde das mulheres que sofrem no cerco a Gaza.

O problema é que sou inexoravelmente a favor da vida e falar de sua terminação é desconfortável, por mais que eu apoie a descriminalização do aborto e tenha esperança de ver as mortes femininas evitáveis diminuírem com a sua implantação. Respeito quem faz do aborto livre uma bandeira feminina, mas não gosto de debater este tema, até porque a maioria dos argumentos de ambos os lados são inúteis e despropositados, em especial quando tentam produzir o convencimento de alguém que não aceita ser convencido. Por isso que insisto que “a luta pela descriminalização do aborto não pode ser religiosa ou ideológica, mas política. Esta é uma luta que se vence pelo convencimento da maioria e não pela conversão dos opositores”.

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Razão

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Nosso erro frequente ao debater temas difíceis como aborto ou humanização do nascimento é tentar usar a racionalidade contra argumentos surgidos da irracionalidade. É o caso de alguém tentar demover o outro de uma crença que se estrutura sobre o desejo, e não sobre a razão. É nesse ponto que os debates sobre o aborto emperram e não prosperam. A questão do aborto, para além dos conceitos, é uma questão POLÍTICA. De pouco ajudam as pesquisas e os estudos diante da negativa em reconhecer sua validade. O mesmo ocorre com as questões relativas à humanização do nascimento, em especial o tema do “local de parto”; aqui também o que vai valer é a maturidade da cultura em aceitar elementos da ética e dos direitos reprodutivos, acima de questões médicas

Acreditar que a razão e a ciência são forças capazes de iluminar mentes obscurecidas pela ignorância é colocá-las em uma posição para a qual não foram feitas. A verdade da ciência só pode frutificar quando existe um terreno cultural que a faça crescer. Sem terreno adequado a semente da verdade científica não germina; enfraquece, definha e morre. A ciência é incapaz, por si só, de modificar a nossa compreensão do mundo, mas é uma excelente ferramenta para consolidar as decisões e consolidar os caminhos definidos.

A descoberta científica de que o cigarro produz câncer não eliminou prontamente seu uso. Não foi suficiente expor os danos causados pelo seu uso; era preciso que estas verdades entrassem no coração das pessoas. Entretanto, tais estudos serviram de embasamento para as decisões políticas tomadas depois. A função da ciência é educativa; ela é uma juíza medíocre, mas uma ótima professora.

Não há debate com pessoas que desconhecem a perspectiva do outro. Não se debate, se educa. E do ponto de vista da política o que podemos fazer é mostrar e expor a nossa maneira de ver a realidade e esperar que mais pessoas sejam tocadas por nossa visão. Aprendi a duras penas que não adianta aumentar o volume para que um surdo escute.

O respeito pelas decisões soberanas das mulheres sobre seus corpos não virá a partir de descobertas da ciência médica, mas da mobilização política das mulheres em torno destes temas.

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Telas Mágicas

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Eu vejo a poesia, a literatura e a ficção em geral como as únicas máquinas do tempo que a mente humana foi capaz de criar até agora. Tais expressões da criatividade são pontes que criamos para o futuro, muitas vezes antecipando-o ou estimulando sua própria construção. Outras vezes a literatura, o cinema e a TV acessam o campo simbólico e traduzem o presente através de suas metáforas e simbologias, abrindo debates que muitas vezes sequer são explícitos, mas que a partir daí poderão se tornar.

Minha curiosidade com esta especial capacidade da literatura e do cinema surgiu quando eu analisava o seriado “Batman” da televisão dos anos 70 e fazia uma correlação entre os personagens da trama e a emergência do movimento gay americano.

Bruce Wayne é um homem maduro, rico e solitário que vive em uma mansão na cidade de Gotham, com seu criado Alfred e sua tia Harriet. Subitamente o coroa milionário convida para morar com ele um “pupilo” (que me faz pensar nos mecenatos gregos) muito mais jovem chamado Dick (um nome de duplo sentido em inglês). Os dois em verdade são Batman & Robin, que, quando a noite recobre Gotham City com seu manto de sombras, colocam “fantasias” e saem para insólitas aventuras.

Ninguém sabe da vida dupla de ambos. Por segurança eles a escondem de todos, menos do fiel ajudante Alfred, o mordomo. Alfred bem sabe o que se esconde por detrás do meramente manifesto. A “dupla dinâmica” tem muitos segredos inconfessos. Inúmeras cenas do seriado corajosamente insinuam a tensão erótica entre Batman e Robin, mas jamais de forma explícita.

Nesta análise da história a tia Harriet e sua ingenuidade representam a todos nós. Ela e incapaz de perceber o que verdadeiramente são os dois rapazes que moram em sua casa, da mesma forma como éramos cegos quanto à manifestação homossexual que muitas vezes estava ao nosso lado sem que a percebêssemos.

Batman & Robin (o da TV, o melhor e mais criativo de todos) é o mais fiel retrato de uma época especial da civilização: a abertura dos armários e o reconhecimento da infinita diversidade sexual humana. Os criadores da série perceberam, de forma consciente ou não, o movimento da cultura no sentido da aceitação de novas formas de relacionamento afetivo, e o aplicaram de forma magistral no vão que se estabelecia entre a “luta contra o crime” e a luta contra o “crime” – de não reconhecer a (nossa) sexualidade de maneira integral.

Pulando algumas décadas adiante me deparo com a fixação contemporânea na temática dos “zumbis”. Existem incontáveis filmes, variando do terror, drama e até comédia, em que os personagens principais são zumbis. Lembro até uma mega-série blockbuster de TV chamada “Walking Dead” que aborda exatamente o “apocalipse zumbi” e a invasão do planeta por estes seres disformes, famintos, frios, sujos e que se comunicam entre si com grunhidos. Eles são ameaças asquerosas à nossa vida, e o simples contato com eles pode nos contaminar e transformar no que eles são.

Ora, se acredito na ficção como antena de captação do campo simbólico da linguagem, o que teria para nos dizer esta metáfora da “invasão dos Zumbis”?

Não é preciso usar de muita imaginação, e aposto como não sou o primeiro a tratar do tema por este viés. Uma breve avaliação dos discursos de Donald Trump e uma olhada rápida nos noticiários europeus mata a charada em poucos minutos.

Quem são os “seres disformes, famintos, frios, sujos e que se comunicam com grunhidos” no mundo atual? Quem “infesta” as nossas cidades com a sujeira cultural e nos contamina com seus hábitos bizarros? Quem são os seres que nos ameaçam com sua presença e cuja mordida pode nos transmitir a mesma aberração que eles trazem em seus corpos maltrapilhos?

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A ameaça são os imigrantes e refugiados.

Seus grunhidos arábicos ou castelhanos invadem nossa cultura europeia e branca ameaçando a supremacia de nossos hábitos e valores. Sua pele é invariavelmente “suja”, escura, e contrasta com a alvura de nossa cútis “superior”. Seus costumes bárbaros nos causam estranheza ou nojo.  Quando na TV, em algum documentário, não parecem tão ameaçadores, mas quando andam em bandos, falando palavras desconexas perto de nossas casas, são invasores perigosos. Pior… podem transformar alguém da nossa própria família em um “deles”. Por isso é preciso proteger os seus, cuidar para que os zumbis não se aproximem e os convertam no que eles já são.

Os zumbis contemporâneos aparecem como ficção para que possamos olhar para estas emoções sem o constrangedor (para alguns) sentimento de xenofobia e preconceito. Se é desumano e cruel desprezar imigrantes famintos que fogem de guerras estúpidas que nós mesmos criamos em seus lares, podemos ao menos odiar a desprezar sua vertente ficcional que invade nossas cidades e ameaça nossos valores e conceitos.

Batman e Robin apaixonaram uma geração porque havia uma mensagem instigante criptografada em seu núcleo,  para quem tivesse olhos de ver. Os zumbis só fazem sucesso porque eles existem de verdade.

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Feminismo e Humanização

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Humanização do nascimento e feminismo são movimentos semelhantes e caminham em paralelo na trilha das ideias. Ambos são majoritariamente liderados por mulheres, contra culturais, contra hegemônicos, plurais e atacam o coração do sistema de poder patriarcal. É óbvio que encontraríamos exaltados(as) em ambos os movimentos, na medida em que os discursos de ambos ferem a estrutura máxima que sustenta a sociedade patriarcal. Portanto, é impossível imaginar que uma proposta de tal magnitude não produza radicalismos e visões extremistas. Porém, como em qualquer movimento social, os extremos não podem ser a voz mais ouvida, e nem a cara mais presente.

Para cada “feminazi” existe uma “diferentona” comedora de placenta, mas os conservadores – machistas e cesaristas – procuram encontrar a extrema esquerda de cada movimento e colocá-la como a sua representante oficial para assim desmerecer toda a proposta, classificando-a como radical.

Esse é o caminho natural de qualquer proposta social transformativa. Não há como fugir desse modelo, pois só com luta é possível quebrar as fortalezas que sustentam um paradigma. Cabe às feministas provarem que sua luta é pela equidade e não pela vingança, assim como cabe a nós do movimento de humanização a tarefa de mostrar a todos que não somos contrários a tecnologia e nem aos profissionais no topo da escala de poderes, mas que somos movidos por ciência e por uma observância fiel aos direitos humanos reprodutivos e sexuais das mulheres em benefício de mães e bebês.

Não há como criar uma mudança social de tal magnitude sem a energia – por vezes descontrolada – que brota naturalmente daqueles que lutam por ela.

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Polícia, para quê polícia…

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“Sempre que a resposta das forças públicas se aproxima da selvageria que tenta combater é o momento de questionar se, para confrontar bandidos, não estamos ficando parecidos demais com eles.”

Com essa lógica do “bandido bom é bandido morto” não é possível debater. Mas o resultado óbvio desse das ações brutais de uma polícia que JULGA quem merece ou não viver é que um criminoso não terá nenhuma razão para se entregar daqui para diante. Se for oferecida a ele uma chance de desistência ele vai negar, e combaterá até a morte, pois sabe que os policiais não são dignos de confiança.

O mesmo aconteceu no ônibus 174 no Rio: uma execução de alguém desarmado e indefeso. “Ah, mas ele sequestrou pessoas”. Não importa, não cabe à policia julgar. Aqui em Porto Alegre houve o “Caso do Homem Errado”, também executado pela polícia, ou o menino que levou um tiro de um brigadiano em Novo Hamburgo. E o caso Amarildo no Rio?

Casos assim vai aos poucos deixando a polícia com cara de bandida. Mas tudo bem… são bandidos que estão do nosso lado, certo? Errado… quando esse poder não tem limites na lei o resultado é o autoritarismo e por eles todos pagam. Mais cedo ou mais tarde.

Hoje mesmo muitas associações saíram em defesa dos policiais envolvidos, e fiquei sabendo que foram inclusive homenageados (o que em outro país seria absurdo). Eu também defendo os policiais militares porque reconheço a bravura e a coragem que eles tem para defender a sociedade, mas acho extremamente perigoso quando pessoas acham uma execução a coisa mais normal do mundo. Ninguém quer morrer por bandidos, e ninguém defende que policiais não reajam, mas para isso existem regras e protocolos a serem seguidos. Atirar num sujeito desarmado, à queima roupa, com as mãos atrás da cabeça ultrapassa todos os limites de civilidade. Creio que a sociedade deveria se questionar sobre os limites da ação da polícia, sob pena de criar uma policia “acima da lei”.

“Cria cuervos y ellos te comen los ojos”

Por isso eu acho que as ações policiais, mesmo quando são praticadas para nos defender e tem sucesso, não podem extrapolar os limites legais. Não podemos nos associar à barbárie. Duvido que um comandante de qualquer polícia discorde do que eu disse. Pode até não agir assim, mas concorda. Discordar disso é oferecer às forças policiais a autoridade para julgar quem deve e quem não deve sobreviver aos confrontos. E isso é inaceitável em uma democracia.

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Doulas e SUS

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Sobre as leis de doulas que estão surgindo em várias partes do Brasil cabe uma reflexão:

O SUS é universal e gratuito e precisamos protegê-lo. Não cabe cobrança de nenhum profissional. Se doulas começarem a cobrar pelo seu trabalho isso oferece uma fresta perigosa para qualquer profissional também fazer cobranças pelo seu trabalho. Se quisermos manter o SUS gratuito teremos que ser firmes em sua defesa. Os caminhos para a atenção em hospitais públicos do SUS me parecem ser o da incorporação das doulas as equipes de saúde (como funcionarias regidas pela CLT) ou o voluntariado (como já ocorre em alguns hospitais, como o Sofia Feldman). Nos serviços privados a escolha será livre, assim como o pagamento.

Não vejo dificuldade em admitir doulas nos hospitais particulares, como já vem ocorrendo há uns 15 anos ou mais, mas precisamos ter MUITO cuidado com os hospitais públicos. Por isso as leis que garantem o acesso de doulas precisam ser muito bem fundamentadas e cuidadosas, sob pena de criarmos mais dificuldades para a implantação desse modelo do que facilidades para o livre acesso ao trabalho delas.

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Fúria

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Do livro “Adélia e outras histórias”…

“Ele voltou o olhar para ela logo após seu desabafo. Dos olhos dela fugiam faíscas luminescentes de indignação. Não havia nenhum ensejo de paz enquanto seu corpo se projetava à frente e seus lábios cuspiam dor e ressentimento.

Não pensou sequer em dar o abraço que tanto precisava. Naquele momento de dor seus braços seriam os polos magnéticos opostos ao dela. Limitou-se a falar.

– Como poderia eu retirar-lhe o ódio, único alimento possível para sua alma sofrida? A mim não cabe criticá-lo, Adélia, apenas permitir que sua energia se gaste lentamente, como o fogo que se vai quanto mais incandesce. Impedir sua raiva é ignorar o quanto ela ainda lhe protege. Sua cólera cega lhe resguarda do seu maior medo: a culpa. Enquanto você carregar seu ódio com tanto cuidado e tratar dele com tanta ternura, sua culpa se manterá adormecida.

Lançou para Adélia seu derradeiro sorriso, e deixou para ela uma pergunta, da qual se seguiu um silêncio.

– Que direito tenho eu de despertar o monstro da sua culpa? Como permitir que o silêncio dos seus ódios faça acordar o mal que tanto esconde? Como roubar a muleta que lhe sustenta, Adélia?”

Adélia ofereceu apenas o vazio como resposta.

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Solução

Foto Oficial Presidenta Dilma Rousseff. Foto: Roberto Stuckert Filho.

A solução seria uma nova eleição, em 2018, e não um golpe. Se você não gosta do amiguinho da escola, não fale mais com ele, mas não planeje matá-lo. Se não gosta da Dilma, vote no Aécio (de novo) mas tenha respeito pelos seus 54 milhões de votos. Acho lamentável que pessoas apoiem um golpe manipulados pelas informações de redes de notícias que são ridicularizadas no mundo inteiro. Só no Brasil se desconfia de Lula, e só aqui pedalinhos e barquinhos de lata servem como indícios, que NUNCA se concretizam. Pedir um impedimento por crise política é um escândalo; imagine o que seria o governo FHC…. mas naquela época não havia um Eduardo Cunha para mandar adiante um impeachment por vingança pessoal.

Pedir o afastamento de uma presidente HONESTA (quem disse isso foi FHC, lembram?), sem crime de responsabilidade, apenas porque a Petrobras empobreceu e está em crise como TODO O SISTEMA PETROLÍFERO MUNDIAL, é um descaso sério com os valores da democracia. Se Dilma merecia ser impedida, o que dizer de Alckmin, de Pezão, de Sartori? O que dizer dos 31 decretos de Alckmin, e das pedaladas de 16 governadores? Se desemprego tirasse uma presidente, como Sarney ou FHC puderam, governar? Mas por que NADA se diz desses políticos????

Porque o objetivo é expurgar um partido popular usando a corrupção como DESCULPA, ao estilo de TODOS os golpes de direita, de Hitler, Mussolini ou mesmo os caseiros, como 54 e 64. Uma falsa luta contra a corrupção – na maioria das vezes presumida, como confessam os acusadores (eles “deviam” saber disso…) – e a entrada triunfal de um ideário neoliberal que só chega ao poder SEM VOTO, com GOLPE, sem apoio popular, mas usando de manobras sórdidas e indignação seletiva para se expressar.

Eu é que pergunto: como podem ser cegos e não ver as forças por trás do golpe? Como podem fechar os olhos aos interesses de acabar com a estabilidade no emprego, a CLT, a Petrobras e o nosso valor mais cobiçado – o Pré-sal? Como negar a existência de um desejo americano CLARO e CRISTALINO de acabar as aspirações brasileiras de ser uma potência mundial? Como não ver que nosso desejo de terminar com a dependência do dólar através da união dos BRICS irrita os poderosos, mas pode nos oferecer autonomia e protagonismo no cenário internacional?

Aceitar esse golpe é lastimável e depõe contra os valores republicanos. É triste ver como ainda somos manipulados, e como ainda teremos muita dor. Ganharam os corruptos, os canalhas e os malandros. Eduardo Cunha e todos que saíram às ruas de verde amarelo são a demonstração mais deprimente da incompetência da democracia desse país em se sustentar diante dos dilemas.

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Cusparada

Jean cuspindo

A cusparada de Jean Wyllys em Bolsonaro no plenário ontem demonstra os limites claros que ele, Jean Wyllys, tem em relação à vida pública. Se é verdade que Bolsonaro é um fascista abjeto, também é verdadeiro que no plenário sua voz amplifica o desejo de milhares de pessoas a quem representa. Cuspir em um parlamentar é desdenhar da representatividade e daqueles que lhe delegaram seu voto. A defesa que Jean divulgou hoje diz que ele cuspiu em Bolsonaro ao ser chamado por ele de “veado”, “boiola” e “queima rosca”. Ora… agora uma agressão torpe e infantil justifica outra? O congresso é uma casa política ou a hora do Recreio de uma escola primária? Jean, neste episódio, apenas demonstra que não tem preparo para suportar com nobreza estas provocações…

O episódio da visita a Israel e os destemperos contra Bolsonaro apontam para o fato de que as boas intenções, a retórica e a cultura de Jean não são suficientes para o tornar um grande parlamentar. O destaque às suas posturas seria fácil diante da imensa incompetência desse congresso, mas o próprio Jean destrói suas possibilidades.

Cuspir em Bolsonaro exalta a vítima e rebaixa o agressor. Se existem alguns que acham que isso o coloca como um nobre combatente pelas minorias e contra os fascistas eu vejo nisso fragilidade e incapacidade para encarar com serenidade e respeito o contraditório. Tais atitudes rebaixam o debate político e dão um péssimo exemplo de incivilidade, o que é lastimável quando parte de um defensor da democracia e dos direitos das mulheres e gestantes.

Bolsonaro sai engrandecido desse episódio, mais uma vez, ao espertamente provocar as reações histriônicas de Jean Wyllys. Este precisa aprender a não se colocar como escada para que fascistas, racistas e canalhas possam subir perante a opinião pública.

Mas acho curioso esse tipo de defesa que fazem. Aliás, já escrevi e falei muito sobre isso. É aquela antiga tese: um cara matou um sujeito numa discussão. A polícia o prende e tortura. Ou mata. Ou espanca. Ou nega atendimento jurídico. Aí um tolo e legalista como eu diz: “”.

A resposta que sempre recebo: “ahhh, então tem que ser civilizado com um criminoso que matou a sangue frio?“. Outra muito comum: “Mas deveria ter pensado antes de matar. Agora sofra.” Ou então “Esse torturador – do criminoso preso – me representa.” Também se lê “Se fosse eu, faria pior“. Todos que assim atuam igualam-se aos criminosos que condenam.

Isto é: muitos acreditam que a simples vingança (cometer contra o agressor o mesmo crime do qual ele é acusado) é uma forma de justiça. Para mim, quem assim pensa e age, mostra que está muito mais perto do criminoso do que pensa. A diferença, muitas vezes, é apenas circunstância e oportunidade.

Infelizmente muitas pessoas caem na tentação de interpretar a minha crítica à atitude tola e imatura do Jean como um apoio ao facínora do Bolsonaro. Na verdade é o contrário. Percebi que o elogio ao Ustra foi premeditado por ele de forma cuidadosa para provocar os despreparados… e fiquei morrendo de raiva ao perceber que o estratagema (de novo) funcionou.

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Merecimento

São-joão

Caminhava ao seu lado apressando meu passinhos de criança para acompanhar suas pernas compridas. O ano era 1965, o mês novembro. Não contava mais do que cinco anos de idade. Porto Alegre não tinha mais que meio milhão de habitantes. Poucos carros ousavam cruzar suas esquinas e bondes amarelos da Carris ainda riscavam os paralelepípedos das ruas vazias. Os congestionamentos chegariam apenas 20 anos depois.

Andávamos, eu e meu pai, pela Av. Salgado Filho, perto de onde, três décadas depois, eu teria meu consultório. Na frente do Cinema São João passamos por uma banca de jornais onde, além das Revistas Manchete, Fatos & Fotos, Realidade e da fotonovela Sétimo Céu era possível comprar a Folha da Tarde e o Correio do Povo. Além disso podiam-se ver perdurados nas paredes do “stand” os bilhetes da Caixa Econômica Estadual.

Além das bancas, as loterias eram vendidas por ambulantes, que gritavam suas profecias nas esquinas do Centro. “Mil novecentos e quarenta, quem nasceu nesta data?”, gritava o ceguinho com a bengala em uma mão e a tripa de bilhetes na outra. “Olha o bilhete da sorte, gurizada medonha!!” tornou-se o bordão famoso na voz poderosa do vendedor, que perambulava em frente a Casa Slopper, imortalizada na música “Miss Suéter”, de Bosco e Blanc.

Minha atenção dividiu-se entre a mão segura e firme do meu pai e as cartelas coloridas penduradas na banca. A promessa era clara e insofismável: compre um bilhete e fique rico. Um premio que daria acesso a toda as felicidades estampadas nas publicidades que desde cedo caíam sobre minha cabeça de menino.

– Pai, disse eu, por que você não compra um bilhete? Se sair o seu número você pode ficar rico, e se você ficar rico pode comprar tudo, tudo, tudo que tiver no mundo e mais todas as coisas do universo. Compra vai…

– Acho que não, disse ele, sem diminuir o passo e sem desviar a atenção para os bilhetes coloridos.

– Mas pai, se você ganhar podemos ter tudo, comprar tudo.

Somente então ele diminuiu o passo e olhou para mim. Sua resposta foi em uma frase curta e breve.

– Eu acho que nenhum dinheiro tem valor se não for fruto do seu trabalho.

Aquela frase simples, de uma certa forma, selou um destino. Em verdade, nunca podemos saber ao certo o impacto que uma frase, ação ou atitude vai produzir na vida de uma criança. A frase, dita em um despretensioso passeio pela cidade, permaneceu meio século em minha memória. Sua energia sobreviveu por décadas talvez porque ela resumia, de uma forma honesta e concisa, a postura ética que meu pai seguia. Para ele só seria lícito colher o que se plantou, sejam frutos saborosos ou os espinhos que os cercam.

Quando lembro desse evento penso que estas frases soltas em nossa memória são os minúsculos quadriláteros coloridos que compõem o caleidoscópio de nosso mundo psíquico. Somos constituídos por estas pequenas lembranças, cuja força e intensidade moldam nosso caráter.

Por esta singela razão cuide o que diz diante dos pequenos. Talvez suas palavras sejam mais importantes do que você imagina, e são, em verdade, os alicerces para a construção daquela personalidade que aos poucos se constitui.

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