Parabéns aos colegas da Febrasgo – Federação das Associações de Ginecologia e Obstetrícia – pelo reconhecimento do protagonismo da mulher em relação ao local de parto.
Para aqueles que reconhecem a importância do pleno protagonismo no parto restituído às mulheres, esta é uma data a se comemorar. Há apenas uns poucos meses milhares de brasileiros e brasileiras saíram às ruas para protestar contra uma atitude violenta e insensata de um grupo conservador da medicina que atacou um médico conceituado e respeitado de São Paulo por se posicionar favorável ao parto domiciliar planejado. Do ponto de vista da Medicina Baseada em Evidência, nada do que ele falou possui qualquer falha ou erro, mas isso não fui suficiente para que ele fosse atacado por seus próprios colegas, interessados em agredi-lo pelo crime de pensar livremente. Mais além dessa atitude grosseira, este grupo resolveu legislar contra outras profissões, como as parteiras profissionais, obstetrizes, enfermeiras e doulas. A razão era clara: encher de pânico os médicos humanistas e amedrontar as outras profissionais que procuram oferecer sua ajuda às grávidas. Nenhuma destas ações teve sucesso: todas foram veementemente rechaçadas pela justiça.
O tiro, todavia, sairia pela culatra. As ações violentas contra o colega que defendia o protagonismo da mulher provocaram o surgimento de um movimento inédito no Brasil. Pela primeira vez mulheres se manifestavam publicamente contra o arbítrio e o controle exercido sobre seus corpos. Era o momento para que a insatisfação contra um modelo de atenção – que negava os aspectos psicológicos, afetivos, emocionais, espirituais, sociais e fisiológicos do parto – tomasse corpo e se manifestasse.
Frases como “O Parto é Meu“, “Meu corpo, meu parto” apareceram estampadas em camisetas e barrigas por todo o país. Crianças com cartazes bradavam: “Eu Nasci em Casa“. Banners em apoio ao colega e sustentando uma medicina mais científica e humanista apareceram em ruas (de verdade e virtuais, como blogs, paginas do Facebook e sites). Artigos foram escritos. A revolução havia iniciado.
A postura autoritária deste setor conservador da medicina recebeu uma resposta popular como nunca antes havia ocorrido, expondo as contradições mais graves da prática médica contemporânea. Como poderia uma corporação calar-se diante da epidemia de cesarianas (comprovadamente perigosas, danosas e mais arriscadas) e atacar profissionais que tentavam resgatar o protagonismo historicamente expropriado das mulheres no momento do parto? Como poderiam estimular a invasão cirúrgica da cesariana e ao mesmo tempo ignorar os estudos que apontam o parto domiciliar planejado como igualmente seguro? Como seria possível sustentar um modelo centrado no médico e agredir aqueles que se mobilizavam na tentativa de colocar os holofotes novamente sobre a mulher?
A declaração da Febrasgo veio no momento certo, para reforçar as teses da autonomia feminina e a liberdade de escolha. Há poucos anos apenas as mulheres saíram às ruas para votar. Depois, para terem direito ao divórcio, e agora para que ninguém decida por elas onde terão seus filhos. Aos médicos cabe a tarefa de esclarecer as dúvidas e apontar caminhos, mas JAMAIS julgar os valores e as ideias de quem lhes pede auxílio. Em um mundo onde ainda existem mulheres que sequer podem escolher seus maridos é bom saber que a corporação médica reconhece o direito supremo que cada mulher tem de escolher onde seu filho vai nascer.
Entretanto, muito trabalho ainda há pela frente. A exemplo de sua irmã maior, a ACOG (Colégio Americano de Obstetras e Ginecologistas – EUA), a Febrasgo se baseia em estudos que não são reconhecidos pelas autoridades em epidemiologia como os mais corretos. Preferem ignorar as volumosas avaliações sobre a segurança do parto domiciliar planejado enquanto aceitam pesquisas falhas e mal feitas para dar sustentação ao seu preconceito. Por outro lado, para um otimista tais equívocos serão corrigidos em uma questão de tempo. Assim como os países europeus já ultrapassaram tais debates, e inclusive estimulam os partos extra-hospitalares, um dia o Brasil também terá esta prática incorporada à atenção do parto para as mulheres que assim o desejarem e que estejam habilitadas para tal.
Parabéns, mais uma vez aos colegas da Febrasgo. Este é um dia para ser comemorado por todos aqueles que pensam numa humanidade sem barreiras, com dignidade, liberdade de escolha e informação de qualidade.