Arquivo do mês: julho 2023

Sintoma

A função do sintoma não se esgota na ação sinalizadora – como no pranto infantil – mas vai muito além do que simplesmente nos avisar que alguma função está em desequilíbrio com o resto do organismo. O sintoma – do mais material ao mais etéreo – opera no sentido da homeostase, na busca dinâmica pelo equilíbrio, tentando alcançá-lo através das transformações metabólicas que produz na economia orgânica. Portanto, mais do que um aviso à nossa consciência, os sintomas operam ativamente na resolução da doença, seja ela qual for. A compreensão do sentido último da sintomatologia é a chave para o entendimento holístico do sujeito que sofre.

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Polícia

A policia foi criada para defender a propriedade, o patrimônio e servir como contenção à óbvia e inevitável insatisfação dos excluídos. ë uma ilusão quase infantil acreditar que esta instituição exista para servir e proteger o povo. Não…. em verdade suas mais claras intenções são servir ao poder burguês, garantindo a propriedade privada, o modelo liberal e mantendo em segurança os rentistas e suas posses.

Para confirmar esta perspectiva basta observar a ação da polícia quando existe um choque entre as pessoas do povo e os “cidadãos de bem”, ou quando a polícia é chamada para expulsar e ameaçar pessoas que invadem terras. Outro exercício legal é assistir os canais de “auditors” americanos – pessoas que testam os limites dos direitos constitucionais. Normalmente um grupo deles fica parado em uma calçada filmando o entra e sai de pessoas em um shopping, algo que tem total respaldo pela lei do “plain view”, que diz que “tudo que pode ser visto à olho nu pode ser filmado”. Parte do princípio de que não existe expectativa de privacidade em público. Aliás, esse princípio também existe no Brasil.

Normalmente os proprietários ficam incomodados de serem filmados (mas não se incomodam de filmar os usuários do shopping com centenas de câmeras espalhadas) e chamam a polícia. Quando os policiais chegam dão “uma dura” nos auditores (mesmo que estejam absolutamente dentro da lei), por eles estarem “incomodando as pessoas” ao agir como fiscais constitucionais . Ou seja: as forças de repressão são chamadas pelos burgueses para proteger suas propriedades e proteger os seus negócios, mesmo que isso signifique atacar pessoas que estão agindo protegidas pela constituição. Por este exemplo simples fica claro que esta é a polícia dos proprietários, dos burgueses, dos ricos, e não do povo.

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Bobo da Corte

O filme da Barbie é o perfeito exemplo da concessão burguesa à crítica sobre seus postulados. Na verdade, nada de muito novo, já que esta estratégia pode ser reconhecida em uma figura que se destaca nos relatos da idade média. É a figura do Bobo da Corte.

Esse sujeito, um palhaço, tinha a especial concessão de debochar do Rei e de outros membros da Corte. Podia fazer piadas sobre sua volumosa pança, suas amantes, sua sujeira, seus modos à mesa. Podia falar de sua inabilidade esportiva e até de sua potência sexual – tudo isso como recheio para suas piadas e chistes. Essa prática era usada para humanizar a figura do monarca, trazê-lo para perto do povo e mostrar o quanto era permeável às críticas e reclamações. Entretanto, havia um limite tácito às bobagens.

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Seus gracejos jamais poderiam mostrar ao povo a injustiça de uma sociedade separada entre nobres e plebeus e em hipótese alguma questionar a Realeza e seus direitos divinos. Critique-se o Rei, mas jamais questione sua condição de Rei e a estrutura de classes que determina o ordenamento social. Por isso não deveria causar espanto algum que o Rei pagasse muito bem para alguém falar mal dele, e nem que hoje a Mattel faça um filme que questione a própria Barbie, ao mesmo tempo em que lucra milhões com isso.

É por essa singela razão que os americanos podem fazer tantos filmes críticos à guerra e ao mesmo tempo viver em guerra incessante contra nações autônomas e independentes. O mesmo modelo usado desde muitos séculos, não? Eles bem sabem que as críticas servem para oferecer aos sujeitos (nós) a ideia de que algo está sendo feito e que o poder instituído escuta nossos apelos, quando em verdade tudo o que fazem visa manter este poder intocado. Ou seja: questione-se a estupidez da guerra, mas o limite da crítica é o imperialismo e a consciência dos povos periféricos. Por isso Hollywood pode fazer filmes que esculhambam a própria indústria cinematográfica, desde que não atinjam sua pervasividade no mundo e sua forte propaganda burguesa.

O mesmo ocorre com a democracia liberal: podemos questionar, brigar, acusar, protestar livremente. Ninguém vai reclamar das críticas, mas esse modelo vale apenas quando os conservadores e liberais vencem, e até quando a vitória é da “esquerda moderna”, como Boric, que jamais vai atacar as estruturas da sociedade de classes. Entretanto, se os setores excluídos são minimamente representados e a mais suave ameaça ocorre ao sistema excludente e concentrador do rentismo, imediatamente soa o “alarme de ameaça comunista”, e não há problema algum em apelar para um iletrado e ignorante como Bolsonaro para “salvar a liberdade”. E se isso falhar, não haverá escrúpulo algum em chamar os militares para que venham “assegurar os valores democráticos” – através de uma ditadura.

Barbie apresenta essa miragem de renovação e empoderamento, reforçando as bases estruturantes do capitalismo – onde tudo vira mercadoria – enquanto oferece aos revolucionários da poltrona a miragem de que algo real está sendo feito para mudar o mundo. Essa sociedade capitalista precisa de pessoas que se contentam com os Bobos da Corte e suas piadas ácidas… e inúteis.

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Futebol e grana

Apenas imaginem um clube que, em função do poderio econômico, construído durante décadas, consegue manter 5 grandes jogadores, de nível de seleção jogando juntos. Todos eles recebem propostas do exterior, mas seus salários já são muito altos aqui, o que impede a troca constante de peças. Isso faz com que o conjunto se mantenha, os jogadores se conhecem, as jogadas fluem com mais facilidade.

Não há nenhum mistério. Times ricos fazem isso, enquanto os times remediados precisam passar pelo terror de vender seus melhores jogadores a cada janela de transferência, e isso apenas para pagar suas contas. E aí entra um novo jogador com a necessária adaptação física, psicológica, social, afetiva e com o modo de jogar do resto da equipe.

A diferença é econômica. Nada a ver com as táticas mirabolantes, técnicos que hablan, modelos europeus de gestão, psicólogos, nutricionistas, etc, mesmo que TODAS estas alternativas sejam importantes e significativas.

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No fim, tudo vira merda

Mariah Carey, cantora americana vencedora de vários Grammy, processou Jack Packer, seu ex-marido milionário, e ganhou por volta de 5 milhões de dólares (a pedida inicial era de 50 milhões) com o argumento de que ele, durante o tempo em que passaram juntos, “desperdiçou o tempo dela”. Ela ainda manteve consigo o anel de noivado que o namorado a havia presenteado, cuja avaliação supera os 10 milhões de dólares. O argumento utilizado pela estrela da música foi de que o ex-marido teria feito ela se mudar de Nova York para Los Angeles, e que isso teria atrapalhado sua vida.

Outro argumento é de que seu ex havia feito alguns comentários desagradáveis para uma de suas assistentes durante suas férias na Grécia, o que teria lhe causado desgostos e o cancelamento de shows na América do Sul. Sobre o tema a única coisa realmente relevante é a forma de tratar um antigo parceiro: “alguém que atrapalhou sua vida financeira, desperdiçando seu precioso tempo”. A respeito desse embate sobre as sobras de um relacionamento li algumas piadas (e as piadas são sempre sagradas), alguns chistes e vários comentários maldosos sobre a Diva, mas muitas mulheres comemoraram a decisão. Afinal, quem não se sente representada? Quem não olhou para o seu marido Ken e pensou: “Esse cara é um atraso na minha vida de Barbie”? Pois eu pergunto: deveriam comemorar? O simples fato de penalizar um homem que é descartado vale essa sensação de revanche?

Eu creio que essa comemoração não tem muito sentido. Esse tipo de processo acaba fomentando ainda mais a ideia de que o casamento, para os homens em especial, está se tornando um péssimo investimento. A queda vertiginosa no número de casamentos pode estar relacionada com o risco que se cria entre eles de que suas vidas financeiras poderão ser destruídas pela parceira, levando a uma percepção negativa dos compromissos e dos laços familiares. No final resta a pergunta: que tipo de vantagem para as simples mulheres mortais representa essa “vitória” de uma rica artista americana?

Não se trata de voltar no tempo, imaginando ser possível resgatar um passado de “equilíbrio” e paz na família. Freud, em especial, ao analisar a histeria na virada do século XIX para o século XX, mostrou que a construção da família mononuclear é um projeto calcado na repressão e na opressão da sexualidade, e jamais poderia ser considerada um modelo perfeito de estrutura social. A histeria foi, portanto, a forma de desvelar a estrutura corroída da família mononuclear. Entretanto, a monetarização da vida, a transformação de afetos em mercadoria e a indenização pelo tempo compartilhado mostram que invadimos um terreno perigoso, onde a vida passa a ser mensurada muito mais pelas questões econômicas envolvidas do que pela intensidade das emoções vividas.

Na estrutura capitalista da vida cotidiana resta o fato de que, na sua ponta mais extremada, os afetos se transformam em excremento, tudo vira dinheiro, nada resta, nada deixa marcas e os amores se dissolvem como areia ao vento.

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Punições Exemplares

Algumas pessoas estão dizendo que processar aquele médico de São Paulo por violência obstétrica contra a “influencer” (basicamente linguagem vulgar e insultos) será algo bom para as mulheres ou para a humanização do nascimento. Acreditam que a judicialização destes casos pode trazer benefícios às mulheres por eliminar a impunidade. “Se eles forem punidos severamente pensarão bem antes de agir”, pensam elas. Cabe lembrar: qual grupo passou quatro anos repetindo que a solução para os problemas crônicos do país seria mais polícia, mais presídios, mais condenações e mais punições?

Aviso que este tipo de ação será ruim tanto para as gestantes quanto para o movimento. Punitivismo é sempre uma ilusão em curto prazo, e uma tragédia em médio e longo prazos. Acreditar que jogando esses profissionais na fogueira estaremos ajudando alguém é um erro; a tendência é, este tipo de punição acabe por provocar ainda mais retração dos obstetras, porque acrescentamos mais um risco ao atendimento do parto normal. Sempre que qualquer profissional – em especial aqueles que trabalham nas fronteiras entre vida, morte e sexualidade – se sentem acuados, a reação natural é a proteção, e as intervenções serão sempre o porto seguro de qualquer médico. E enquanto o poder sobre os corpos grávidos se mantiver nas mãos da Medicina os riscos à segurança do médico terão sempre efeitos devastadores sobre o resultado do parto.

De agora em diante, as palavras ditas durante uma assistência ao parto poderão ser interpretadas como agressivas, ofensivas, violentas ou desrespeitosas, e um juiz poderá julgá-las fora do contexto onde foram proferidas. Gracejos inocentes, comentários, observações, piadas, conselhos agora poderão ser usados como provas contra os atendentes. O resultado óbvio será o silêncio, e o acirramento das tensões entre personagens que deveriam estar em sintonia para que a transferência pudesse fluir no sentido curativo. Agora, com a Barbie reforçando o identitarismo, é evidente qual será o resultado desse enfrentamento. Nada sei sobre vantagens pecuniárias e o quanto o sentimento de justiça pode ajudar as vítimas, mas não resta dúvida alguma de que os médicos pensarão duas vezes antes de aceitar uma atenção ao parto normal. Para que correr ainda mais esse risco? Por que haveriam de passar horas ao lado de suas pacientes controlando qualquer palavra dita, para não ferir suscetibilidades? Ora, uma cesariana resolve todos estes problemas. Mais do que nunca, bastará pedir uma ecografia com 39 semanas e escolher entre tamanho fetal, quantidade de líquido, cordão no pescoço, incisura protodiastólica, movimentação do bebê ou qualquer outro elemento que possa causar pânico em todos.

Não tive interesse em avaliar o caso do colega de São Paulo mais a fundo, e nem quero. Acho que muitas circunstâncias da vida dele foram trágicas e não quero ser advogado e muito menos juiz de ninguém. Também acho que toda paciente deve ser tratada com respeito e consideração; “Na dúvida, fique em silêncio”, já me dizia Maximilian. Todavia, não conseguirei jamais aceitar que “punições exemplares” por palavras proferidas possam ter caráter positivo. Apostar na punição como método pedagógico é errado em tantos níveis que não vale a pena citar todos eles, mas não há dúvida alguma que o preço será pago pelos mesmos sujeitos de sempre: mães e bebês.

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Barbie

A minha tese é que o capitalismo se mantém exatamente por seduzir milhões a serem voluntariamente controlados por ele. Ou seja, uma servidão inteligente e civilizada, que dispensa os grilhões. O frisson atual pela Barbie usa a estratégia de questionar os valores da Barbie para, ao fim, valorizá-la, torná-la ainda mais rentável, vender ainda mais e, quiçá, até transformá-la em um ícone feminista. É possível até imaginar que a gente veja em um futuro próximo mais garotas ostentando camisetas da “Barbie Empoderada” do que usando as manjadas Madonna e Frida Kahlo.

E para quem acha que as mulheres sofrem porque estão sempre tentando se adaptar às exigências do patriarcado, pensem na pessoa que elogia Pablo Vittar e assiste o filme da Barbie só para não correr o risco de ser chamado de transfóbico e machista. É duro manter as aparências, viu gente?

Aliás, a sacada mais genial do marketing do filme foi criar o factoide de que “os evangélicos estavam se mobilizando para boicotar o filme”. Ou seja, tentaram transformar o filme sobre uma boneca anatomicamente bizarra em uma arma cultural. Mas sabe o que é pior que o mi-mi-mi de gente chata que não aceita o conteúdo e fica reclamando do filme da Barbie? Resposta: Gente que não suporta que se critique o filme da Barbie e dá xilique público.

“Se não gosta, não veja o filme. Se não suporta a crítica, não leia”. Ou, alternativamente, veja o filme e leia as críticas. Seja… forte.

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Lacração Futebolística

Não adianta tentar passar pano… não consigo aceitar esse tipo de preconceito. Passei anos escutando as jogadoras de futebol insinuando que receber menos para jogar futebol do que recebem os homens era algo errado, uma disparidade injusta. Afinal, elas estariam sendo mercenárias por quererem mais dinheiro para jogar? Desejar ser bem pago pelo seu trabalho é uma falha moral? Por acaso as mulheres são mais dedicadas, éticas, corretas do que os homens? Mulheres amam o esporte e homens só o dinheiro?

Os homens têm uma história muito mais antiga com os esportes profissionais, enquanto as mulheres somente há pouco foram se profissionalizando. Todavia, a forma como nos adaptamos à realidade do capitalismo tem a ver com o mercado, não as questões morais. Nada me faz crer que as garotas seriam diferente dos rapazes se fossem colocadas diante dos mesmos dilemas, negociando premiações, salários, “bichos”, etc. Por acaso Serena Williams não se dedica ao esporte de maneira profissional, sendo regiamente paga pelas raquetadas que dá? Por acaso jogaria de graça? É possível dizer que a grande tenista é uma mercenária, uma “vendida”?

Como seria chamado um homem que fizesse uma postagem semelhante a essa, desmerecendo as qualidades morais das mulheres e enaltecendo a dedicação e o caráter dos homens, criando entre os gêneros uma barreira de ordem ética? Tem um nome para isso, não?

Minha tese é que estas publicações sexistas, ao invés de exaltarem as mulheres, apenas validam o machismo.

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Futebol e suas mitologias

Estudos sobre os significados sociais e culturais do futebol são – sem dúvida alguma – muito necessários, profundos, interessantes e criativos. Por certo que deve haver milhares já feitos e sendo produzidos nos cursos de ciências sociais. Até eu, no meu primeiro livro, descrevia as torres de iluminação dos estádios como “enormes colunas de artilharia para o ataque aos inimigos”. Tudo é metáfora no futebol (até o goleiro, que na minha juventude, se chamava “arqueiro”), e tudo nos mostra o uso do “esportes bretão” para a sublimação dos nossos pendores violentos, e isso se manifesta através da “guerra” entre bandeiras e comunidades.

Torcer por um clube tem a ver com a socialização, a herança simbólica e a produção de laços sociais. Os clubes nada mais são que clãs modernos, cuja história e grandeza são formadas por episódios épicos, elementos fundadores e atos do mais intenso heroísmo – pense na Batalha dos Aflitos, por exemplo, onde um time ganhou – e se tornou campeão – com 7 jogadores em campo, diante de um estádio lotado de torcedores adversários. São histórias recheadas de narrativas trágicas, lendas fabricadas e mitos, como o de Eurico Lara, lendário arqueiro do Grêmio, corroído pela tuberculose, que defendeu um pênalti no Grenal do centenário Farroupilha (1935), expeliu uma lufada de sangue após defender o tiro livre, saiu do estádio direto para o hospital e morreu pouco tempo depois em decorrência dessa doença. Existe algo mais heroico e dramático que isso?

Desculpe, como sou gremista trago as mitologias do Imortal, mas todos os grandes clubes as têm.

Trata-se de uma narrativa moderna de recuperação, derrotas incessantes e vitórias redentoras. O futebol é a mitologia moderna mais elaborada. Tivesse sido inventado há três mil anos e a guerra de Tróia sequer teria existido, e a charmosa Helena teria sido disputada em uma final com turno e returno, gol qualificado, VAR, com direito a pressão sobre a arbitragem e disputa milionária pelos direitos de televisionamento.

Longa vida ao futebol, e abaixo o futebol moderno.

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Nó Identitário

Estou com uma imensa curiosidade sobre qual será a manifestação dos identitários sobre o imbróglio entre Dudu Milk e Jean Wyllys. Isso porque houve xingamentos homofóbicos e uma clara ofensa, que produziu como resposta um processo por ataques à honra e homofobia. Detalhe: ambos os personagens dessa história são declaradamente gays. Por enquanto só ouvi silêncios…

Peço apenas que, aqueles que estão tentando “passar pano” para as palavras constantes do Tweet do Jean Wyllys (ao lado), imaginem apenas se estas palavras fossem proferidas por Eduardo Bananinha ou Nikolas. Ou seja: como os identitários ou os defensores da causa gay reagiriam à insinuação de que um político declaradamente homossexual toma decisões na arena política motivado por supostos fetiches sexuais? Como reagiriam ao estereótipo do gay descontrolado, reduzido à sua sexualidade (como historicamente se fez com os negros)?

Como vão se posicionar diante da ideia de que os gays, quando assumem postos de poder, agem de forma depravada, tornando-se incapazes de decisões racionais? Esta desumanização dos gays se assemelha à misoginia que considerava as mulheres como incompetentes, por não conseguirem analisar o mundo de forma racional. Também é tão grave quanto aquelas fake news que confundem propositalmente os gays com “tarados” e “pedófilos”.

“Ahh, mas ele é gay. Ele pode falar isso”. Não é o que o Dudu achou. Além disso, essa afirmação vai de encontro à ideia de que as ofensas não acontecem pelo seu conteúdo ofensivo, mas tão somente por quem as emite. Ou seja: gays podem xingar e fazer piadas homofóbicas, assim como judeus podem debochar do seu próprio povo, enquanto os negros podem debochar de sua raça. Ou seja: seriam “eleitos”, blindados, capazes de avançar o sinal e cometer ofensas, protegidos pela sua condição. (recomendo um capítulo de Seinfeld onde um dentista se converte ao judaísmo apenas para contar piadas de judeus). É certo aceitar que uma determinada condição se torne um salvo conduto para as ofensas?

“Ahh, mas ele é gay, como poderia ser homofóbico?“, o que faz coro com a ideia de que “negros não podem ser racistas” ou “judeus não podem ser antissemitas” (como disseram do nazi Zelensky). Pois eu convido a escutarem as palavras homofóbicas de um famoso pastor evangélico que contrastam com sua história na homossexualidade enrustida, a qual ganhou as manchetes nas últimas semanas.

As defesas feitas ao ex-deputado Jean por parte da esquerda são incompreensíveis para mim. Diante dessa celeuma eu pergunto: um sujeito que atacou a Venezuela em sua luta anti-imperialista, fez a defesa aberta da democracia liberal burguesa, apoiou o apartheid israelense, adotou a retórica do pinkwashing de Israel, atacou o nacionalismo palestino, saiu do país financiado pela Open Society do George Soros e ainda deu uma resposta homofóbica a um governador gay…. ainda pode ser chamado de “esquerda”?

Essa é a grande sinuca de bico do identitarismo: de um lado apoiar um governador gay, anacrônico, bolsonarista e que decidiu manter os monstrengos das escolas cívico-militares, um descarado cabide de empregos para militares da reserva, mas que teve sua honra indiscutivelmente ofendida. Por outro lado, postar-se ao lado de um ícone das lutas dos gays, personagem midiático, auto proclamado de esquerda, vítima de perseguições pelos fascistas do bolsonarismo, auto exilado e financiado pela Open Society do George Soros…. e que cometeu uma ofensa homofóbica grotesca e acima de qualquer questionamento.

E agora? Esquerda ou direita? Progressistas ou conservadores? Fascistas ou progressistas? Devemos olhar para o fato em si ou para as causas que eles defendem? “Caso ou Causa”? É aceitável que esse personagem acusado de homofobia seja contratado pelo governo atual? É justo oferecer a um homofóbico um cargo no governo progressista, que tem um compromisso histórico com as comunidades LGBT?

Comprei bastante pipoca para ver como os identitários vão desatar este nó….

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Arquivado em Causa Operária, Política