Muito se tem escrito ultimamente sobre o ódio, em especial após algumas manifestações contrárias ao governo Dilma ainda na campanha eleitoral de 2014. É inegável que a corrupção existente em qualquer sistema de poder – da política ao porteiro da boate – é inaceitável, mesmo quando sua existência está enraizada na cultura de uma maneira tão firme e profunda. Entretanto, não parece ser ela a causa do ódio contemporâneo. Fosse assim as múltiplas delações contra alguns personagens do PMDB, PSDB, DEM entre outros gerariam igual onda de raiva incontida, como a que se viu contra a administração petista. Mesmo agora, não se vê nenhuma manifestação maiúscula exigindo a prisão de Eduardo Cunha, Jucá, Renan e outros. A indignação contra o mau uso dos recursos públicos obedece uma lógica seletiva.
Desde o princípio das manifestações violentas contra integrantes do PT eu percebi que havia uma mensagem codificada nas explosões de agressividade, que se expressava de forma dissimulada. Os gritos de “ladrões“, “bandidos” e “vagabundos” eram mensagens encobridoras de conteúdos outros, cuja essência escapava até de quem as proferia. Havia um SENTIMENTO de raiva da classe média, mas ela não conseguia dizer exatamente do que se tratava. A chegada dos imigrantes à costa europeia carregada de violência se justifica pelas queixas de desemprego e de marginalidade que eles podem causar. Em Israel houve uma imensa manifestação de israelenses contra judeus negros vindos de África acusando-os de aumentar a criminalidade em determinado bairro. Quando a investigação foi feita descobriu-se que aquele “bairro negro” era – em verdade – um dos mais seguros e com menor taxa de crimes de toda a cidade. Todavia, a simples demonstração dessa realidade não fez com que os protestos parassem. Por quê? Ora, porque no “Império das Hipóteses” a realidade é que precisa se adaptar às convicções, e não o contrário. O racismo evidente das manifestações precisava de uma “indignação encobridora”, e a simples verdade dos números e estatísticas era insuficiente para demonstrar o contrário e arrefecer o ódio.
Mas se a corrupção não é a origem desta indignação, o que gera tanto ódio e ressentimento? Muito se tem falado sobre isso, e as teses se multiplicam. É evidente que o PT, pelo exercício continuado no poder, acabaria escorregando em questões éticas e pela necessidade de estabelecer alianças e conchavos para manter o poder e, certamente, a governabilidade. Não se trata, entretanto, de perdoar tais condutas, mas não é crime contextualizá-las. Os maiores críticos dessa ação petista são de partidos em que estas ações são praticamente institucionalizadas, basta para isso ver como o PMDB formou seu novo governo. Portanto, não se pode dizer que as práticas do PT, por piores que fossem, destoam do que historicamente se fez em política no Brasil. O exemplo da Petrobrás é clássico: não basta Cerveró admitir reiteradamente que o esquema começou no governo FHC, a culpa da Petrobrás será sempre dos governos petistas. Mais uma vez uma realidade inconveniente que teima em confrontar as convicções. Nesse caso, que ela se cale.
A origem do ódio contra o PT, que vemos na Internet de forma mais fácil – pelo anonimato – mas que também se expressa nas conversas informais, é de difícil análise. Um dos elementos que muitos me dizem é que “dos outros a gente sabia, mas o PT foi uma decepção”. Chega a ser engraçado colocar a culpa de nossa ingenuidade sobre o PT, como se ele tivesse culpa por não entendermos como funcionam os esquemas de ganância, vaidade e poder nos governos de qualquer nível. Outra desculpa é de que o PT “deveria ser o exemplo”, já que tanto criticou isso nos outros. Isso é verdade, mas também desautorizaria todas as críticas ao PT feitas pelos políticos de outras agremiações e ficamos presos em um círculo infinito de culpa e acusação que não nos leva a lugar nenhum. Todos os rabos são sujos…
Mas a origem do ódio ao PT está muito mais escondido nas profundezas do nosso espírito, nos calabouço de nossos sentimentos menos nobres. Tão feios e sujos são que sequer ousam mostrar o rosto. Usam a máscara da “corrupção”, dos “vagabundos”, dos “petralhas“. O ódio ao PT é estético. Ele tem origem na escravidão que nunca foi assimilada pela brasilidade branca, impoluta e europeia. Ela se baseia no sentimento de invasão que assaltou a classe média brasileira: uma massa de excluídos agora querendo o lugar que “conquistamos”, através do nosso “mérito”. A luta contra as cotas é emblemática, e demonstra esse ódio em sua face mais cristalina: “Esse lugar é nosso. Não permitimos que vocês invadam a nossa academia.” O ódio contra o PT fala de uma identidade de classe média que se desfaz, cujas bordas se tornam imprecisas e nos deixam com medo de não sabermos mais a que lugar pertencemos. O ódio contra o PT está em suas virtudes e na ideia de fazer um pacto civilizatório, oferecendo a chance de cidadania para os excluídos. Isso foi insuportável.
Nada disso perdoa os pecados do PT, mas a derrota nas urnas poderá ser o melhor que já aconteceu a este partido. Como me contava meu pai, “para a cana de açúcar o moinho é uma máquina monstruosa e destruidora, mas para o açúcar é o lugar onde se libertou das impurezas acumuladas”. O que hoje é derrota amanhã pode ser entendido como a grande chance de renovação.