Arquivo do mês: outubro 2016

Periferias

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Durante uma palestra  na UFBA em 2002, fui interrompido pela pergunta de uma mulher negra sentada na última fileira do amplo auditório. Naquela oportunidade estávamos, eu e Robbie, palestrando sobre a humanização do nascimento na capital da Bahia. Disse ela:

“Dr, é muito bonito o seu relato das transformações no parto que ocorrem impulsionadas pelas redes sociais, mas minha pergunta simples é a seguinte: essas vantagens inquestionáveis do parto humanizado são para uma casta de mulheres de classe média que tem tempo e dinheiro para navegar na Internet ou ela também vai atingir a mulher negra e pobre da periferia de Salvador?”

Foi um soco no estômago. Por uma fração de segundos cheguei a me irritar com a contundência impertinente da pergunta, mas imediatamente percebi que ela estava coberta de razão. Minha resposta foi igualmente seca e direta:

– Se este movimento é para ser uma “moda” para pessoas de classe alta, mulheres burguesas ou de classe média, não precisava nem ter começado. Ou este movimento de resgate do parto que humaniza sua atenção e sua abordagem, se estende a TODAS as mulheres, de qualquer classe social ou extrato econômico, ou ele vai desaparecer naturalmente como uma quimera, algo que serviu apenas a um contexto passageiro e que não sobreviveu ao teste do tempo.

A migração da humanização do nascimento para o serviço público e o SUS é o caminho natural dessa revolução. As experiências exitosas do Sofia Feldman, Hospital Conceição, Sapopemba, Davi Capistrano no Realengo, Casa Ângela entre outros, mostra que o caminho é a disseminação da mensagem para toda a população. Quem viver verá: o que hoje parece um sonho em pouco tempo se tornará realidade.

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Atendimentos Privados

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O tema da assistência privada ao parto é tratado por nós nas redes sociais há no mínimo 17 anos. Minha experiência pessoal é que os poucos obstetras humanizados no Brasil não conseguiriam suprir a demanda de pacientes que acordaram para as vantagens de um parto digno. Quando vejo médicos que resolvem atender por convênios o resultado é arriscado, para dizer o mínimo: atendem uma demanda de 15 a 20 partos por mês. Com esse tipo de fluxo – que desrespeita o princípio da humanização dos cuidadores – a QUALIDADE do trabalho despenca. É impossível atender um parto quando o obstetra desumaniza-se, quando ele trabalha demais, está cansado, esgotado, com energias exauridas e com seu raciocínio prejudicado pelo acúmulo de trabalho. A solução seria atender um número limitado de pacientes, e para mim este valor chega a 4 – 6 por mês, que nos oportuniza um trabalho quase artesanal. Dá para cancelar consultório, atender sem angústia de tempo, indicar cesariana corretamente (e não porque está dormindo e/ou estafado), fazer visitas domiciliares pré e pós parto, atender o puerpério em domicílio (evitando que um bebê de 7 dias saia à rua para respirar escapamento de ônibus), demorar nas consultas etc. Tudo isso é impossível de fazer atendendo 18 partos por mês.  

Mas se você vai atender 6 e a demanda é de 15, quais os pacientes que você aceita e quais você nega? Sorteio? Quem chegou primeiro? Nesse modelo você acaba se tornando cruel com as pessoas que desejam um parto normal e não conseguem. Eu ainda acho que é mais justo que se aplique a velha “lei de mercado”, e ela se estabeleça como em qualquer outro lugar, para que as pessoas valorizem o trabalho do obstetra – sua dedicação, talento e tempo – e que esta seja a forma de escolha. Aliás, essa regra existe para QUALQUER produto no mundo, e com os profissionais que atendem parto não poderia ser diferente.  

Todavia, o debate esbarra no fato de que, seja qual for o sistema de escolha do médico – sorteio, valor do parto ou ordem de chegada – não há ainda como suprir a demanda, porque os obstetras humanistas, as enfermeiras e obstetrizes ainda são poucos, e porque os serviços públicos não tem interesse em transformar os seus atendimentos através de um protocolo de humanização. Estes serviços públicos (ressalvadas as conhecidas exceções) continuam sendo controlados por chefias anacrônicas com posturas corporativistas, que enxergam o nascimento como evento médico, controlado por eles, pela lógica da intervenção, e enxergando as mulheres como bombas relógio prestes a explodir. Os relatos das manifestações do CREMESP no último encontro de humanização do nascimento em São Paulo, onde sobraram manifestações velhas e preconceituosas sobre o parto humanizado protagonizadas por velhos obstetras, nos enchem de tristeza e vergonha. Mas, são estes os profissionais que controlam os serviços públicos, que resistem à entrada de enfermeiras obstetras e obstetrizes, que se negam a realizar mudanças simples como banquetas de parto, bolas, água e aparelhos de fisioterapia. Eles são os donos dos partos no Brasil e, em última análise, dos corpos das mulheres.  

A mudança nesse cenário NÃO se dará pressionando os poucos obstetras a fazer escolhas de Sofia, trabalhar de forma insana e desumana ou adotar uma postura franciscana, atendendo graciosamente seus pacientes. Não, esta é a parte em que a MASSA CRÍTICA é fundamental. Mulheres – e seus parceiros – caminhando unidos e EXIGINDO um atendimento digno e humanizado pelo SUS, tendo os médicos humanistas como parceiros nesta luta. Não há como manter as mulheres adormecidas, onde o papel do médico é se sacrificar por sua pobre paciente, ou um estado benevolente que resolveu – por conta própria – fazer uma Casa de Parto. Não…. essas coisas só ocorrem através de luta e de pressão popular. Mas ainda não conseguimos reunir 30 mulheres para aprovar uma lei de doulas em nossa cidade, como faríamos um “levante materno” para mudar as hierarquias e os modelos dentro de maternidades?  

Uma das soluções é acabar com esse paradigma que prevê a existência de um médico particular atendendo partos de suas pacientes privadas. Esse é um modelo falido e tem que acabar. Ele é responsável – entre outros fatores – pelas taxas abusivas e vexatórias de cesarianas no mundo ocidental, em especial nos países satélites dos Estados Unidos. Esse modelo iatrocêntrico, etiocêntrico e hospitalocêntrico (centrado no médico, na doença e no hospital) precisa terminar. O futuro nos reserva, em curto prazo, as Casas de Parto e os hospitais humanizados com trabalho interdisciplinar.  

Ainda falta vontade política e organização social, mas …. por que não podemos nos manter otimistas diante do tanto que já conquistamos?

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Cicatrizes

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A cesariana no século XX, com sua rapidez, relativa segurança e praticidade, permitiu que muitas vidas de mães e bebês fossem salvas. Entretanto, sua prevalência no mundo ocidental foi aos poucos aniquilando as habilidades que os responsáveis pela assistência desenvolveram nos últimos 2 milhões de anos. A facilidade e a impunidade para abreviar uma gestação através da cirurgia de extração fetal, aliadas à incapacidade de entender a complexidade do processo de parturição, levaram ao estado atual: cesarianas além de limites aceitáveis e partos violentos. Como nos lembra Gail Tully – a partir de um comentário de Lorenza Holt – mais acertado seria chamarmos de “falha de assistência” do que “falha de progressão”; de uma forma crescente estamos perdendo as habilidade essenciais para darmos conta das sutilezas deste evento.

Se nada for feito o século XXI pode assistir o fim do parto vaginal pela absoluta impossibilidade de encontrar profissionais capacitados para atendê-lo.

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Galanteios

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Para cada arrotador de viagens e carrões fálicos existe seu correspondente feminino com um decotão, linguagem vulgar e os mesmos vícios impostos pelo patriarcado. Dizer que as “mulheres estão na frente” é tão equivocado quando olhar para os lados e dizer que os homens estão. O erro mais primário de todos não é um erro masculino: é um erro humano. Puxar a atenção toda para si, sua vida, suas vantagens, suas vitórias e seu falo gigantesco e reluzente (e isso também vale para as mulheres) apequena os outros, não importando muito que a história contada seja verdadeira ou não. Ninguém aceita ser minúsculo diante do outro sem cobrar mais tarde por essa subserviência.  

O segredo de um “conquistador” é oferecer o lugar de protagonista da conversa ao outro, descer de seu pedestal de papelão e dar espaço para que alguém possa se aproximar.  

– Ah, você é o Cerqueira? Bacana… ouvi dizer que você é um neurocirurgião e professor da faculdade. Que bacana isso. Salvar vidas, que lindo. Você deve ser apaixonado pelo que faz.  

(Os olhos dela brilhando, olhando para o Deus do falo Dourado. Em sua mente se formam os estereótipos do homem perfeito, os quais tenta adaptar ao rapaz que se apresenta à sua frente. Em sua mente jovem, que tanto desejaria encontrar alguém à altura do seu amor, por que não poderia ser este o ideal?)  

Nesse momento de tensão existem duas respostas. A primeira é a mais comum, e não precisa nenhum esforço especial: basta pedir emprestada a máscara que o outro lhe oferece e jogar sobre a própria face.  

– Bem, diz ele, realmente a minha profissão exige um sacrifício e um estudo constante, habilidades incomuns. Temos em nossas mãos a vida e a morte, o bem e o mal e assim somos instrumentos de Deus para a preservação da vida. Além disso, quando estive em Roma fazendo meu doutorado, e blá, blá, blá, blá, e então Nietzsche falou através de Zaratustra que o “Homem se blá, blá, blá“, e aí o meu pinto é lindo e tal e coisa….  

A segunda resposta é muito mais elaborada, extremamente complexa, difícil e precisa de anos de treino:  

– Pois é, não é tanto assim. Como sempre há coisas boas e outras ruins e difíceis. Mas… e você o que faz? Professora? Sério? Uau… me conta como é trabalhar com o ensino. Deve ser empolgante, apesar das frustrações, não?

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Mestre

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“Professor é aquele que diante do assombro da própria ignorância aceita o desafio de ensinar como único remédio.”

Um agradecimento especial àquelas que, sendo o evangelho que ilumina as mentes inquietas, oferecem a generosidade do seu saber como a maior lição.

Parabéns professores.

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A derrota petista de 2016

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Pela lógica racionalista da “destruição do PT“, que se pode ver pela escolha maciça por um candidato da elite em São Paulo, o povo é evangélico, de elite, ladrão, gosta de apanhar da polícia e adora ver a merenda dos filhos ser roubada. Ora… nossas escolhas se dão de forma diversa do que nossa vã consciência determina, tanto na política quanto no amor.

Transformar a política nessa brincadeira racionalista acreditando que voto se dá com a razão, quando em verdade ele vem das tripas, é apenas demonstração de ingenuidade e pouco alcance visual. O voto contra o PT foi dado depois de uma ampla e extensa campanha midiático-jurídica de criminalização das aspirações populares, um avanço sem precedentes de todas as armas de propaganda contra o partido que, apesar de seus inúmeros defeitos e falhas, mudou a cara do Brasil.

Insistir na tese do “partido que dividiu o Brasil” (como se antes reinasse harmonia entre as classes sociais) ou ser o partido do “nós contra eles” é mais do que ingenuidade: é cegueira auto imposta. Esse Brasil SEMPRE teve donos, e a culpa do PT foi provar ao sujeito negro, pobre, miserável e faminto que esse país também lhe pertencia.

Infelizmente, os antigos donos inquestionáveis da nação não suportaram ver aquela “negrada suja” invadindo seus domínios, e o resultado em São Paulo ficou claro: vamos votar nos patrões, na política rasteira, na elite quatrocentona e vamos induzir o pobre e o evangélico – entorpecido pela propaganda – de que se trata de uma cruzada contra o Mal, o demônio e a cisão, e a favor da “paz entre donos e serviçais”.

Como eu disse anteriormente, não reclamo de urna. A vitória da banda podre da política brasileira, da elite empresarial e da impunidade deve servir para um grande aprendizado, em especial das esquerdas. Por muitos anos subestimou-se o poder da mídia de transformar qualquer sujeito social em um fantoche. Não se sabia também o poder imenso de um judiciário parcial em moldar o imaginário do povo. Também o poder da Igrejas em manipular as mentes e manter a população pobre das periferias encabrestada foi negligenciado, mas tudo isso servirá de ensinamento para o futuro, desde que sejamos capazes de aprender com os nossos erros.

Que não foram poucos.

O Brasil não colocou o PT no lixo… colocou o PT de castigo. Não há como destruir o PT, muito menos as utopias da esquerda, pois elas são como ervas daninhas: quanto mais se tira mais elas crescem. Não comemorem muito, antipetistas. Os ideais de equidade e justiça social não vão desaparecer pela onda moralista, fascista e racista que assola o mundo inteiro. Precisa mais do que um golpe para matar nossos sonhos.

O progresso é feito de avanços e retrações. Agora é o momento de recolher os cacos, chorar pelas ilusões perdidas, levantar a cabeça e reerguer o partido. E que as esquerdas tenham a sabedoria de construir um caminho onde as semelhanças sejam mais importantes do que as naturais diferenças.

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Das Tripas

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Uma pessoa que passou meses a fio chamando o ex-presidente de “Mulla”, “Lulladrão”, “9 Dedos”, “molusco” e a ex presidente de “Dilmanta” NUNCA teve um neurônio sequer dedicado à análise racional dos fatos. É inegável que as pessoas que assim se referem aos políticos em seus posts são contaminados por emocionalismos, paixão, fervor religioso (já que o antipetismo se configura como uma religião) e um viés moralista (petralhas corruptos!!!!) inquestionáveis. Meus amigos que assim agem podem dizer o que bem entendem e fazer todas as criticas que quiserem ao PT; metade delas até eu vou concordar. A única coisa que não vão conseguir é NOS convencer que suas posições são “racionais e isentas”. Como dizia Max, “Tal foi a intensidade da escuridão a lhe encobrir a visão que sequer conseguiu enxergar a própria cegueira“.

Ahhh… e TUDO o que escrevo é emocional, é afetivo e vem das tripas. Nossa racionalidade não passa de um verniz, uma fachada intelectual que nos afasta dos medos encobrindo-os com o conhecimento. Entretanto, por mais que esse verniz brilhe ele não é capaz de cobrir por completo os medos e mitos e nos definem e regulam.

Portanto…. não tenham medo de assumir sua postura não-isenta. Não há necessidade de esconder (ilusão!!) seu ódio ao PT. Ele é muito mais digno e respeitável do que uma isenção dissimulada. Eu não tenho vergonha alguma de abandonar as posições “equidistantes”; no ativismo é preciso paixão e amor pelas causas.

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Ódio nosso de cada dia

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Muito se tem escrito ultimamente sobre o ódio, em especial após algumas manifestações contrárias ao governo Dilma ainda na campanha eleitoral de 2014. É inegável que a corrupção existente em qualquer sistema de poder – da política ao porteiro da boate – é inaceitável, mesmo quando sua existência está enraizada na cultura de uma maneira tão firme e profunda. Entretanto, não parece ser ela a causa do ódio contemporâneo. Fosse assim as múltiplas delações contra alguns personagens do PMDB, PSDB, DEM entre outros gerariam igual onda de raiva incontida, como a que se viu contra a administração petista. Mesmo agora, não se vê nenhuma manifestação maiúscula exigindo a prisão de Eduardo Cunha, Jucá, Renan e outros. A indignação contra o mau uso dos recursos públicos obedece uma lógica seletiva.

Desde o princípio das manifestações violentas contra integrantes do PT eu percebi que havia uma mensagem codificada nas explosões de agressividade, que se expressava de forma dissimulada. Os gritos de “ladrões“, “bandidos” e “vagabundos” eram mensagens encobridoras de conteúdos outros, cuja essência escapava até de quem as proferia. Havia um SENTIMENTO de raiva da classe média, mas ela não conseguia dizer exatamente do que se tratava. A chegada dos imigrantes à costa europeia carregada de violência se justifica pelas queixas de desemprego e de marginalidade que eles podem causar. Em Israel houve uma imensa manifestação de israelenses contra judeus negros vindos de África acusando-os de aumentar a criminalidade em determinado bairro. Quando a investigação foi feita descobriu-se que aquele “bairro negro” era – em verdade – um dos mais seguros e com menor taxa de crimes de toda a cidade. Todavia, a simples demonstração dessa realidade não fez com que os protestos parassem. Por quê? Ora, porque no “Império das Hipóteses” a realidade é que precisa se adaptar às convicções, e não o contrário. O racismo evidente das manifestações precisava de uma “indignação encobridora”, e a simples verdade dos números e estatísticas era insuficiente para demonstrar o contrário e arrefecer o ódio.

Mas se a corrupção não é a origem desta indignação, o que gera tanto ódio e ressentimento? Muito se tem falado sobre isso, e as teses se multiplicam. É evidente que o PT, pelo exercício continuado no poder, acabaria escorregando em questões éticas e pela necessidade de estabelecer alianças e conchavos para manter o poder e, certamente, a governabilidade. Não se trata, entretanto, de perdoar tais condutas, mas não é crime contextualizá-las. Os maiores críticos dessa ação petista são de partidos em que estas ações são praticamente institucionalizadas, basta para isso ver como o PMDB formou seu novo governo. Portanto, não se pode dizer que as práticas do PT, por piores que fossem, destoam do que historicamente se fez em política no Brasil. O exemplo da Petrobrás é clássico: não basta Cerveró admitir reiteradamente que o esquema começou no governo FHC, a culpa da Petrobrás será sempre dos governos petistas. Mais uma vez uma realidade inconveniente que teima em confrontar as convicções. Nesse caso, que ela se cale.

A origem do ódio contra o PT, que vemos na Internet de forma mais fácil – pelo anonimato – mas que também se expressa nas conversas informais, é de difícil análise. Um dos elementos que muitos me dizem é que “dos outros a gente sabia, mas o PT foi uma decepção”. Chega a ser engraçado colocar a culpa de nossa ingenuidade sobre o PT, como se ele tivesse culpa por não entendermos como funcionam os esquemas de ganância, vaidade e poder nos governos de qualquer nível. Outra desculpa é de que o PT “deveria ser o exemplo”, já que tanto criticou isso nos outros. Isso é verdade, mas também desautorizaria todas as críticas ao PT feitas pelos políticos de outras agremiações e ficamos presos em um círculo infinito de culpa e acusação que não nos leva a lugar nenhum. Todos os rabos são sujos…

Mas a origem do ódio ao PT está muito mais escondido nas profundezas do nosso espírito, nos calabouço de nossos sentimentos menos nobres. Tão feios e sujos são que sequer ousam mostrar o rosto. Usam a máscara da “corrupção”, dos “vagabundos”, dos “petralhas“. O ódio ao PT é estético. Ele tem origem na escravidão que nunca foi assimilada pela brasilidade branca, impoluta e europeia. Ela se baseia no sentimento de invasão que assaltou a classe média brasileira: uma massa de excluídos agora querendo o lugar que “conquistamos”, através do nosso “mérito”. A luta contra as cotas é emblemática, e demonstra esse ódio em sua face mais cristalina: “Esse lugar é nosso. Não permitimos que vocês invadam a nossa academia.” O ódio contra o PT fala de uma identidade de classe média que se desfaz, cujas bordas se tornam imprecisas e nos deixam com medo de não sabermos mais a que lugar pertencemos. O ódio contra o PT está em suas virtudes e na ideia de fazer um pacto civilizatório, oferecendo a chance de cidadania para os excluídos. Isso foi insuportável.

Nada disso perdoa os pecados do PT, mas a derrota nas urnas poderá ser o melhor que já aconteceu a este partido. Como me contava meu pai, “para a cana de açúcar o moinho é uma máquina monstruosa e destruidora, mas para o açúcar é o lugar onde se libertou das impurezas acumuladas”. O que hoje é derrota amanhã pode ser entendido como a grande chance de renovação.

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Tempo

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Vou repetir, à minha maneira, a frase que Sartre uma vez teria dito para uma aluna: “Sei traduzir, pelo olhar de vocês, o quanto me consideram velho. Consigo perceber pelos comentários, risos e expressões que um fosso de tempo se abre entre nós. Todavia, esta percepção só se dá de fora para dentro; não consigo sentir-me da forma como me olham, apesar de aceitá-la como verdadeira e justa.”

Lembrei disso ao fazer essa foto. Eu sei que me chamam de velho, e meus não-cabelos não me permitem dúvidas. Entretanto sinto como se fosse na semana passada que eu mesmo estava passeando com meu filho pequeno me segurando pela mão.

A marcha do tempo é cruel e inexorável, mas sem ela teríamos caos e estagnação.

“Necessidades nos dizem da natureza, os desejos da fantasia. As primeiras do corpo, as outras da alma. As necessidades finitas, já que biológicas, os desejos infinitos, posto que etéreos e insaciáveis.”

“Em tempos de insensibilidade e pragmatismo a gratidão é um farol brilhante a nos indicar o melhor caminho. Lembre de agradecer e elogiar. É grátis, é simples e lhe permite mudar o mundo ao seu redor.”

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Ad Hominem

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“Ad hominem” – a crítica dirigida à honra de um oponente – é uma tática de enfrentamento covarde e rasteira para todos os lados, partidos ou facções, e em qualquer situação, não apenas quando nos atinge. Quando eu vejo pessoas que compartilham ideais comigo ofendendo pessoalmente meus adversários meu primeiro pensamento é “o que está havendo com nossos sonhos que não mais cativam por sua clareza e – por isso mesmo – precisamos de ofensas aos adversários para conseguir adesões?”.

Quando testemunho o desejo de destruir o opositor substituindo o combate às suas ideias, propostas e visão de mundo percebo claramente o princípio de morte de nossas próprias paixões.

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