Arquivo do mês: agosto 2021

Mentiras em 3D

Ultrassom 3D ou 4D(?) se refere a estas imagens que parecem moldes de cera com formato de feto dentro do útero, e são uma produção virtual cibernética e criativa que brota desse imenso campo das fantasias humanas.

Vou usar uma comparação tosca, mas que poderá servir de analogia.

Uma vez uma paciente me contou de um acidente terrível de automóvel que resultou na morte de uma criança de sua família. Depois de alguns meses a família enlutada procurou uma sensitiva, uma médium, que poderia trazer a palavra da criança já no plano espiritual. A paciente contou então do alívio provocado pela narrativa, ao saberem que a criança estava bem e que sua estada na terra foi abreviada um função de dívidas emocionais contraídas em outras encarnações. Estava feliz e tinha já encontrado o tio X, a vó Z e estava se recuperando do trauma de sua partida inesperada.

Não me cabe discutir a veracidade desse relato, e nem tem relevância aqui, mas apenas entender do que se constitui a mensagem da médium.

Diante do encontro com essa criança desencanada os fatos narrados por ela poderiam ser de dois tipos básicos: ela poderia contar uma história de superação, de otimismo, de positividade e de esperança, como de fato foi o relato que ela reproduziu à família. Por outro lado haveria outra possibilidade: ela poderia ter falado do seu sofrimento, da raiva, do ódio que ainda sentia e do ressentimento de ter sido expulsa dessa vida de forma tão abrupta. Poderia estar no “umbral”, sofrendo, consumida pelo ódio e pelo rancor, em especial contra as pessoas que não a protegeram ou que causaram sua partida precoce.

Pergunto: tendo diante de si uma família pesarosa, culposa, arrasada emocionalmente e destruída afetivamente quem diante desse quadro contaria a verdade, caso tivesse escutado da alma da criança a segunda versão? Conseguiria ser plenamente verdadeiro e fiel às palavras da menina ou mentiria, sabendo que esta mentira acalmaria seus corações e lhes traria a paz tão desejada, enquanto a verdade dura jogaria mais profundamente a todos no abismo de suas dores?

Eu acho que, inobstante a veracidade desses relatos, os videntes “mentem” (ou adocicam a dureza da verdade) para satisfazer aqueles que os procuram, pois sabem exatamente o que eles desejam – ou precisam – ouvir. É preciso ser movido por uma enorme crueldade para ser honesto e verdadeiro diante de tanta dor.

Nas ultrassonografias o programa “mente”, suaviza as bordas, preenche de forma automática as lacunas e falhas que o ultrassom não capta, acrescenta um colorido que os sons não reconhecem, oferecendo uma mentira que a todos agrada e satisfaz, além de aliviar as angústias e fantasias dos pais. Criamos um método baseado no falseamento das formas e na homogeneização dos contornos, mas curtimos essa mentira na medida que ela nos alivia a alma e diminui o peso das nossas ansiedades.

E nós todos caímos, claro, porque a angústia do desconhecido é mais poderosa do que as evidências e a própria verdade.

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Religiões e conflitos

As religiões unificam perspectivas de mundo e de produzem forte fator de coesão e identidade. São modelos de compreensão da realidade sobre aspectos onde a ciência não tem acesso, como o sentido da vida e os significados transcendentais. Acima de tudo, uma religião não é algo que produz ideias e conceitos, mas onde colocamos nossa visão de mundo e nossas perspectivas. Religião é onde colocamos algo de nós, e não de onde retiramos. Culpar as religiões pelas mazelas do mundo – como há muito fazem os new-atheists – é uma tarefa simples, mas para isso é preciso ignorar o sentido último das religiões negando o fato de que de qualquer religião se retira o que se quer, basta procurar, interpretar e divulgar fora do contexto histórico. .

Durante anos testemunhei a tentativa de criar uma visão demeritória das religiões, mas aplicando um viés distorcido da real essência delas. No atual conflito entre os colonizadores sionistas e o povo palestino no oriente médio ainda é comum ver analistas tratando os bombardeios como uma disputa entre “judeus x muçulmanos”, como se a questão não fosse o colonialismo brutal, os massacres, o apartheid e a limpeza étnica, mas sim um choque de crenças religiosas. Usando este mesmo critério dissimulador as Cruzadas perdem todo o sentido comercial e objetivo, pela conquista de um ponto geopolítico essencial para o comércio primitivo no Mediterrâneo, para se tornarem apenas incursões militares movidas pela crenças distintas. Aliás, o mesmo truque foi usado para chamar a guerra de libertação da Irlanda como “católicos x protestantes”, apagando os séculos de colonialismo britânico na ilha.

Colocar a culpa nas religiões como elementos divisionistas na história das sociedades é um erro, mas que ainda faz muito sucesso, inclusive entre intelectuais. A religião não é o bem e muito menos o mal. Uma religião não é mais do que um conjunto de símbolos e metáforas para expressar o inexpressável – assim como o mito o é para aquilo para o qual não há verbo. As religiões são construções puramente humanas que se expressam como um idioma, uma língua a conectar através do mesmo poço a água que corre por debaixo da terra. Os diversos poços criados para saciar nossa sede por respostas são as infinitas religiões, mas a água da fé – aqui entendida como a busca por respostas – é a mesma.

É possível então argumentar – contrapondo-se à onda dos novos ateus – que as religiões são o espelho das aspirações, desejos e valores humanos, e não a fonte de onde surgem. As religiões, em verdade, são criadas exatamente para dar conta dessa necessidade, e desta maneira nós não seguimos as religiões; são elas que nos seguem. Para entender melhor o que está no âmago das religiões existem inúmeros estudiosos – como Reza Aslan – que procuram oferecer às religiões o lugar que elas merecem.

Não existe dúvida que católicos e os protestantes não guerrearam por causa de religião na Irlanda e nem mesmo na Guerra dos Cem anos, mas por questões políticas, dinheiro, comércio, influências regionais, etc., pela mesma razão que os judeus e muçulmanos lutam até hoje por terra na Palestina, e não por discordâncias em suas escrituras. Em verdade católicos e protestantes da Irlanda lutaram durante muitos anos pela independência da Irlanda tendo de um lado os nacionalistas católicos e do outro os ingleses protestantes invasores, da mesma forma que as guerras pela Palestina são travadas entre colonos europeus e a população nativa. As religiões são falsamente colocadas como origem dos conflitos, mas elas são falsamente colocadas nesta posição apenas para deslocar o debate das verdadeiras questões.

Para as pessoas que carecem de uma compreensão mais profunda das causas dos conflitos é muito fácil moralizar as guerras, e para isso usamos artifícios como chamar de “infiéis”, “corruptos”, “fanáticos” ou “terroristas” todos os nossos adversários, desreconhecendo suas razões e desumanizando seus combatentes. Para entender melhor veja como as elites financeiras no mundo inteiro – e agora de forma bem marcante no Brasil – colocam a corrupção como seu cavalo de batalha, mas os governos que elas administram são tão ou mais corruptos do que os governos que combatiam, e para isso os adjetivavam de forma derrogatória todos os adversários, chamando-os de “corruptos“. Então por quê? Ora, porque os liberais são fixados na questão moral (como a religião), pois que ela desvia a atenção das pessoas e produz identificação com um dos lados, mas afasta as razões verdadeiras do radar de cada um de nós. No caso da Palestina o colonialismo brutal, o genocídio, o apartheid, os crimes de guerra, etc. Mas todo aquele que se contrapõe à barbárie sionista agora pode ser chamado de “apoiador de terroristas“.

Veja mais sobre o tema aqui, na entrevista com Karen Armstrong.

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Corrupção à granel

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Eu afirmo que comparada à corrupção LEGAL e corriqueira da sonegação de tributos, a corrupção de agentes do governo – seja de onde for – é café pequeno; totalmente desimportante quando comparada à grande corrupção do sistema capitalista. Basta olhar os números. Isso não significa que ela não deve ser combatida, mas apenas que deve ser vista em perspectiva, para que não seja usada eternamente como cavalo de batalha dos grupos de direita. Aliás, os escândalos mostrados na CPI da Pandemia e da família Bolsonaro mostram que essa retórica da direita é pura encenação. Era falso com Adolf, com a Ditadura Militar, com Collor, com Bolsonaro e com tantos outros.

“Somadas, as mil empresas que possuem as maiores dívidas ativas com a União sonegaram R$ 754,7 bilhões aos cofres públicos. Se esse valor fosse quitado pelos empresários, o Brasil poderia pagar 14 meses de auxílio emergencial aos trabalhadores informais, autônomos e desempregados. De acordo com o Ministério da Economia, cada mês do benefício custa R$ 51 bilhões.”

51 bilhões POR MÊS!!

Enquanto isso, a maior força tarefa para o combate à corrupção – a Lava Jato – de triste memória, arrecadou tão somente 4.3 bilhões, o que é menos de 10% do que poderia ser pago de auxílio a cada mês. É ÓBVIO que esse “combate à corrupção” promovido pelos governos de direita é uma cortina de fumaça, alienante e moralista, para não enxergarmos a verdadeira corrupção, o enorme furo que esse modelo produz nas contas.

Entretanto, apesar da disparidade desses números a corrupção é vendida desde sempre pela extrema direita como “o grande mal a ser combatido”. Por isso permitimos que surjam bilionários como o velho da Havan, o Bezos e o Elon Musk, cuja fortuna é produzida pela incapacidade do Estado em produzir justiça social.

O combate à corrupção deve ser feito dentro dessa perspectiva. Feche-se o megaducto da sonegação atacadista primeiro, para depois fechar a torneira dos corruptos à granel.

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Rin tin tin

A respeito das reivindicações dos povos nativos, vitimizados pelas invasões colonialistas.

As séries de TV dos anos 60-70 eram carregadas dos valores daquela época. Refletiam a euforia do capitalismo americano do pós guerra, a pujança e a opulência de sua classe média e o esplendoroso “American Way of Life”. Entretanto, pela perspectiva de hoje, passavam pano para o genocídio das populações indígenas, um massacre sem precedente na história das Américas.

Além de Rin Tin Tin – um garoto órfão cujos pais foram mortos (que surpresa!!) num ataque dos nativos e criado pelos soldados no “Forte Apache” – havia também “Daniel Boone” (e o mito do índio bom x índio ruim) e “Os Pioneiros” (o cristianismo e a família, contra a degradação pagã), que igualmente fizeram forte propaganda colonialista. Milhões de mortos foram esquecidos e uma parte importante da história americana foi apagada com esses programas que incentivavam a vilificação dos nativos enquanto produziam a exaltação do branco, cristão e “civilizado” que matava, destruía, destroçava e invadia as terras dos nativos.

Sim, enterrem o meu coração na curva do rio. Para a gente brincar de Forte Apache antes a limpeza étnica precisou rolar solta e sem freio.

O fato de aceitarmos estas propagandas descaradas naquela época, como quase todos nós (inclusive eu), não significa que precisamos continuar acreditando nesta perspectiva da história sem questioná-la de forma vigorosa. O mesmo se aplica a outros fatos da vida, em especial a falta de respeito com negros e homossexuais – algo corriqueiro na minha infância – mas que hoje não tem mais espaço na cultura. Se é possível contextualizar e entender que o “mundo era outro” também podemos reconhecer que estas séries eram propaganda explícita de supremacia branca, de movimentos racistas, colonialistas e imperialistas, e que hoje merecem uma avaliação mais apurada.

Mesmo de tendo acreditado nas mensagens supremacistas do passado, e sabendo o quanto nos divertimos com as histórias de aventura na juventude, isso não nos obriga a continuar repetindo tamanhas aberrações.

Todo mundo algum dia já acreditou em Papai Noel e não deveria se envergonhar de nenhuma festa de Natal que participou. Por outro lado, manter-se acreditando nesta fantasia hoje seria um atestado de alienação inaceitável. Continuar olhando propaganda racista sem uma necessária crítica significa aceitar seus pressupostos e sua perspectiva de mundo.

Para conhecer mais sobre o tema, veja aqui no post Enterrem o meu coração e Forte Apache.

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Velho raiz

Sinal de velho:

Não, não é a roupa que prima pelo conforto e não pela moda. Não são as expressões “boko moko” e “na crista da onda”. Não são as músicas ou os programas do meu tempo, e nem ficar dizendo toda hora “eu vi Pelé jogar”. Também não é lembrar das marcas de carro do tempo antigo, como Éroílis, Simca Chambór, Opalão, Decavê, Galaxi, Dogechárger, etc…

Velho mesmo, idoso raiz, quando encontra alguém do seu tempo on line, fica trocando foto de neto e dizendo “meu Deus, como está grande!!“, ou “essa tua neta está uma mocinha!!!”.

Se você já chegou nesse ponto, relaxe e solte os braços, pois daqui pra frente é só descida….

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Caramujismo

Sonhei que minha mãe me dizia uma das suas expressões prediletas em francês. Chegou-se perto de mim e sussurrou ao meu ouvido – como só as mães sabem fazer.

“Joie de vivre”…

Afastou-se um pouco e, olhando nos meus olhos, sorriu como se tivesse me contado o maior de todos segredos. Arregalou suas sobrancelhas finas como a dizer: “agora que sabes, o que vais fazer?”

Minha mãe sempre teve como uma de suas marcas mais salientes a “alegria de viver”, que poderia ser traduzida como um encantamento pela oportunidade de estar aqui, viva, convivendo com todos, enxergando beleza em tudo e todos e não permitindo que os detalhes – grandes ou pequenos – a impedissem de ser agradecida pela dádiva da existência e do convívio. Era uma otimista irrecuperável, capaz de enxergar ensinamento tanto nos pequenos fatos cotidianos quanto nas grandes tragédias da humanidade. Ela carregava consigo esta marca, a inefável alegria de viver e de conviver.

Ela sempre foi o melhor contrapondo ao caráter sério, sisudo e reservado do meu pai, mas apesar disso ela o adorava, como quem adora um ídolo do cinema. Esta é, aliás, uma marca que me conecta ao meu pai: somos ambos pouca areia para o caminhão que o destino nos ofereceu.

Herdei os traços da minha mãe e o caráter fechado e caramujístico do meu pai. Se fosse possível escolher gostaria de ter recebido dela o “joie de vivre”, a exaltação da beleza pura, a alegria de acordar cada manhã e saudar a oportunidade de compartilhar a vida em todo seu esplendor com quem nos acompanha.

Uma pena não conseguir ser dela o espelho que gostaria.

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Essetê Éfe

Quando vejo elementos da direita apontando incoerência na esquerda que aplaude os ataques do STF a Bolsonaro, eu acho bom esclarecer qual a nossa postura.

O STF é uma instituição BURGUESA e CONSERVADORA. É composta de liberais que estão lá para proteger os privilégios das camadas superiores da burguesia e das elites financeiras. O STF, por covardia ou interesses escusos, foi responsável pela prisão injusta, covarde e cruel de Lula, mudando o resultado das eleições presidenciais de 2018. Não há como perdoar ou esquecer este fato.

Antes disso se calaram diante das ilegalidades do golpe contra Dilma. São responsáveis diretos pela tragédia bolsonarista de agora. São medrosos até a medula, e Lula disse isso com todas as letras durante a crise de 2016, que poderia ter outro resultado não fosse a atuação de oportunistas como Gilmar e Rosa Weber, entre outros.

A esquerda conhece muito bem a função do STF de proteger os capitalistas e a burguesia. Só os tolos se enganam com os acenos civilizatórios de Alexandre Morais. Ali o que funciona é o espírito de corpo, com o objetivo claro de salvar a si próprios, e não a nação ou a justiça.

Não há ilusão alguma com essa turma, valentes protetores do capitalismo e das elites. Mas… não há porque não comemorar que no esforço de protegerem a si mesmos eles resolvam jogar o crápula do presidente aos leões. Não há nenhum “esquecimento” do papel por eles prestado ao golpe . Temos vivo na memória o papel deplorável do STF na farsa do “impeachment” golpista e sem crime de responsabilidade contra Dilma e depois o impedimento de concorrer e a prisão espúria e criminosa de Lula. Tudo à margem da lei.

Sempre criticamos no passado e continuaremos a criticar agora. Não esqueçam que esse esperneio do Alexandre Morais é apenas porque ELE se sentiu ameaçado, e não porque teme pela constituição e a democracia que deveria proteger. Se esses ministros tivessem respeito à constituição Lula jamais seria preso porque está EXPRESSO na carta que ninguém pode perder a liberdade sem o trânsito em julgado.

Se alguém ainda tinha dúvida sobre prisão em segunda instância, pense no quanto isso pode ser usado para perseguições políticas. Lula está sendo inocentado de todas as suas acusações em instâncias superiores. Já foram 17 absolvições em acusações infundadas e oportunistas. Ficou preso por mais de 500 dias e deixou de comparecer ao enterro do irmão por causa de uma pena inventada por um juiz corrupto. Quem recupera agora este tempo? Quem paga pela liberdade que lhe foi tirada? Quem paga pelos seus 500 dias de prisão injusta????

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Liberdade de expressão

Tenho total concordância com o Fernando Schuler, em especial no que diz respeito à sua crítica aos identitários e sua “reivindicação do absoluto”, mas principalmente na defesa da “primeira emenda” perdida, ou o direito supremo de defender publicamente suas perspectivas de mundo, sejam elas cesarianas para todos, ivermectina, poliamor, cannabis, monogamia, Bolsonaro, vacinas, parto humanizado, Lula, esquerda, direita, Deus ou Abraxás.

Sim, há limites, como aparece muito claramente no paradoxo de Popper. Não podemos fazer da tolerância a nossa fragilidade e assim permitir que os intolerantes usem dela para impor a todos sua intolerância. A liberdade precisa de salvaguardas. Entretanto, eu não posso aceitar que ministros do STF ou juízes de plantão determinem se o que digo e escrevo é certo ou errado, se há estudos suficientes, se alguém ganha dinheiro com estas ideias, se influencio muitas pessoas ou se minha opinião ofende alguém. Não podem ser eles os avalistas de todas as verdades.

O risco de ofender é inerente à liberdade de expressão, e ninguém pode ser culpado por atingir elementos subjetivos de alguém, ou valores circunscritos a determinados grupos. É inadmissível que a justiça seja a “patrulha dos sentimentos feridos” e também por isso as decisões que ressuscitam – de forma dissimulada – a censura são preocupantes. Agora atingem fanáticos de extrema direita, mas amanhã poderão atingir qualquer sujeito que defenda teses contra-hegemônicas.

Uma sociedade plural precisa conviver com diferenças. Se um sujeito ou organização dissemina mentiras então que seja aberto um processo com a garantia de ampla defesa para avaliar a inverdade disseminada, seus impactos e – caso seja confirmada – a sua punição. Todavia, as justificativas apresentadas para o fechamento dos canais de direita não me parecem democráticas.

Para a esquerda eu digo: festejar estas atitudes do Alexandre Morais, do Bonner, de juízes comuns, do Facebook, do Google ou de instituições do Estado é como alimentar corvos; mais cedo ou mais tarde eles te comerão os olhos. A mesma mão que arbitrariamente bate na direita hoje amanhã atacará a esquerda por motivações puramente ideológicas. A história deveria ter nos ensinado melhor.

Veja o texto de Fernando Schuler aqui

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Sexo e patriarcado

Ela deu, o cara “comeu”. Ela se entregou. O cara tá pegando. Ela deu mole. Ele ganhou a garota. Ela cedeu. Ela “perdeu” a virgindade. Ele faturou.

Dentro do patriarcado o sexo é sempre algo em que um toma do outro. Um mercado. Parte da ideia de que a mulher “dá” algo e não recebe nada em troca no sexo – só em valores secundários. Já o homem toma algo e nada oferece. Ele não “dá” e não é “possuído”.

Ainda imaginamos o sexo heterossexual como uma via de mão única, como se o desejo e o prazer femininos fossem inexistentes ou irrelevantes. Uma cultura verdadeiramente puritana e hipócrita que objetiva cercear a livre expressão da sexualidade e da cumplicidade de ambos. Por isso “vá se ph*der” continua sendo um xingamento, quando poderia ser tão somente um convite ao prazer, à alegria e ao contentamento para aqueles que queremos bem.

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Sobre o humor

É curioso ver o quanto o humor é atacado nos tempos atuais, em especial porque em tempos de identitarismos e de cancelamentos os próprios humoristas tiveram que refrear sua propensão a fazer piadas sobre tudo e todos. A grande queixa é que o humor “pode ferir as pessoas” e os humoristas não deveriam fazer de sua arte uma arma para gerar sofrimento, exclusão, preconceito e divisões.

Parece justo, desde que se entenda a diferença entre piada e “humor bullying”. Existe entre elas uma diferença muito grande que poucas pessoas – até mesmo por oportunismo – se negam a ver. É possível – e eu diria, é necessário – fazer piada com QUALQUER coisa. Sim, inclusive mortes de crianças, câncer, tragédias e até abusos, desde que o texto do gracejo respeite o CONTEXTO. A piada não pode ser o veículo que carrega o preconceito. Ela não pode ser usada para que uma mensagem obtusa, excludente ou claramente ofensiva seja levada adiante sem pagar o preço de uma posição aberta e estampada. “Ah, relaxa, é só uma piada”, frequentemente é usado para esconder uma manifestação de puro racismo, sexismo, lgbtfobia, preconceito de classe, etc. O humor não deveria se prestar para isso, mas para quebrar a arrogância que cada um constrói sobre si mesmo ou o grupo ao qual pertence.

O HUMOR É SAGRADO e eu não acho que existam etnias, gêneros, comportamentos ou orientações sexuais que possam exigir isenção à acidez natural e benéfica de uma piada. Um chiste humaniza a todos nós, mostrando nossas quedas, falhas, desacertos e aspectos ridículos. Nos reinos antigos o Menestrel tinha pleno direito de fazer gracejos com o Rei e sua família, porque assim humanizado o povo se sentia mais próximo dele – e assim podia ser mais facilmente manipulado e roubado.

Portanto, creio ser importante garantir o direito à piada, ao gracejo e ao humor… sobre QUALQUER coisa, sem limites (a não ser os legais, se houver) e sem censura. Como diria um famoso piadista americano quando perguntado se era possível fazer piada com “câncer infantil”, sua resposta foi excelente: “Claro que pode, mas é melhor que seja muito boa”. Ele dizia que tocar em um ponto tão delicado como este para fazer humor é possível, mas é importante que a qualidade da piada e seu contexto sejam tão bons a ponto de romper a barreira que naturalmente usamos para nos defender destes temas.

Aliás, para mim um dos piores tipos de exclusão em um grupo é saber que meus iguais se negam a fazer gracejos a meu respeito apenas porque acham que minha condição – seja ela qual for – me impediria de rir de mim mesmo.

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