Sobre as últimas medidas do governo relativas ao parto…
Ninguém tem interesse em restringir o direito de escolha para as mulheres. Isso não está escrito em nenhuma normativa do Ministério da Saúde e não há como interpretar dessa forma quando se conhece o texto e a intenção das medidas. Pelo contrário, o que se pretende é oferecer alternativas VERDADEIRAS, e não as falsas opções que nos acostumamos a ler e ouvir. Vemos com frequência as mulheres sendo obrigadas a optar por aquilo que não desejam, mas que são condicionadas a escolher, seja por um medo induzido, por pressões diversas e por uma cultura que criminaliza o parto de forma tão vigorosa que muitas mulheres acabam rechaçando uma função vital e um processo fisiológico natural como o nascimento pela via vaginal. As medidas do governo pretendem estancar a hemorragia de indicações cirúrgicas esdrúxulas, maquiadas com desculpas que tristemente conhecemos: “a dor é terrível” (mas a cesariana é bem mais dolorosa e a dor permanece por mais tempo), “a cesariana é segura” (verdade, mas o parto normal é MUITO mais seguro, para mães e bebês), “o cordão enrolado sufoca” (outra lorota, pois 38% dos bebês nascem com circulares e muito bem), “bebês grandes“, “bacias pequenas” (avaliados pelo “olho” do cirurgião), “falta de passagem” (leia-se “falta de paciência“), “sofrimento fetal” (excesso de intervenção, abandono, oxitocina e decúbito forçado) e tantas outras “viagens” que conhecemos.
Quanto às mulheres que optam por cesarianas, eu ainda acho que em nome do protagonismo pleno vale a pena aceitar esta escolha. Porém é preciso garantir que estas mulheres estejam informadas das vantagens e desvantagens dessa opção, e de que essa escolha AMPLIA os RISCOS tanto para ela quanto para o seu bebê. Todavia, eu ainda questiono se o SUS deve pagar esta conta. Uma cirurgia de nariz meramente estética (sem indicação médica curativa), ou de mamas, barriga, implante de cabelo, etc… não é custeada pelo SUS (isto é, todos NÓS), pois não é um tratamento médico, mas estético. Uma cesariana sem indicação clínica (física ou psicológica) poderia cair na mesma definição. Acho, entretanto, que se trata de um ponto aberto para o debate, e não acho que se deva fechar questão sobre este aspecto das medidas.
Uma mulher que deseja ser operada para o nascimento do seu filho pode fazer esta opção, que é válida e deve ser respeitada, por mais que me desagrade pessoalmente (mas a minha opinião não vale NADA diante da opção legítima de uma mulher). Entretanto não consigo enxergar um exagero ou uma pressão pelo parto normal. Vejo algumas mulheres ofendidas com a ênfase que se dá à fisiologia do nascimento, e se sentindo mal por escolherem o oposto que os estudos mostram, mas estas mulheres certamente pertencem aos 30% que escolhem cesarianas desde o princípio, e sobre ela pouco temos para agir, até porque respeitamos suas escolhas. Todavia, estas medidas se dirigem principalmente às outras SETENTA POR CENTO de gestantes que desejam partos NORMAIS e acabam fazendo cesarianas, que NÃO foram a sua escolha inicial quando se souberam grávidas. Para as mulheres que escolhem a via cirúrgica mesmo depois de confrontadas com os riscos aumentados para ela e para o seu bebê, só podemos respeitar esta decisão, e sem julgamentos. Infelizmente muitas mulheres ainda acham que expor estatísticas e estudos é ofender sua opção, quando na verdade é apenas a tentativa de oferecer escolhas verdadeiras e éticas.
A propósito, o número de mulheres que PEDEM cesarianas no início de uma gravidez é de 30% no setor privado, mas muito menor no setor público. Mesmo aqui no Brasil a imensa maioria das mulheres escolhe respeitar a fisiologia de um parto. As mulheres mais pobres percebem facilmente como uma cesariana é de recuperação mais difícil e lenta. Ela também prejudica o seu trabalho diário de cuidar da casa e dos filhos. Estas bravas mulheres também conhecem as vantagens infinitas de um parto fisiológico sobre uma cirurgia. Mas… sabem qual é o percentual de mulheres que fazem a mesma opção na Inglaterra? Menos de 2% escolhem uma cesariana quando iniciam o pré-natal. E por quê? Certamente é porque elas não temem os maus tratos e o abandono que muitas mulheres relacionam com o parto normal. A violência obstétrica lá é uma coisa muito distante, enquanto aqui é o dia-a-dia. Para mudar a mentalidade antiga de “parto-sofrimento-dor-angústia-trauma” é necessário que transformemos a CULTURA através de medidas proativas, na direção que está sendo oferecida pelo governo. Algumas medidas podem ser impopulares entre os profissionais, podem irritar as corporações e as instituições que nunca aceitaram ser questionadas, mas seguramente são um avanço pela democracia plena no acesso à saúde e na ampliação do espectro de escolhas que as mulheres podem ter.