Arquivo do mês: janeiro 2015

Sobre as Medidas

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Sobre as últimas medidas do governo relativas ao parto…

Ninguém tem interesse em restringir o direito de escolha para as mulheres. Isso não está escrito em nenhuma normativa do Ministério da Saúde e não há como interpretar dessa forma quando se conhece o texto e a intenção das medidas. Pelo contrário, o que se pretende é oferecer alternativas VERDADEIRAS, e não as falsas opções que nos acostumamos a ler e ouvir. Vemos com frequência as mulheres sendo obrigadas a optar por aquilo que não desejam, mas que são condicionadas a escolher, seja por um medo induzido, por pressões diversas e por uma cultura que criminaliza o parto de forma tão vigorosa que muitas mulheres acabam rechaçando uma função vital e um processo fisiológico natural como o nascimento pela via vaginal. As medidas do governo pretendem estancar a hemorragia de indicações cirúrgicas esdrúxulas, maquiadas com desculpas que tristemente conhecemos: “a dor é terrível” (mas a cesariana é bem mais dolorosa e a dor permanece por mais tempo), “a cesariana é segura” (verdade, mas o parto normal é MUITO mais seguro, para mães e bebês), “o cordão enrolado sufoca” (outra lorota, pois 38% dos bebês nascem com circulares e muito bem), “bebês grandes“, “bacias pequenas” (avaliados pelo “olho” do cirurgião), “falta de passagem” (leia-se “falta de paciência“), “sofrimento fetal” (excesso de intervenção, abandono, oxitocina e decúbito forçado) e tantas outras “viagens” que conhecemos.

Quanto às mulheres que optam por cesarianas, eu ainda acho que em nome do protagonismo pleno vale a pena aceitar esta escolha. Porém é preciso garantir que estas mulheres estejam informadas das vantagens e desvantagens dessa opção, e de que essa escolha AMPLIA os RISCOS tanto para ela quanto para o seu bebê. Todavia, eu ainda questiono se o SUS deve pagar esta conta. Uma cirurgia de nariz meramente estética (sem indicação médica curativa), ou de mamas, barriga, implante de cabelo, etc… não é custeada pelo SUS (isto é, todos NÓS), pois não é um tratamento médico, mas estético. Uma cesariana sem indicação clínica (física ou psicológica) poderia cair na mesma definição. Acho, entretanto, que se trata de um ponto aberto para o debate, e não acho que se deva fechar questão sobre este aspecto das medidas.

Uma mulher que deseja ser operada para o nascimento do seu filho pode fazer esta opção, que é válida e deve ser respeitada, por mais que me desagrade pessoalmente (mas a minha opinião não vale NADA diante da opção legítima de uma mulher). Entretanto não consigo enxergar um exagero ou uma pressão pelo parto normal. Vejo algumas mulheres ofendidas com a ênfase que se dá à fisiologia do nascimento, e se sentindo mal por escolherem o oposto que os estudos mostram, mas estas mulheres certamente pertencem aos 30% que escolhem cesarianas desde o princípio, e sobre ela pouco temos para agir, até porque respeitamos suas escolhas. Todavia, estas medidas se dirigem principalmente às outras SETENTA POR CENTO  de gestantes que desejam partos NORMAIS e acabam fazendo cesarianas, que NÃO foram a sua escolha inicial quando se souberam grávidas. Para as mulheres que escolhem a via cirúrgica mesmo depois de confrontadas com os riscos aumentados para ela e para o seu bebê, só podemos respeitar esta decisão, e sem julgamentos. Infelizmente muitas mulheres ainda acham que expor estatísticas e estudos é ofender sua opção, quando na verdade é apenas a tentativa de oferecer escolhas verdadeiras e éticas.

A propósito, o número de mulheres que PEDEM cesarianas no início de uma gravidez é de 30% no setor privado, mas muito menor no setor público. Mesmo aqui no Brasil a imensa maioria das mulheres escolhe respeitar a fisiologia de um parto. As mulheres mais pobres percebem facilmente como uma cesariana é de recuperação mais difícil e lenta. Ela também prejudica o seu trabalho diário de cuidar da casa e dos filhos. Estas bravas mulheres também conhecem as vantagens infinitas de um parto fisiológico sobre uma cirurgia. Mas… sabem qual é o percentual de mulheres que fazem a mesma opção na Inglaterra? Menos de 2% escolhem uma cesariana quando iniciam o pré-natal. E por quê? Certamente é porque elas não temem os maus tratos e o abandono que muitas mulheres relacionam com o parto normal. A violência obstétrica lá é uma coisa muito distante, enquanto aqui é o dia-a-dia. Para mudar a mentalidade antiga de “parto-sofrimento-dor-angústia-trauma” é necessário que transformemos a CULTURA através de medidas proativas, na direção que está sendo oferecida pelo governo. Algumas medidas podem ser impopulares entre os profissionais, podem irritar as corporações e as instituições que nunca aceitaram ser questionadas, mas seguramente são um avanço pela democracia plena no acesso à saúde e na ampliação do espectro de escolhas que as mulheres podem ter.

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Religião

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Desculpem-me os religiosos e crentes.

Sei das suas crenças e as respeito, pois um dia também as tive. Quando cito textos retirados das palavras de Jesus e de Deus faço-o para mostrar que a Bíblia é um livro escrito por humanos e para humanos, com valores humanos e não divinos. Qualquer pessoa retira o que bem entender dos livros “sagrados”. Podemos usar qualquer fundamentalismo sobre tais livros , seja ele a Bíblia, o Corão ou o Torá. Podemos olhar as palavras como são, ou interpretá-las da maneira como bem entendermos. É por isso que este e qualquer outro livro “sagrado” não são confiáveis para ditar normas humanas. Eles são num testemunho de histórias contadas há séculos, com valores e personagens daquela época, e que cumpriam funções políticas adaptadas à sua época também.

Quando esprememos a Bíblia e retiramos o sumo doutrinário mais essencial aparecem apenas frases como “amai-vos uns aos outros“, “seja teu falar sim-sim, não-não“, “o amor cobre a multidão de pecado” que, de forma variada, TODAS as outras religiões dizem no seu intento civilizatório de otimizar o esforço de progresso das sociedades humanas através da fraternidade. Portanto, não é necessário submeter-se a senhores, “intermediários de Deus”, para assumir uma atitude fraterna. Eu, pessoalmente, não procuro ser fraterno ou justo porque Jesus ou Buda me pediram ou exigiram, mas somente porque acho justas e corretas tais ações. Um Deus que criou o universo não poderia ter defeitos piores que os meus, como ódio, vaidade, rancor e raiva, mas a Bíblia é recheada de chiliques divinos, típicos de um menino manhoso e mimado, sujeito a ódios e vinganças. Certamente que a Bíblia – e menos ainda o Corão – não me oferece uma imagem adequada de criador.

Contínuo a crer que as religiões atrasam o mundo, e suas crenças mais separam do que unem os homens. A fraternidade não precisa de palavras mágicas ou gurus; ela se expressa como um roteiro natural de progresso humano, superior a qualquer outra forma de relação entre as criaturas. Esta é sua força essencial, e não as palavras de qualquer Avatar.

Eu respeito este tipo de visão de mundo, mas tenho muita dificuldade de entender. Uma coisa que me deixa atônito é os adesivos em automóveis onde pode-se ler: “Propriedade de Jesus“. Como alguém pode se sentir feliz ou orgulhoso por ser propriedade de outro, mesmo que seja um outro supostamente maravilhoso? Eu pergunto: se o seu filho fosse adulto e dissesse “sou propriedade do meu pai” você se sentiria satisfeito, orgulhoso da criação que proporcionou a ele? Você se consideraria um bom pai por ter mantido um filho atrelado a você, dependente de você, idolatrando você, sacrificando-se para agradar as suas vaidades e caprichos? Que tipo de pai acha bonito um filho subir uma escadaria destruindo os joelhos para honrar seu nome? Que tipo de pai acha bonito um filho se humilhar diante de todos confessando sua fragilidade e dependência? Pois eu não consigo entender que o “criador de todas as galáxias e mundos conhecidos” seja mais tolo, vaidoso e egoísta do que o mais mundano dos mortais.

Um Deus poderoso o suficiente para construir o Universo teria que ser pelo menos melhor do que eu. E eu não trataria um filho com tanta displicência como Deus – todo poderoso – trata seus filhos.

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Alma

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“É exatamente no momento em ela se mostra na radicalidade do feminino levado ao extremo, quando o corpo se enche de alma e suplanta sua arquitetura de carne e veias, é que surge o ponto cego, o significado obscuro, misterioso e incompreensível para aqueles que assumem a visão tecnocrática do parto.”

Jamais entenderão.

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Crise

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Como todo movimento social que ameaça poderes instituídos – em especial o biopoder – a humanização do nascimento cresce de forma lenta, consistente e continuada. Em muito lugares, apesar do recrudescimento de posturas autoritárias por parte de alguns profissionais, a proposta de rever criticamente o modelo de atenção ao parto mostra-se cada vez mais atual e forte. Novas doulas estão surgindo e novos profissionais – mais preparados para a “nova obstetrícia” – começam a tomar o lugar ocupado até então pelo velho paradigma.

Para atender o contingente cada vez maior de mulheres bem informadas sobre o tema a autoridade inquestionável do profissional já não é mais suficiente. Empatia, gentileza, respeito e atualização tornam-se, a partir de agora, elementos indispensáveis, ferramentas fundamentais na atuação profissional, junto com a parceria necessária com os outros profissionais que participam no parto.

Por outro lado, é constrangedor ver o que escrevem alguns representantes da categoria obstétrica. Ao invés de continuarmos afirmando absurdos – como a cesariana não causa mal – e se colocar de costas para o RESTO DO MUNDO que se preocupa com o excesso de cesarianas, melhor faríamos se tivéssemos uma postura crítica, dura e profunda, aproveitando o momento de crise que estamos vivendo na atualidade. Estas circunstâncias históricas nos proporcionam oportunidade de refletir sobre os rumos que a tecnocracia aplicada ao parto nos levou, e estamos perdendo tempo tentando tapar o sol com a peneira, caindo no ridículo e atrasando o progresso do debate.

Sim, cesarianas multiplicam a morbi-mortalidade de mães e bebês, e para isso temos boa ciência para confirmar acessível facilmente na Internet. Os próprios pacientes já sabem disso. Tentar usar refrões como “o direito de decidir” das pacientes apenas esconde o desejo de que as coisas se mantenham como estão, e que as pacientes continuem a realizar cesarianas (principalmente no setor da medicina suplementar) pela forte pressão psicológica que sofrem de todos os lados, inclusive dos profissionais.

O momento é ideal para a reavaliação dos rumos da assistência ao parto, exatamente pela crise de valores e pelo crescimento de uma postura mais consciente por parte dos pacientes. Não há mais como atender gestantes e acreditar que elas são ignorantes do significado amplo – psicológico, fisiológico, mecânico e espiritual – de um parto e de uma cesariana. Os novos médicos vão encontrar as “novas mulheres” que já cresceram com a Internet na ponta dos dedos e que sabem exatamente do que trata a medicina baseada em evidências e o que são direitos reprodutivos e sexuais.

Espero que estejam preparados.

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Bruma

A bruma que percorre a humanização do nascimento é feita da névoa da transcendência. Por indefinível, enquanto sopro, e imaterial, enquanto ideia, ainda assim é tão verdadeira e presente quanto a brisa e a paixão. Sem ela, aqui definida como o olhar que percebe o que se esconde atrás do véu das aparentes banalidades da vida, não há como entender o gozo que se instala no corpo em dor, o trinar dos dentes em falsa agonia, o suor que brota no músculo retesado, a lágrima salgada, a boca ressecada, o corpo que se projeta e a mão que se fecha.

Sem levantar o manto que encobre a essência simbólica e espiritual de um nascimento tudo é apenas real, e o real é a mais falsa de todas as verdades.

Sem a transcendência não é possível captar sua dimensão.

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The Cétera Brothers

Cétera

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Pena de Morte

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Para além das questões éticas e humanas, a pena de morte é burra e estúpida. O assassínio patrocinado pelo estado é absolutamente ineficiente para educar ou coibir. Se a pena de morte funcionasse teríamos uma diminuição significativa de crimes e assassinatos nos lugares onde ela existe, mesmo no Brasil. Sim, porque a pena capital existe no nosso país, apenas não é legalizada. Nas favelas, comunidades e bolsões de pobreza impera esta pena entre as facções do tráfico. Matam-se uns aos outros por penas impostas por eles mesmos. Fosse a morte decretada um anteparo ao crime e reinaria a paz nos domínios do tráfico. Não é o que se vê. Uma porcentagem significativa das mortes em nosso meio são decorrentes da ilegalidade oportunista deste comércio. Sair matando bandidos nunca ofereceu qualquer vantagem e jamais nos conferiu mais segurança.

A morte é IGUAL para quem morreu, tenha sido este assassinato cometido pelo governo ou por outros grupos. Portanto, do ponto de vista de quem teme, ser morto pelo Estado ou pela facção rival dá no mesmo. Pior: a morte pelos grupos paralelos tem julgamento sumário e você não tem defesa, e isso deveria te causar muito mais medo e muito mais cuidado. Pois não ocorre nada disso, e as agressões entre os grupos em disputa por pontos continuam, como se a própria morte fosse apenas um detalhe. Por isso mesmo que a pena de morte não faz diferença alguma para coibir o crime. Os bandidões do velho oeste já diziam isso no tempo do Jake Grandão: “Posso matar quantos eu quiser, mas só conseguem me matar uma vez“.

O Estado precisa ser o condutor da civilidade. Não se admite que ele esteja não animalizado quanto às pessoas a quem procura educar e proteger. Um Estado matador é medieval e inaceitável, sem falar que os sujeitos que caem nas garras desse governo vingativo são os mesmos grupos de sempre: pretos, pobres, miseráveis, inimigos políticos, etc…

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Violências e gênero

Violencia Mulher

A violência contra as mulheres é uma ferida aberta em nossa sociedade. Ponto. Não há como negar esta realidade e nem é possível colocar panos quentes em uma tragédia cotidiana que tira a vida de centenas de mulheres todos os anos por um machismo violento e desmedido. Por outro lado, eu creio ser possível complexificar a questão, mesmo sabendo que qualquer sujeito que fale da violenta perpetrada PELA mulher será sempre julgado como “machista”, insensível, ou que vê o cisco e não enxerga a trave diante de seus olhos. Porém, quando uma mulher inteligente, aparentemente madura, com curso superior e bom emprego te conta que há 5 ou mais anos apanha sistematicamente do seu parceiro(a) fica a dúvida até que ponto existe uma violência doentia por parte do parceiro e quando, associado a isso, há uma patologia da relação que faz aparecer nela um gozo (não confundir com prazer ou vontade) de apanhar. Estudar este gozo é fundamental para que esta mulher desfaça um sistema de violência que se retroalimenta. Acontece muito com alcoolistas: uma menina testemunha as violências aplicadas na mãe pelo pai durante toda sua infância e quando mais tarde se casa, adivinha quem é o marido? Um alcoolista violento. Ela repete a cena infantil em sua relação adulta.

Dizer que uma mulher participa inconscientemente de um jogo erótico patológico destrutivo NÃO é a mesma coisa que dizer que “ela pediu“, ou que “ela merece“, e muito menos que o parceiro dela está desculpado, perdoado ou é inocente. Significa apenas que ela também precisa ser ajudada para que possa fugir do padrão. Caso contrário ela corre o risco de se separar desse sujeito perturbado e encontrar outro drogadito violento, por nunca ser capaz de entender o que a levara a procurar relações em que sofre e é violentada. Existe um campo de estudo e pesquisa da psicologia (e da criminologia) chamado “vitimismo” que estuda as relações patológicas de pessoas que sempre são vítimas de relações ou situações deste tipo, mostrando haver um determinismo psicológico inconsciente que as leva a se colocar neste modelo de relação. Eu mesmo conheci uma mulher, minha paciente, que namorou três sujeitos na vida, e todos eles acabaram se mostrando no transcorrer da relação como homossexuais, o que pôs fim aos relacionamentos. Ela ficava muito decepcionada e não acreditava como podia ser tão azarada. Nunca acreditei na tese que ela mesmo trazia do azar, mas o caso dela parecia provar um tropismo por trejeitos e manifestações sutis que ela identificava como atrativos, e a surpresa pela descoberta da homossexualidade operava na ordem do inconsciente, ao invés de conscientemente percebido.

A violência das mulheres só é mais branda porque elas são fisicamente e politicamente mais frágeis. No filme  “O Senhor das Moscas” este tipo de ilusão é desfeito não com relação às mulheres, mas com os pequenos. Nós temos a ilusão de que as crianças são “do bem“, anjinhos inocentes e carentes, apenas porque NÃO conseguem fazer muito mal, pela sua fragilidade. Esse filme desmistifica a “candura” das crianças, assim como Freud desmistificou as relações eróticas que elas estabelecem com suas mães.

As mulheres não batem em maridos – ou os agridem com a mesma intensidade e frequência – apenas por serem frágeis e não por serem virtuosas. Esse essencialismo “mulheres do bem, homens truculentos e violentos” é tosco e tolo. Basta até você acompanhar os relatos de violência doméstica para perceber que, em muitos casos, a mulher foi vítima apenas porque era a mais fraca e não porque era moralmente superior, mais calma, ponderada, ou uma vítima silenciosa. Não é justo tratar os homens desta forma estereotipada, porque isso não ajuda a causa das mulheres. Temos que combater a violência contra a mulher sem romantizar estas relações e entendê-las como uma interação patológica de gozos destrutivos, em que ambos tem responsabilidade, mas que uma parte – a mais fraca – corre sério risco de vida.

Quando falamos de minorias como as mulheres (são maioria, mas politicamente e socialmente podem ser consideradas uma minoria) qualquer menção às perversidades femininas – inclusive em uma relação violenta por parte do parceiro – será julgada como “acusar a vítima“, quando na verdade muitas vezes se usa para que fique claro que uma relação é SEMPRE uma dualidade feita da interação de sujeitos, amalgamados e entrelaçados em seus fantasma. Se não é justo absolver os homens das violências e mortes praticadas, também é certo entender que nessa junção de almas existem parcelas de responsabilidade em ambos os sujeitos.

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Coligay

Coligay

Para todos que me perguntam se era verdade, aqui está a prova documentada no livro de Leo Gerchmann. Houve um tempo, há 35 anos, que não havia homofobia no futebol. Existia uma torcida alegre, “gay”, assumidamente gremista e que circulava no estádio sem nenhum constrangimento. Essa era a Coligay, mistura de “Coli”, da boate gay Coliseu que havia na cidade e “Gay” que vem do fato de serem…. alegres.

Isso acabou, e uma torcida assim em qualquer canto do Brasil seria repudiada pelos homófobos, muitos deles – como Freud ensinou – nada mais do que “meninas que tem medo de seus próprios impulsos”. Mas como explicar essa mudança radical, para o lado oposto do que se imaginaria pela sofisticação da cultura, em direção ao preconceito e à intolerância?

A “culpa”, ao meu ver (leiam as aspas quando olharem a frase) é da própria conscientização da comunidade gay. Quando o “homossexualismo” caducou e deu origem à homossexualidade, deixando os manicômios e consultórios para ocupar as casas e ruas, a antiga “doença” deixou de existir, dando lugar a uma simples variação da infinita diversidade da orientação sexual humana. Sendo assim, o que era patologia virou comportamento, fazendo com que todos nós estivéssemos sujeitos a ele, e não apenas os “pederastas”, degenerados e doentes.

A partir desse novo conceito a homossexualidade virou uma ameaça para o cidadão comum. Ninguém estava livre de que alguém descobrisse um pensamento, um desejo escondido ou uma vontade inconfessa. A masculinidade precisava ser constantemente provada, nem que para isso fosse necessário usar da nossa costumeira brutalidade testosterônica. Era preciso exorcizar tal perigo, uma ameaça terrível à nossa persona social. E qual seria a melhor forma de se livrar desse peso?

Ora, expurgando e negando os desejos, jogando-os no outro. Os outros. A torcida adversária, os gaymistas, os coloridos, as Marias, as frangas, os pó de arroz, bambies, etc. A liberação dos costumes e a aceitação da homossexualidade como uma orientação de objeto sexual deixou-nos a todos inseguros. Este pânico, em especial nos jovens que frequentam futebol, manifestou-se como flagrante sentimento homofóbico.

Eu sonho com o dia em que renasça a Coligay, e juro por Alah que no dia que ela aparecer no estádio estarei ao lado, seja para torcer alegremente ou para fazer um círculo de proteção aos gays que desejam expressar seu amor pelo time do coração. Sei que Bebel, minha filha, estará lá comigo. Talvez esse dia, em que ultrapassarmos o preconceito e a miséria humana, nem esteja tão longe de acontecer.

Será uma data memorável, e queria muito que meu time fosse, mais uma vez, pioneiro.

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Governabilidade

Dilma Rousseff: 'Do I look happy, Mr Obama?'

O sonho juvenil de um partido que governa despoticamente, sem parlamento é tudo, menos maduro. A opção que muitos apontam ingenuamente para o PT é a formação de um ministério sem nomes de aliados, sem direita e firme nos propósitos originais do PT. Isto é: exigem que a Dilma governe para a metade do Brasil e a outra metade que se ferre, afinal perdeu as eleições, não?. Sinto muito caros sonhadores, mas não é assim que funciona a democracia, que nada mais é que a arte de engolir sapos em nome de um projeto de governabilidade.

Collor negligenciou esta verdade política e achou que podia governar sem partido e ferindo interesses da Rede Globo, a mesma que o havia colocado lá. Pagou caro, e hoje sabemos que  Collor tinha um pensamento moderno e desenvolvimentista. Lembrem que foi ele quem modernizou a indústria de automóveis no Brasil, composta na época, de “carroças”. Boas intenções e ideias modernas não são suficientes; sem apoio e sem partido é suicídio.

Com um ministério “puro”, socialista e progressista, sabem quantos projetos passariam pelo congresso, francamente oposicionista? ZERO!!! Mas talvez o sonho dos petistas mais ferrenhos e puristas seja ver a Dilma empossada como imperatriz, ou Rainha despótica, que não tenha necessidade de uma câmara ou um senado. Bem, aí é outra história, e nessa canoa furada já embarcamos. Repetir os erros é imaturidade, aprender com eles é o caminho.

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