
Marcel Proust viveu em uma Paris de profundas transformações. Ele testemunhou chegada da eletricidade, da água encanada e dos elevadores. Também viu a troca de bondes puxados a cavalo por carros a vapor e depois eletricidade. Estava na Cidade Luz durante a construção da Torre Eiffel na Exposição Universal de 1889 e na construção da primeira linha de metrô. Não há como duvidar do entusiasmo com a modernidade que inundava o coração dos habitantes de Paris.
Um relato, todavia, sempre me chamou a atenção em um texto de Proust sobre a introdução de uma tecnologia inovadora nos primórdios do século XX. Ele se referia à instalação das primeiras linhas telefônicas na cidade. Curiosamente, ao contrário de tantas outras inovações recentemente introduzidas – como a iluminação pública e os carros – o telefone foi recebido com reservas. Cabe a pergunta: como pode um artefato quase imprescindível no mundo contemporâneo ter sido introduzido na cidade mais mais culta e mais rica do mundo com desconfiança e tão pouco entusiasmo?
A resposta para essa pergunta não está tão distante da nossa compreensão. É fácil entender que o telefone era um artigo caro na época de sua disseminação, sendo apenas instalado nas mansões de pessoas muito abastadas. Nessas casas era comum aos visitantes se anunciarem a um mordomo que posteriormente perguntaria ao dono da casa da possibilidade de atendê-los; esse era o protocolo. Assim sendo, o telefone era visto como uma invasão aos domínios íntimos do domicílio. De posse de uma combinação de números qualquer um passaria a ter o acesso garantido, estaria apto a “entrar” na mansão outrora inexpugnável da elite parisiense. O telefone era visto, então, como uma “bugiganga de novos ricos”.
Hoje em dia o mesmo desconforto nos atinge, e pela mesma sensação de invasão. Repetindo o fenômeno do rádio – e depois da TV – que penetrou nos lares e em nossas consciências, as redes sociais nos atropelam de informações e publicidades, invadindo nossos lares pelos olhos e ouvidos. A mesma retórica volta, recheada de augúrios catastróficos pela perda completa da privacidade. Talvez um dia isso venha a ser verdade, e um avanço tecnológico seja o portal para a nossa destruição. Por enquanto, com o acúmulo de experiências das quais somos sobreviventes no passado, cultivo ainda um saudável ceticismo.