Machado de Assis também estava errado ao dizer que “o ladrão já nasce feito”, e que a ocasião apenas oportuniza o crime. Essa proposta é de um essencialismo brutal e imobilizante pois, se admitirmos que o caráter é inato, infenso aos condicionantes sociais e às necessidades artificiais criadas pelas sociedades de classe, então teremos de aceitar os determinismos lombrosianos de que o caráter deformado é uma marca de nascença, e nenhum processo educativo seria possível.
Não aceito esta perspectiva, e creio mesmo que a ocasião também faz o ladrão. Basta uma leve investigação no mundo ao seu redor para perceber que muitos sujeitos de caráter dúbio atravessam a existência com aparência de honestos apenas porque a ocasião adequada não lhes foi ofertada pelo destino. Outros, sucumbem à pressão dos desejos e se atiram nos atalhos da vida, mas suas falhas apenas se tornam escândalo quando a porta da oportunidade se abre. Prefiro crer que entre o Santo e o Criminoso se ergue um tênue e translúcido véu, onde o acaso têm um fator preponderante em sua tessitura, e que a razão para suas rotas divergentes se esconde no emaranhado de escolhas e circunstâncias que os envolvem.
Dionélio Souza Ribeiro, “Encruzilhada das Letras”, Ed. Panteão, pág 135
