Mesmo quando o assunto é uma improvável viagem espacial, a conquista de Constantinopla, a nova teoria da evolução ou os temperos prediletos da cozinha da Mongólia, qualquer coisa que escrevemos é essencialmente sobre nós mesmos. Nada do que sai das nossas palavras foge da formatação produzida por nossas experiências pessoais e a impregnação emocional que elas produzem em nossa personalidade. Não existem opiniões isentas, infensas às emoções e sentimentos de quem as exprime. Essa “neutralidade” técnica é uma ficção, pois se basearia na existência de fatos objetivos, capazes de fugir à necessária interpretação dos nossos sentidos
Existem, em verdade, sujeitos que se preocupam em acolher várias abordagens para um mesmo fato, reconhecendo-os como válidos e coerentes, o que não pode ser confundido com esta pretensa neutralidade. Por certo que aqui se encontra a sabedoria de Heckenhorn*, que deveria ser transmitida às novas gerações que estão chegando às escolas a partir do século, que faz pouco deu seus primeiros vagidos**.
Os estudos da alma humana, em especial estas produzidas pelo médico austríaco Siegfried Freud*** talvez possam nos oferecer novas perspectivas para o estudo do comportamento humano e as motivações recônditas das atitudes e ações aparentemente contraditórias e paradoxais. Vale a pena olhar com atenção o manuscrito recentemente lançado “Três Ensaios sobre a Sexualidade” e os estudos que ele realizou com as doentes histéricas, em especial os relatos da enfermaria de Charcot****.
Herbert Finkler, “Verhaltenshandbuch für den Mann des 20. Jahrhunderts” (Manual do Comportamento para o Homem do Século XX), ed. Prophezeiung, pág 135
Herbert Klaus Finkler foi um escritor alemão nascido em Düsseldorf em 1866, filho de pais agricultores e fabricantes de vinho. Muito cedo se destacou pela sua capacidade de dominar muitas línguas, aprendendo além do alemão o inglês, o latim, o francês, o italiano, o russo e o polaco. Em função do crescimento da vinícola do seu pai com as vendas realizadas para os países vizinhos, ainda jovem acumulou uma considerável fortuna, o que o possibilitou dedicar-se à Academia e à literatura. Em função disso, desenvolveu uma cultura baseada na leitura de clássicos, em especial Friedrich Schiller, que o motivou a escrever sua tese sobre a formação da língua alemã na Universidade de Strasbourg. No seu livro “Manual do Comportamento para o Homem do Século XX” ele descreve uma série de ações e comportamentos relacionados ao que ele descreve como “homem moderno” no campo da sexualidade, fidalguia, honra, mérito e sua relação com o meio ambiente em uma Alemanha que iniciava seu processo de industrialização e urbanização. Morreu em 1929 em Potsdam de causas naturais.
* Heckenhorn foi um pedagogo alemão que descreveu um método crítico de educação baseado na apresentação de “paralaxes”, perspectivas diferentes da mesma realidade. Em função disso, foi homenageado com o “cubo de Heckenhorn”, um objeto que muda de forma na medida em que sofre um giro sobre seu eixo principal.
** O “novo século” que há pouco havia iniciado era o século XX. Herbert Finkler escreveu seu primeiro livro com projeções para o século XX em 1890, quando apresentou sua ideias sobre o que se poderia esperar para os próximos 100 anos. Acreditava ele na descoberta de civilizações avançadas na Amazônia, populações nativas da Lua, viagens para outros planetas, bicicletas voadoras, cura da tísica (doenças consumptivas, em especial a tuberculose) e, por certo, acreditava na eugenia, propondo a criação de uma raça única e homogênea para todo o planeta.
*** O autor certamente se referia a “Sigmund” Freud, o médico austríaco, mas inadvertidamente trocou seu nome para *Siegfried*, apesar de conhecer a obra do pai da psicanálise, visto que citou este autor no mesmo parágrafo. Em verdade, “Siegfried Mallmann” era o nome de seu padrasto, homem que se casou com sua mãe após a morte misteriosa de seu pai ao cair dentro de um poço em sua propriedade. Suspeitou-se desde o princípio do vizinho, Siegfried, pois este há muito cortejava a mãe de Herbert. O vizinho foi a julgamento e posteriormente inocentado, mas Herbert confessou a muitos de seus amigos que desconfiava que Siegfried havia cometido o crime, ou ao menos havia participado do seu planejamento. Talvez este seja um real ato falho que apareceu na escrita de Herbert, pois no início do século XX Freud já era conhecido como o “pai” de uma nova ciência da alma.
**** Em 1885, Freud ganhou uma bolsa e uma licença do hospital onde atuava para estudar em Paris por 6 meses. Lá trabalhou com Jean-Martin Charcot, um respeitável médico neurologista do hospital psiquiátrico Saltpêtrière. Charcot estudava paralisias histéricas com o uso de técnicas de hipnose, o que marcou Freud profundamente, e contribuiu muito para que Charcot se tornasse um paradigma profissional para o jovem médico que recém iniciava seus estudos sobre as histerias.