
Em uma das esquinas mais nobres – e caras – da cidade de Porto Alegre será inaugurado um dos símbolos mais emblemáticos da sociedade do capitalismo tardio: uma farmácia.
O que se pode pensar de uma sociedade onde, em cada esquina, das mais simples às mais nobres, se ergue impávido um ponto de venda de drogas? Que sinalização isso dará aos escafandristas de um futuro distante, quando mergulharem no oceano quente dos nossos valores mesquinhos? Que dirão os paleontologistas intergaláticos ao constatar que nossa sociedade precisava se drogar para suportar a carga que a vida cotidiana propiciava? Que acharão os sábios de um futuro não tão distante sobre a nossa vinculação às soluções exógenas para os dramas da alma?
Essa epidemia mereceria uma análise mais profunda, mas parece evidente que, se acreditarmos que uma sociedade é um organismo vivo, formado de células – que somos nós – esse fato social é um sintoma local de uma enfermidade sistêmica, uma nódoa, uma mancha, um cancro. Todo tumor é a tentativa desesperada que o organismo encontra para circunscrever o mal que ameaça a totalidade da economia orgânica. As farmácias e as “academias” – outra proliferação acelerada na tessitura das cidades – são a tentativa frustra que o “organismo social” encontra para remediar o desacerto crônico que ataca a sociedade. Por um lado oferecem uma gama enorme de bengalas e lenitivos para aliviar as dores causadas por uma construção social injusta e malévola; de outro lado, as academias nos cedem o sonho de mudar as formas, imaginando que, assim modificadas, elas transformarão o conteúdo.
Por que tantos sedativos, estupefacientes, calmantes, analgésicos e remédios anti-vida? Quem saberá encontrar o amor que outrora existiu, se nas ruínas dessa civilização apenas encontrarem nossa vã tentativa de afastar a dor? Quem vai decifrar os hieróglifos sinistros da tristeza estampada nos rótulos dos remédios? Os analistas do futuro terão um rico e vasto material para entender o que nos movia, se é que sobrará algo para ser decifrado.
“Os historiadores em vão
Tentarão decifrar
O eco de antigos sintomas
Fragmentos de receitas, queixas
Mentiras, relatos e dores
Vestígios de estranha civilização.
Não se afobe, não
Que nada é pra já
Doutores serão sempre amáveis
Futuros doentes, quiçá
Adoecerão sem saber
Com a dor que eu um dia
Deixei pra você”
Grato, Chico