À francesa…

Costumamos dizer que sair de uma festa sem se despedir dos convivas é “sair de fininho”, mas também pode ser chamada de saída “à francesa”. Entretanto, sair desta forma normalmente é visto de forma negativa, como se a pessoa fugisse do encontro evitando “fechar” sua presença com o ritual da despedida. Sair à francesa é escapar sorrateiramente das normas sociais, burlando os costumes.

Pois, curiosamente, os países anglofônicos chamam esta atitude de “saída irlandesa” (irish exit). Claro que existe uma tendência a nomear determinados costumes pelos países de onde se imagina terem surgido, da mesma forma como os franceses chamavam a sífilis de “doença italiana”, enquanto os italianos a chamavam de “doença francesa”. Porém, mais interessante ainda que os países envolvidos no surgimento dessa convenção social, está o fato de que “sair à irlandesa” era considerado uma atitude polida e educada.

Sim, exatamente isso: uma atitude reconhecidamente correta, adequada e “chique”, e sou obrigado a concordar com as justificativas para considerá-la assim.

Pensem bem: quando alguém – também um casal ou toda a família – resolve sair de uma festa despedindo-se de todos, isso inexoravelmente produz uma ruptura no fluxo da reunião. O sujeito que sai interrompe várias conversas, atrapalha pessoas que estão comendo ou bebendo e cria distúrbio entre os demais convidados. Faz temas em debate serem perdidos, assuntos abortados, piadas cortadas no meio. Mais ainda: induz outras pessoas a saírem da festa, antes de assim o desejarem, imaginando que a saída de alguns sinaliza o tempo adequado e certo para o término da reunião.

Todavia, existe ainda outra questão importante. Ao se despedir de todos chamamos muita atenção sobre nós mesmos, desfocando a importância do anfitrião. Nos consideramos tão importantes a ponto de interromper o prazer e a alegria de todos apenas para avisá-los de nossa ausência iminente. Criamos sobre nós uma relevância presunçosa, quase pedante. Algumas despedidas são como a dizer: “Olha, estou indo. Não sei como essa festa poderá continuar após a minha despedida. Pense bem se pretende ficar aqui, sem minha presença por perto”.

Portanto, é compreensível que a “saída à irlandesa” fosse admirada em uma época em que a sociedade não era tão viciada em exaltação de egos e personalidades. Sair à irlandesa era uma atitude humilde de quem reconhecia ser apenas uma personalidade entre tantas, alguém que não buscava ser o centro momentâneo de tantas atenções e reverências imerecidas.

Bem, era isso. Agora saio “à irlandesa” e os deixo com essas ideias para elaborar…

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