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Bacurau

“Nos EUA, Portugal e Alemanha, muitos brasileiros apoiam políticos que querem fechar fronteiras e fazer deportações. Já vi brasileiras aqui falando: ‘eles não são contra nós, casadas com alemão, são contra os refugiados’.” (Matéria da DW alemã)

Lembra muito Bacurau, não? Tenho conhecidos – imigrantes da Venezuela e do Brasil – que moram em Portugal e apoiam a extrema direita xenófoba do “Chega”, especialmente porque seu “guru”, o fascista André Ventura, ataca o presidente Lula como qualquer mentecapto bolsominion o faria. Sim, infelizmente em Portugal e nos Estados Unidos as colônias brasileiras são as mais reacionárias e fascistas do mundo. Mais deplorável ainda é o fato de que estes expatriados latinos acham que, por serem brancos, são diferentes dos imigrantes escurinhos árabes ou dos pretos brasileiros. “Veja, nós somos como vocês. Somos europeus também”, dizem eles, repetindo a fala dos personagens traidores de Bacurau, sem se darem conta que, para os habitantes de lá, somos todos “cucarachas” ou “brazucas”; não passamos no teste das cores. Somos como o leite, que deixa de ser branco bastando para isso receber uma única gota de café.

Essa falta de autoestima latino-americana é um escândalo e um atraso de vários séculos, e prolifera na classe média iletrada desse país. Se espalha na pequena burguesia que pouco lê, pouco viaja e muito se emporcalha com a propaganda imperialista, produzindo uma malta doente de xenofilia. É gente que acredita na superioridade dos europeus e norte americanos, e os enxerga mais nobres, justos e honestos do que nós, eternos subalternos no sistema de castas planetário. Tolos; mal sabem o quanto de corrupção, imoralidade e perversão existe nestes países ditos “desenvolvidos”, e o quanto a diferença entre eles e nós não está na sua essência ou na sua “cultura superior”, mas é artificialmente construída por uma narrativa imperialista, e seu desenvolvimento atual é obra de meras circunstâncias históricas e pela força brutal e genocida do colonialismo.

A unidade latino-americana ainda será uma grande potência econômica e tecnológica, apesar do combate incessante que recebe da direita entreguista – o Partido do Silvério dos Reis como dizia o jornalista Barbosa Lima Sobrinho. Todavia, para que a “URSAL” seja uma realidade vibrante e poderosa é necessário antes derrotar a mentalidade dos entreguistas de Bacurau, que ainda se acreditam Vikings loiros e de olhos claros.

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Xenofilia

Conheci durante minha vida um tipo curioso de brasileiro, facilmente destacado nas rodinhas de médicos em corredores de hospital e nas salas de conforto dos centros cirúrgicos. Eu o chamo de “xenofílico“.

Defino esse sujeito como o oposto do xenofóbico; é o cara que ama o que vem de fora. É um sujeito – via de regra muito pouco viajado – que não se cansa de elogiar tudo que vem de outros países, em especial da Europa, enquanto adora depreciar tudo e todos à sua volta por serem “brasileiros”. Adoram contar a piada de que Deus fez o país mais lindo e mais rico do mundo, mas em compensação encheu com esse “povinho” medíocre, egoísta, escurinho, subletrado e ignorante.

Enquanto descreve as mazelas de ser brasileiro, descreve com água na boca a cidade de Buenos Aires e sua população “culta e loira”, seus cafés, suas livrarias e depois nos conta com indisfarçável prazer da viagem que fez a Paris e como se sentiu em casa diante de toda aquela civilização. Conta dos museus, das roupas, das ruas limpas, mas sempre esconde as feridas que nestas sociedades ainda se mantém.

Esse sujeito, além disso, não se enxerga brasileiro. Não se sente responsável pelo atraso que testemunha. Acredita-se vivamente injustiçado, pois que seu lugar seria justamente próximo de seus iguais. Acha-se um europeu asilado. Como na música de Chico, acredita que Deus é um sujeito gozador e adora fazer brincadeiras e, só por isso, na barriga da miséria ele nasceu brasileiro – e ainda no Rio de Janeiro.

Aqui no sul os xenofílicos tem sobrenome italiano ou alemão. Lia-se nos para-choques de seus carros “Mi son talian, grazie Dio“, que em dialeto vêneto quer dizer “Graças a Deus sou italiano”.

Mesmo? Onde? Em verdade a frase justa e honesta seria “Graças a Deus eu não sou brasileiro“, porque realmente não se consideram como o resto da população. São de outra cepa, muito mais limpa e nobre. Olham com desprezo para os outros, os “pelo duro”, com suas peles mais morenas e cheias de Silvas, Souzas ou Oliveiras nos nomes, uma infinidade de mesmices patronímicas vulgares que desvelam a ausência de estirpe.

Em Bacurau estão representados naquele casal que olha para os gringos e lhes dizem: “nós somos como vocês“, alguns minutos antes de serem exterminados pelos estrangeiros, os mesmos que tanto admiravam. Para estes xenofílicos, a posição “diferenciada” em relação aos seus irmãos brasileiros parece palpável, mas aos olhos de quem os governa são todos igualmente “cucarachas“.

Eu também sonho com uma sociedade sem fronteiras e sem barreiras de qualquer tipo. Entretanto, não acredito que esta sociedade será construída pela simples supressão da autoestima dos povos por ora oprimidos. E acho muito mais honesto – apesar do meu nome cheiro de referências estrangeiras – assumir-me gloriosamente brasileiro, chinelão, cucaracha, com tudo o que isso representa de bom, de triste, de inovador e de poderoso.

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