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Teias

No século XV, um padre no norte de Portugal chamado Francisco da Costa, teve 299 filhos de 53 mulheres diferentes, entre elas várias parentes diretas. Por causa dessa vida pecaminosa e recheada de escândalos, ele foi condenado pela igreja de forma exemplar. Sua sentença foi “Francisco da Costa será degredado de suas ordens e arrastado pelas ruas públicas nos rabos dos cavalos, esquartejado o seu corpo e postos os quartos, cabeça e mãos em diferentes distritos, pelo crime que foi arguido e que ele mesmo não contrariou”.

Entretanto, não foi tão ruim o final de vida do padre devasso. “El-Rei D. João II lhe perdoou a morte e o mandou pôr em liberdade aos 17 dias do mês de março de 1487 com o fundamento de ajudar a povoar aquela região da Beira Alta, tão despovoada ao tempo”. Ou seja, os mesmos atos de devassidão poderiam ser vistos como criminosos, indecentes, brutais e inconsequentes, ou como acões positivas para um bem maior, ou seja, o povoamento da região desértica daquela parte do reino de Portugal.

É dito que Napoleão Bonaparte falava que “são tantas as leis que qualquer cidadão corre o risco de ser guilhotinado”. Ou seja, dependendo da interpretação de um magistrado, sua cabeça poderia não valer nada, bastando para isso variar o humor com o qual ele lhe julgaria. Se ele tivesse acordado com constipação pela manhã, sua cabeça poderia estar numa cesta, à noite. Uma ação comezinha e banal poderia ser interpretada como grave, bastando para isso os interesses envolvidos.

Balzac dizia que a lei é uma “teia de aranhas curiosa, que deixa passar os grandes insetos e aprisiona os pequenos”. A sentenças que inocentam figuras nefastas da política brasileira servem para mostrar que a boa vontade dos que julgam é muito mais importante e determinante do que os fatos concretos e a própria lei. Para quem é um inseto minúsculo – o cidadão comum – é forçoso aceitar que uma justiça dos poderosos jamais vai produzir equidade. A devassidão e a imoralidade das práticas de um juiz corrompido pela vaidade e pelo poder não receberam – e não acredito que venham a receber algum dia – qualquer punição ou mesmo reprimenda. Para estes insetos gordos, as teias da lei são frágeis e inoperantes.

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