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Uma Crítica à Veneração

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(Um elogio à iconoclastia sistemática)

Será mesmo que podemos abrir mão da iconoclastia?

Serão realmente desnecessários os franco-atiradores que tentam solapar as “verdades” que com tanto amor nos aferramos?

Veja bem, não tenho nenhum gosto especial em ler os escritos difamatórios contra personalidades ou ideias. Entretanto, não serão eles apenas remédios muito amargos que necessitamos tomar para a depuração de uma doença insidiosa chamada “veneração”? Não serão eles importantes elementos para a cura da nossa credulidade cega nas personalidades e descobertas do passado? Não serão fundamentais tais críticas para que possamos enxergar o que de humano havia por detrás de figuras mitificadas da ciência, filosofia, artes e do conhecimento em geral?

Sei que a busca insana pela iconoclastia é aparentemente obsessiva, talvez até doentia. Mas e daí?

Entendo que a iconoclastia pode trazer prejuízos à sanidade de quem a professa ao apresentar um viés mais obscuro aos fatos, para contrastar com o nosso, que é suave e brando com as falhas de nossos mentores. Entretanto, a insanidade do nosso irmão pode ser de ajuda para se chegar mais perto de uma verdade límpida.

Seria lícito impedir críticas a Einstein, provando a falsidade de algum dos seus experimentos, apenas porque ele “não está aqui para se defender“? Ora, nenhum físico realmente sério desprezaria FATOS em nome do culto à personalidade do mestre de outrora. Se tais fatos forem mentiras, cairão por terra com o passar do tempo. Se forem, entretanto, verdades é importante que estejamos preparados para assimilá-las.

Repito: não há porque eleger figuras intocáveis nas ciências e nas artes, como de regra em nenhum ramo do conhecimento humano. Os gurus são paralisantes, e sua existência depende do esvaziamento de seus seguidores. Eliminar indivíduos “acima de qualquer suspeita” é humanizar o conhecimento e a “verdade”.

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Elitismo e Meritocracia

Sobre um texto que li hoje criticando a “meritocracia” e o “elitismo” do movimento de humanização do nascimento.

Aliás, já vi esse texto – escrito por outra pessoa e com palavras semelhantes – há há muitos anos na Internet e de forma repetida. Provavelmente a autora nem se apercebeu de como seu discurso está defasado no tempo. Esse debate sobre “elitismo” no movimento de humanização do nascimento tem mais de uma década e meia, e surgiu ainda nos encontros virtuais nas listas de discussão das “amigas do parto”.

Por acaso este texto surgiu na mesma semana que li outro artigo sobre as pessoas que reclamam de quem faz, mas, em contrapartida, não fazem nada. A autora mesmo diz não ser militante do parto humanizado, que não é algo que a envolva de corpo e alma, e isso para mim significa: “não me envolvo nessa temática, nunca fui à rua lutar por partos dignos, nunca dei minha cara à tapa, nunca fui xingada por ser a favor do parto normal, nunca fui perseguida pelas minhas ideias sobre nascimento, não compreendo muitos dos termos, nunca lutei por esta bandeira, mas quero criticar bastante quem o faz”.

Todo o texto dela é embasado em UMA grande crítica: as coisas que o movimento de humanização ainda não fez. As críticas vem pelo vazio gigantesco do “ainda não feito”. Tentem imaginar descrever QUALQUER movimento ou pessoa baseado no que ele NÃO fez, e desreconhecendo tudo o que protagonizou em sua vida ou percurso.

“Descartes era genial, porém feio; Pelé era um bom futebolista, mas como goleiro era medíocre; Jesus brigou no templo e se enfureceu, e isso é pecado; Darwin revolucionou o mundo como o conhecemos, mas era deprimido; Marx era um pensador revolucionário, mas um péssimo pai de família; Freud transformou o mundo ao abrir as portas do inconsciente, mas era fixado em sexualidade; Galileu Galilei enfrentou seus algozes com bravura, mas mentiu… apenas sussurrou i pur si muove…”

Reclamar de fora, sem enfrentar, apontando dedos, chamando de elitistas os poucos profissionais médicos, de enfermagem, obstetrizes e doulas que tiveram a coragem de sacrificar a própria segurança pessoal em nome de uma ideia é um ato grosseiro e insensato. Chamar de “elitistas” pessoas que vivem honestamente do seu trabalho é agressivo e injusto. Chamar de “meritocrático” apenas por mostrar às mulheres que SIM, a tarefa de mudar o sistema depende DELAS (não confundir com a ideia de que a CULPA é delas) é tentar fazer “fogo amigo” com palavras de ordem e agressões sem sentido. Dizer que nada é feito pelas mulheres negras e pobres do SUS é cegar-se às iniciativas pelo parto humanizado no ISEA e Sofia Feldman, entre outros.

O artigo é tudo, menos brilhante e atual. Como eu disse, essa queixa de caráter vitimista (uma tentação quase insuportável no meio em que a autora circula) tentando colocar a responsabilidade em alguém é retrógrado e inútil. “Ei vocês aí… façam alguma coisa pelas mulheres negras, chinesas, iranianas e nigerianas. Vocês só trabalham para quem pode pagar. Trabalhem de graça, sejam sacerdotes. Enquanto isso, eu continuarei ganhando meu dinheiro e cobrando bem por cada hora que dispensar no meu trabalho. Mas VOCÊS tem obrigações conosco, e estamos de olho”.

A responsabilidade para mudar o sistema é das MULHERES, com a ajuda de todos nós. Muito fui achincalhado quando tentava ajudar o movimento de mulheres, a ponto de precisar me afastar para sempre de qualquer ação nesse sentido, mas a queixa era sempre essa: “não se meta, não tente protagonizar uma luta que é nossa”. Pois bem, lição aprendida. A luta é MESMO das mulheres, é responsabilidade delas, a mudança partirá delas e o esforço deverá ser de quem leva o parto no próprio corpo. Nós, ativistas, podemos apenas apoiar e debater, sem retirar o protagonismo de quem é de direito.

Todos nós concordamos que é necessária uma expansão do discurso e da prática. O que deixa desanimado é que o tom é sempre agressivo, ressentido e acusatório. É o mesmo tipo de agressão contra figuras como o Jean Wyllys, agredindo-o por tudo que ele NÃO fez pelos homossexuais ou negros, ao invés de ajudá-lo a expandir sua ação e oferecendo ajuda para esta tarefa. As acusações são, via de regra, levianas e acusam os profissionais de serem interesseiros, movidos por dinheiro, como se houvesse culpa na qualidade de destes colegas, e que eles deveriam trabalhar graciosamente. Normalmente quem faz este tipo de acusação NUNCA se dedicou às causas que critica. Mas, vamos deixar claro que nada disso é novidade. Como eu mesmo salientei este é um dos famosos assuntos “iô-iô”, que vez por outra voltam a bater na mesma tecla das falhas do movimento de humanização, principalmente por causa dos médicos privados e suas cobranças.

O texto ao qual me referi atinge inclusive as doulas, responsáveis diretas pela mudança lenta e gradual da ESTÉTICA do parto, ao acrescentarem doçura, suavidade e afeto nos ambientes de parto. Pois até elas são tratadas como “dinheiristas“, e com o mesmo padrão de crítica: “Ah, mas só pra quem pode pagar, né?“, como se fosse responsabilidade das pobres doulas a mudança da mentalidade das maternidades públicas. Ora, se nós achamos que as doulas são importantes para as mulheres “negras e pobres” do Brasil, é preciso pressionar e exigir do vereador, deputado, dono de hospital ou gerente de maternidade, para que se crie um sistema que incorpore o trabalho das doulas ao SUS. Falar mal do atendimento que as doulas ainda não fazem é, como eu disse acima, injusto e cruel.

A transformação profunda na assistência às mulheres negras e pobres no parto, entre outras mazelas que ainda precisamos eliminar, virá quando pararmos de agredir os poucos profissionais que levam este debate adiante – e que pensam em transformações sensíveis na maternidade – e partirmos para uma ação POLÍTICA organizada e em bloco. A maioria dos ativistas médicos que conheço está fora do sistema público de saúde, e faz seu trabalho na abrangência de suas possibilidades. Não há como pedir para médicos que atendem no consultório que mudem o SUS, já que não podem agir nesse campo. Para isso é preciso que as mulheres, com a ajuda dos movimentos sociais, EXIJAM mudanças no Sistema Único de Saúde. Entretanto, parar de culpar os profissionais (e os movimentos) pelo que AINDA não fizeram é um bom começo de trabalho.

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Camille Paglia

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Fiquei emocionado ao ler esta entrevista da Camille Paglia e perceber que suas ideias sobre gênero, feminismo e maternidade são as mesmas que defendo há tantos anos, pelas quais já paguei um preço bastante salgado. Sinto-me também aliviado ao perceber que os ataques a estas propostas e visões de mundo não são exclusivas de celebridades como ela, mas de todos que ousam estabelecer uma crítica e um olhar severo sobre os (des)caminhos da cultura ocidental, mormente no que diz respeito aos choques inexoráveis entre homens e mulheres na luta por sentido em suas vidas.

Camille Paglia tem a segurança e a firmeza que apenas as pessoas verdadeiramente cultas e preparadas possuem, e suas palavras – por vezes ácidas – tornam-se doces ensinamentos quando permitimos que se aproximem de nossa razão mais profunda.

Veja abaixo a entrevista dada à Folha SP

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