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Genialidade

Eu penso que todas as coisas que já fiz, tanto as “boas” quanto as “ruins”, são basicamente sintomas, fenômenos adaptativos psíquicos aos dilemas, dramas, tragédias e desafios que a vida me apresentou. Ou seja: pouco foi realmente produzido por uma inquestionável virtude ou esforço; quase tudo veio como resposta a uma inquietude, um desconforto ou uma dor.

Também vejo o quanto isso ocorre com quase todo mundo; aquele sujeito especial, capacitado ou mesmo genial provavelmente criou suas habilidades e talentos a partir de buracos, faltas, vazios que geraram mecanismos compensatórios muitas vezes plenamente inconscientes. Algo parecido com a vida de vários pensadores europeus, muitos deles feridos pela gigantesca falha afetiva causada pela perda precoce do pai em suas vidas.

Desta forma, a genialidade humana seria muito mais obra das desgraças – grandes ou pequenas – que se abatem sobre nós, agindo como a irritação da areia no interior das ostras, que acaba por provocar nelas a produção das tão admiradas pérolas. Resta reconhecer que somos o produto das nossas quedas tropeços e erros; o resultado do que fazemos de nossas dores

Marie Thérèse D’Arvigny, “La Fleur Cachée”, Ed. Roche-Ambroise, pág. 135

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Escritores

Eu sempre achei que o bom cronista deveria se irritar com os elogios. Não à forma, sua escrita ou ao seu estilo, mas ao próprio conteúdo. Aceitá-los é a rota mais segura em direção ao fracasso. Claro que a todos é sedutora a sintonia da nossa perspectiva com as linhas à frente, e por certo que desperta alegria ver nossa face no espelho de um texto. Muitas vezes nos entusiasma e emociona ver um articulista fazer eco com as nossas ideias, a ponto de sermos capazes de terminar as frases em pensamento, tamanha a identidade que com elas criamos.

Entretanto, essa é a paz do escritor, uma praga entre aqueles que escrevem, e o homem de ideias jamais deveria se contentar com ela. A escrita deveria ser sua espada, para ferir e separar; cortar e destruir. O homem das palavras nunca poderia se deixar seduzir pela glória fugaz das concordâncias. Deveria, isto sim, por um ato de fé, fugir dos elogios e das palavras de estímulo. Em verdade, deveria se esconder de quem o segue e admira.

Criar é ferir. Quem produz ideias não pode esperar que aqueles, acostumados com os padrões, aceitem pacificamente o sopro da mudança. Se há algo de transformador em um pensamento feito letra é o seu espírito de destruição.

Escrever é afrontar. Quem escreve pretendendo ser aceito desperdiça o que existe de melhor em sua arte.

Juan Irigaray, “Cien Díaz para Entenderte”, ed. Solimar, pág. 135

Juan Rodriguez de Irigaray é um escritor cubano, nascido em Matanzas em 1935. Participou da primeira investida guerrilheira na ilha no “Assalto ao quartel de Moncada” em 1953 e acabou preso junto com seus parceiros de luta. Foi companheiro de cela de Fidel Castro e junto com ele foi para o México quando da anistia oferecida aos revolucionários pelo presidente recém reeleito Fulgêncio Batista. Escreveu na prisão um livro de “poesias de guerra” chamado “Se eu morrer chamem Amália”. Participou da tomada de Havana em 1o de janeiro de 1959 e depois foi auxiliar na construção do sistema público educacional do governo revolucionário. Casou-se com Maria Teresa Barrios, uma grande dama da música cubana. Escreveu vários livros de contos e um romance ambientado na guerrilha da revolução cubana chamado “Lágrimas sobre Havana”. Morreu em 2005 de causas naturais.

* Na foto, especula-se que Juan Irigaray seja o de pé à esquerda, marcado com um “X”

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