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Médicos

Na verdade essas recomendações de exames médicos anuais, ou mesmo bianuais, se prestam a um sistema de controle biomédico sobre a população, agindo como uma “polícia da saúde” que constrange os sujeitos para que entreguem sua intimidade aos profissionais da saúde. Trata-se de um projeto higienista que coloca os profissionais de saúde na posição de “juízes dos comportamentos”, interferindo na alimentação (você está proibido de… complete com o vilão alimentar da moda), na vida social, nos sentimentos (aqui entra a criminalização da tristeza), nos desejos (aqui o papel fundamental da medicina na criminalização das práticas heterodoxas da sexualidade) e na vida política (e aqui podem entrar os médicos que fazem proselitismo político em consultório). Cabe ainda lembrar dos casos de médicos denunciando mulheres que fizeram abortos, numa atitude policialesca e que viola de forma grave o pacto de confidencialidade – que é o centro da ética profissional. A discussão contemporânea de denúncia compulsória de violências de gênero – que também violaria a confidencialidade – entra no mesmo debate.

Essa função social do médico (tão bem descrita por Foucault) ainda está ancorada em uma gigantesca e multibilionária indústria farmacêutica que transforma os médicos em “despachantes de drogas”, criando e mantendo pacientes escravizados a substâncias químicas, seja pela dependência direta da ação das drogas, ou pela vinculação psicológica, produzida por uma narrativa centrada no valor curativo de elementos externos – como drogas e cirurgias – que em última análise reforçam e mantém o poder médico. A medicina contemporânea acaba se tornando tanto um poder político quanto um braço que sustenta o patriarcado e o capitalismo.

Lembro apenas as palavras do meu querido Max, que há mais de 30 anos me afirmava “A medicina como projeto de cura vai se tornando paulatinamente mais diáfana e sutil, até o ponto em que se torna pura pedagogia…. e empatia.

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Medicina totalitária

Palavras da Melania que eu subscrevo. Aliás, falo sobre isso há 30 anos. Eu dizia algo mais radical ainda: “Não existem exames inofensivos”. Na verdade, não existe consulta médica, mesmo que consista de uma simples troca de palavras, que seja incapaz de fazer algum mal.

Quando eu era estudante de medicina, e nos primeiros anos da minha prática, estava no auge uma filosofia de atenção médica centrada na prevenção. Entretanto, a prevenção não se baseava numa modificação do estilo de vida – como se fala hoje – mas no incremento de exames e avaliações na esperança de “descobrir onde o mal nasce e destruir sua semente”.

Uma cena não me escapa da memória. Andando na rua depois de um atendimento domiciliar fui parado por dois sujeitos sentados na mesa de um bar. Perceberam que eu era da área da saúde pelo uniforme e pela ambulância estacionada. Eles me chamaram com um “psiu” e um deles perguntou:

– Nesse seu pronto-socorro quanto custa um “checápe total”, dos pés à cabeça, tudo quanto é exame?

Sorri e disse que no pronto-socorro não se faziam exames desse tipo. O amigo então, do alto de suas várias cervejas, dispara:

– Liga não doutor, o que ele queria saber mesmo era só o exame de próstata.

Pois passados 40 anos eu vejo a derrocada de um modelo de atenção que fez sucesso e agora reconhece seu ocaso. Fica cada vez mais claro que investir freneticamente em exames e investigações em excesso, como forma de triagem, não demonstrou nenhuma melhora da saúde ou sobrevida de pacientes.

Nem exames da próstata.

Tidavia, atacar uma ideologia medica higienista de “controle absoluto” e vigilancia é tocar nas estruturas badikares da orofissao. Quem resolve enfrentar a ignorância só pode receber ignorância como resposta. Existem muitos interesses envolvidos na proposta de um “Estado Médico Total” onde o sujeito só pode comer, urinar, trepar, reproduzir e até respirar se for supervisionado e autorizado por um médico. É a sociedade se vergando à medicina como ideologia totalitária. Chegará um dia onde o sujeito só terá autorização médica para defecar cada 48 horas.

Opsss…


“E já que há tanta gente chocada com a ideia de que não é necessário exame ginecológico de rotina anual em mulheres assintomáticas (com mais um tanto me mandando estudar, como sempre), vamos acrescentar algumas outras informações chocantes, principalmente para quem adora ir ao médico e já vai dizendo que quer realizar os famosos “exames de check-up”. Mais de uma pessoa já me disse que tinha o sonho de entrar em uma máquina que rastreasse seu corpo inteiro procurando os mais mínimos tumores.

Então: a revisão sistemática Cochrane atualizada em 31 de janeiro de 2019 incluiu 17 artigos dos quais 15 contribuíram com dados, um total de 251.891 participantes. Check-up de rotina não reduz a mortalidade global, nem a mortalidade por câncer e doença cardiovascular. Não houve efeito na incidência de doença coronariana isquêmica fatal e não fatal nem de AVC fatal e não fatal. A conclusão dos autores é que é improvável que os exames de check-up geral sejam benéficos.

Na verdade, mesmo a efetividade de exames para rastreamento de alguns cânceres tem sido fortemente questionada, como tireoide e próstata.

“Mas eu me sinto mais seguro e o exame não faz mal”. Ora, alguns exames fazem, porque geram resultados positivos que irão acarretar outros procedimentos ou o tratamento de doenças que não iriam nem prejudicar o paciente nem provocar a sua morte.

Notem que estamos falando de exames realizados de rotina em indivíduos saudáveis e não de exames indicados por algum motivo em indivíduos doentes. E aqui estamos avaliando globalmente os tais “exames de check-up”. A maioria das sociedades ou diretrizes irá ter recomendações específicas de rastreamento de diversas condições clínicas, considerando características individuais e fatores de risco.

Porém, é necessário ter uma visão crítica. Há estratégias muito mais efetivas para quem morre de medo de ter qualquer dessas doenças, que é a modificação do estilo de vida, com dieta saudável, prática de atividade física, abolição do fumo e restrição do consumo de bebidas alcoólicas.

Não adianta me esculhambar. Vão lá discutir com os revisores da Cochrane.”

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