Arquivo da tag: saberes

Analfabeto

Mia Couto, nesta imagem acima, reconhece a relatividade dos seus saberes quando confrontados com saberes outros, muitos deles completamente desconhecidos pela nossa experiência sensorial cotidiana. Esta é a mesma perspectiva que o biólogo Jared Diamond descreveu em seu livro “Armas, Germes e Aço” sobre sua convivência entre os bosquímanos da Nova Guiné. Conta-nos ele que, em uma específica situação na floresta da Guiné, Jared e um grupo de nativos ficaram presos na floresta, sem comida e sem poderem avançar, pois nativos de um grupo hostil os haviam cercado. A solução foi aguardar a chegada do dia para encontrar uma rota de fuga segura. Atingidos pela fome, resolveram procurar víveres ali mesmo na mata, e assim um dos aborígenes saiu pelos arredores para coletar cogumelos. Armaram suas barracas simples e aguardaram a chegada do nativo com o jantar improvisado.

Em alguns minutos o jovem trouxe uma sacola cheia de cogumelos de vários tamanhos, cores e tipos. Jared, do alto de sua arrogância ocidental, perguntou se ele tinha certeza de que aqueles cogumelos eram comestíveis e não venenosos. Como bom ocidental, tinha apenas o conhecimento superficial de que existem cogumelos alucinógenos e até alguns capazes de produzir intoxicações mortais. Indignado, o nativo, auxiliado pelo tradutor, começou a falar ininterruptamente, e deu uma aula completa sobre os 50 tipos diferentes de cogumelos daquela região, além dos locais onde podem ser encontrados, seu sabor e suas qualidades medicinais.

Foi uma dura lição para o explorador branco e cosmopolita. Naquela região o desengonçado, o inculto e o analfabeto era ele.

Deixe um comentário

Arquivado em Pensamentos

Paulo Freire 99

Essa frase de Paulo Freire sempre me perseguiu, e durante muitos anos. Infelizmente, não somos dados a conhecer saberes alheios, visões diferentes e encarar paradigmas desafiadores. Muito é perdido quando nosso conhecimento impõe viseiras que nos impedem de olhar para fora da nossa caixa de conhecimentos.

Para mim, um dos mais vibrantes ensinamentos foi o contato com as parteiras tradicionais mexicanas, convidado por Robbie a conhecê-las em suas viagens por Temixco, Tepostlán, Cuernavacca, San Miguel de Allende, Oaxaca, San Cristóbal de las Casas e o “DF”, a Cidade do México. Com elas pude ver que era possível enxergar o parto de uma forma “diferente”, nem pior e nem melhor, mas diversa daquela que eu havia aprendido na escola médica.

Curiosamente, mas não de forma surpreendente, muitas destas parteiras olhavam para mim como “el doctor“, aquele que trazia o “conhecimento autoritativo“, que seria superior ao saber acumulado em décadas por elas, com suas “sobadas“, o uso de ervas, do rebozo mexicano e, em especial, a abordagem emocional do parto e as divisões sutis e quase diáfanas entre os ambientes privados e públicos no seu trabalho.

Jã na minha perspectiva elas eram professoras e eu apenas um médico inseguro cuja única virtude era saber que havia outras formas de traduzir o nascimento para além do que eu havia aprendido.

Paulo Freire nasceu há quase 100 anos e, seja pelos seus ensinamentos diretos seja pelas mensagens e ideias que ficaram, ele é um grande marco na educação e na pedagogia para o mundo todo. Eu espero que a ideia democrática de respeito aos saberes, de forma livre de hierarquias, siga como um farol a iluminar sua obra.

Deixe um comentário

Arquivado em Pensamentos