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ETs

Curiosamente (mas não de forma surpreendente) as ideologias contemporâneas que falam de migrações interplanetárias e que incluem a interação, aqui na Terra, de seres de outros planetas – reptilianos, sirianos, alienígenas nórdicos, pleiadianos, etc – sempre se estruturam a partir de “raças”, “clãs”, “estirpes” e “falanges”, constituídos de formas distintas e sobre hierarquias morais (seres de luz, de cura, das trevas, guerreiros, etc.), o que diz muito mais sobre as pessoas que adotam estas visões escatológicas e menos sobre as características específicas ou a plausibilidade de tais ideologias. Ou seja: as pessoas criam ficções baseadas em suas próprias visões de mundo, tipicamente estruturadas em classes e hierarquias. Nada muito diferente da maneira como traduzem o contexto à sua volta.

Em uma sociedade que produz diferenças essenciais entre os humanos, do racismo explícito às classes sociais, parece natural que nossa ficção científica reproduza esta perspectiva divisionista. O que me parece mais chocante é que, para analisar a humanidade, ou mesmo estruturas sociais alienígenas, somos levados a fazer uma leitura muito superficial do sujeito. Para quem acredita nestas histórias, os seres humanos podem ser classificados de acordo com sua aparência externa e sua persona social, a imagem que vendemos aos outros, negando o fato de que todos temos um “lado B”, uma sombra escura e ameaçadora, uma história escondida de desejos, mentiras, falsificações, fraudes e ações egoísticas.

Não há santo ou benemérito que sobreviva ao escrutínio selvagem de sua existência. E, ao mesmo tempo, não há criminoso, bandido ou monstro que não tenha doçura, carinho e afeto escondidos nas dobras profundas da sua alma, encobertas pelas crostas sangrantes das feridas abertas. Somos seres múltiplos e complexos; qualquer definição será limitante ou oportunista. Carregamos dentro de nós o germe da santidade e a cicatriz da mais violenta maldade. O que deixamos aparecer em nosso rosto é apenas a maquiagem enganosa do ego.

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Emaranhado

Machado de Assis também estava errado ao dizer que “o ladrão já nasce feito”, e que a ocasião apenas oportuniza o crime. Essa proposta é de um essencialismo brutal e imobilizante pois, se admitirmos que o caráter é inato, infenso aos condicionantes sociais e às necessidades artificiais criadas pelas sociedades de classe, então teremos de aceitar os determinismos lombrosianos de que o caráter deformado é uma marca de nascença, e nenhum processo educativo seria possível.

Não aceito esta perspectiva, e creio mesmo que a ocasião também faz o ladrão. Basta uma leve investigação no mundo ao seu redor para perceber que muitos sujeitos de caráter dúbio atravessam a existência com aparência de honestos apenas porque a ocasião adequada não lhes foi ofertada pelo destino. Outros, sucumbem à pressão dos desejos e se atiram nos atalhos da vida, mas suas falhas apenas se tornam escândalo quando a porta da oportunidade se abre. Prefiro crer que entre o Santo e o Criminoso se ergue um tênue e translúcido véu, onde o acaso têm um fator preponderante em sua tessitura, e que a razão para suas rotas divergentes se esconde no emaranhado de escolhas e circunstâncias que os envolvem.

Dionélio Souza Ribeiro, “Encruzilhada das Letras”, Ed. Panteão, pág 135

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Eu vi Pelé jogar…

Pelé e Alcindo Marta de Freitas na inauguração do Colosso da Lagoa – Erechim, em 2 de setembro de 1970. Grêmio 0 x 2 Santos.

… e todos que dizem isso revelam inexoravelmente a idade. Porém, só quem foi menino e jogou bola nos anos 60 e 70 pode entender a verdadeira dimensão desse acontecimento. Sendo gaúcho, e vivendo numa época em que as transmissões de TV eram precárias, isso significa que você teve a rara oportunidade de testemunhar a presença de um Deus.

Um fenômeno como Pelé não existe mais na atualidade, não na dimensão que ocorreu com Sua Majestade. O fenômeno Pelé só poderia acontecer em uma época anterior ao futebol moderno, quando o jogo ainda se confundia com a arte e o balé, quando os jogadores eram pessoas comuns, gente como todos nós, e não milionários exibicionistas que ganham mais com publicidade do que com a arte dos seus pés. Pelé surge como a “grande esperança negra”, o menino pobre, preto, filho de dona Celeste – uma lavadeira – e seu pai “Dondinho” – um jogador de pouco brilho. Era um Brasil que recém acordava como nação, emergindo do grande trauma do “maracanazo“. Pelé mudou a história desse país, tornou-se menino prodígio em 1958 na Suécia, passou a ídolo e de ídolo para “Rei do Futebol” antes de completar 25 anos. Depois disso ainda foi considerado como o maior esportista de todos os esportes no século XX.

Hoje em dia está cheio de torcedor Nutella que chama jogadores absolutamente comuns de “craque”. Nunca houve nada semelhante a Pelé. Pelé parou uma guerra. Pelé expulsou um juiz de campo. Pelé fez mais de 1000 gols na carreira e levantou 3 copas do mundo em 12 anos. Pelé foi o gênio maior da bola. Eu me sinto feliz por ter sido contemporâneo desse monstro sagrado do futebol e, ainda menino, ter assistido o Rei jogar no Estádio Olímpico.

Tamanha foi sua fama que quando o Santos vinha jogar em alguma cidade – e naquela época eram comuns as excursões de clubes ao exterior – as pessoas iam ao estádio somente para ver Pelé, marcar a presença desse talento em suas retinas, torcer e vibrar por ele. Até eu mesmo fui ver Pelé no Estádio do Grêmio (o Imortal) e meu olhar esteve o tempo todo sobre ele; sua desenvoltura em campo era mais importante que a vitória da minha equipe. Ele era um personagem maior do que o próprio futebol.

Com a morte de Pelé se vai essa mística, que não existe em nenhum outro jogador da atualidade. Morre junto com o Rei o menino que havia em mim e que se encantou com o Deus do futebol.

Nesta foto abaixo é do jogo que eu vi Pelé jogar ao vivo, no Estádio Olímpico de Porto Alegre. Se a foto tivesse resolução adequada eu poderia ser visto na social do velho estádio tricolor, ao lado da cintura do craque Atílio Genaro Ancheta. Siga em paz, Pelé.

Grêmio x Santos, na última partida de Pelé no Estádio Olímpico, 27 janeiro 1974. Na foto, Pelé e Ancheta. Gremio 1 x 0 Santos, gol de Carlinhos.

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