Elas sempre me olharam com desconfiança, mas – verdade seja dita – eu nunca consegui transmitir simpatia a elas. Algumas já reclamaram que sou sério e fechado; mal-humorado, emburrado. E, confesso, não ajudei muito, nos últimos anos, a desfazer essa impressão. Todos os sujeitos sobre quem repousam críticas ou suspeitas acabam desenvolvendo algum nível de paranoia. E não é só com enfermeiras; não converso com meus colegas também, e devo passar a ideia de que sou uma espécie de arrogante depressivo.
Não é verdade. Sou reservado e desconfiado, e tenho receio de constranger pessoas com a minha presença.
As enfermeiras me tratam como alguém que está constantemente desafiando sua autoridade no centro obstétrico, mas isso não está muito longe da verdade. A “escolha de Sofia” a que gestantes se submetem, tendo que optar entre o marido e a doula, sempre me causou inconformidade e indignação, e as enfermeiras chefes percebem isso, de forma muito evidente. Resolvi que a melhor tática seria aceitar a atitude arbitrária e esperar que a pressão das pacientes influenciasse a ação dos gestores do CO.
Minha estratégia parece estar, aos poucos, funcionando, pois sinais de reversão das medidas autoritárias começam a aparecer, de forma gradual, porém sensível. Entretanto, a desconfiança das enfermeiras sempre se mantém.
“Doutor Ricardo, não pode tomar café aqui“, disse a jovem enfermeira chefe. “Se a doula ficar infelizmente o marido tem que sair“. “Não, não pode entrar outra pessoa“. “São as normas, não posso fazer nada“. “Não Dr., ainda não está no sistema. Tenha paciência e aguarde“.
Não, não, não….
Por isso quando a jovem enfermeira me chamou às falas, em voz baixa e quase sussurrando, eu imaginei que estava, mais uma vez, cometendo alguma pequena contravenção, que poderia colocar sua autoridade em risco.
No entanto, a bela enfermeira se aproximou com um pequeno volume branco na mão e colocou-o sobre o balcão que nos separava. Abriu com cuidado até aparecer um disco, um DVD.
Jogou para mim um sorriso tímido e me falou um tanto sem jeito.
– Doutor Ric, poderia dar um autógrafo na minha cópia do ” Renascimento do Parto”? Esse filme foi muito importante na minha formação.
Deu um nó na garganta, e um peso no peito. Trinta anos de relações difíceis e agora a nova geração começava a entender pelo quê tanto lutamos.
Deu vontade de chorar. Quem não?