Qualquer cirurgia é uma violência. Rasgar a carne, romper suas camadas, vislumbrar seu recôndito interior, desvendar seus mistérios; nada disso pode ser feito sem violar, abrir e penetrar. Até o código penal precisa se adaptar ao fato de que na sociedade alguns sujeitos específicos, dentro da lei que se obriga a existir, podem cortar, esfaquear, estripar e estrangular alguém no sentido de produzir-lhe algum benefício.
Para fazer qualquer destes procedimentos é necessário, além do treinamento essencial, um agrandamento egóico que, ao mesmo tempo que destrava os temores, lhe coloca na rota do narcisismo, da vaidade e da temeridade. Eu sempre disse que levei poucos meses – ainda antes de formado – para aprender as etapas essenciais de uma cesariana e realizá-la com sucesso, mas passei os trinta anos seguintes aprendendo a não usá-la como recurso primeiro.
Infelizmente a corporação se preocupa mais com os egos inchados e as fantasias de poder oferecidas aos médicos pela cultura (que eles mesmos moldam e se adaptam) do que com o aprimoramento moral e ético que se segue ao esvaziamento desses egos e à retirada dessas fantasias.