(a partir de uma conversa com Lícia Rocha)

Hoje em dia é cada vez mais comum encontrar casais que se encontram tendo uma tela a lhes conectar. Ou seria a lhes separar? Podem estar até perto, mas também do outro lado do mundo. O que poderia ser visto como uma facilidade de comunicação para pessoas que, de outra forma, teriam que se encontrar por cartas (como há duas gerações passadas) pode ser problematizado para se entender qual o real espectro destas novas relações fluidas.
Esse é um tema excelente e muito oportuno. Até eu mesmo escrevi sobre este tema, logo que ele se mostrou um fenômeno social, quando do início das redes sociais. Eu tinha algumas pacientes que namoravam estrangeiros. Lembro de três delas que me chamaram a atenção: México, Inglaterra e Itália.
Todas moças jovens e bonitas, e eu me perguntava: será que não tem ninguém suficientemente interessante aqui na cidade? Por que elas foram se interessar por sujeitos que moravam a milhares de quilômetros de distância? O que poderia haver de interessante em ter um amor sem substância, sem amassos, sem beijos roubados, sem abraços e sem o dormir de conchinha?
Os caras não tinham nada de especial. Estudantes, engenheiros, funcionários da bolsa de valores. Algumas me mostravam as fotos: sujeitos comuns, alguns bonitos até, mas nada fora do natural do cotidiano. Havia, por certo, uma presunção pequeno burguesa de encher a boca e dizer “…o Luigi, meu namorado italiano”, mas diante do preço alto das ausências eu achava muito pouco como contrapartida.
Um dia uma delas me contou que havia falhado a tentativa de encontrar o namorado, depois de muitos meses de planejamento. Eu respondi a ela “que pena”, pois sabia o quanto aquele encontro havia sido planejado para a sincronia das férias, as viagens que fariam, etc. Todavia, não pude deixar de perceber um sorriso enigmático quando ela me retrucou “pois é, já é a terceira vez”…
Foi neste momento que me dei conta que o desencontro era exatamente o que ela desejava, mesmo que conscientemente lutasse por essa chance de tornar real o que era virtual. Ela queria exatamente isso: jamais se encontrar, pois essa seria a solução para manter acesa, “ad infinitum”, a paixão que tanto acalentavam.
Não é difícil entender porque na distância, no mundo virtual, todo o amor é idealizado. Os ângulos da câmera são sempre perfeitos, as frases são pensadas, os amores não têm defeitos, só vemos as partes boas, as roupas escolhidas, os sorrisos, etc. Também não há despertar com o pé esquerdo, crises de mau humor.
Entretanto, é no dia a dia que se constrói o amor, que é exatamente a ruptura desta paixão – que é “cega”, porque idealizada. No contato com os defeitos e nos conflitos do cotidiano é que aparecem as decepções, onde a figura perfeita se choca com a realidade. Para evitar a queda da imagem sem defeitos, melhor jamais acordar do sonho.
Conheci muitas pessoas viciadas em paixão. Tinham relações loucas, excitantes, malucas e fulgurantes, mas que eram destinadas a durar muito pouco, até que fizesse falta mais uma vez a adrenalina da paixão. Aí, outra paixão era buscada, e novamente gasta até não sobrar fagulha. Vi muitos homens viciados em conquistas, novidades, novas descobertas, mas condenados a ter relações curtas, onde qualquer profundidade era imediatamente rechaçada.
Não duvido que uma relação que começa por uma tela de celular possa se tornar duradoura, se firmar e transformar-se em um grande amor, produtivo e satisfatório. Todavia, as relações virtuais têm essa marca: o desejo construído sempre sobre uma imagem ideal, platônica, mas não pela distância ou pelo afastamento, mas sim pela perfeição desejada, onde os amantes são vultos etéreos no universo das ideias.
Alias… um fator que me chamou a atenção foi o resultado desastroso de TODOS os encontros de que tive contato.
Uma delas foi até o México conhecer o bonitão. Saiu fugida do país depois de um mês, amedrontada pela índole violenta do namorado. Por vingança o sujeito deu queixa na polícia contra ela, como forma de vingança, alegando um furto em sua casa. Quando chegou ao Brasil agradeceu por ter voltado viva.
A que foi na Itália descobriu que o seu grande amor estava casado, mas teve “vergonha de contar”. A menina que namorava um sujeito da Inglaterra (aquela cujo encontro deu errado 3 vezes) finalmente foi encontrá-lo, mas, passado um mês de namoro, romperam quando ela foi embora. Sem brigas, ódios e nem mesmo rancores, mas muito pouco para uma relação que durou anos pela via cibernética.
Lembrei de outra: namoro que durava meses com um portenho de Buenos Aires. Isso foi antes das câmeras, e eles trocavam fotografias. O sujeito era um dentista, separado, dois filhos, 35 anos. Encontro marcado no aeroporto de Buenos Aires e a dura realidade: em verdade se tratava de um cara solteiro, motorista de táxi, 43 anos e que morava com a mãe. Mentiroso ele, não? Sim, mas é bom levar em consideração que ela mandou fotos 30 kg mais magra, peso que ela ganhou depois da gravidez do seu filho.
Isto é: um mundo de fantasias, mas pelo menos nessas minhas histórias ninguém apanhou ou morreu.
Lembrei mais uma: cinquentona, separada, conheceu seu namorado em uma viagem de férias. O sortudo era um português charmoso, advogado, separado e comerciante bem-sucedido. Paixão instantânea. Depois, namoro virtual por uns dois anos. Ela resolve visitá-lo na cidade do Porto. Planos de casar, morar fora do país, etc…. mas a relação durou menos de 24h. Romperam logo depois que ela chegou ao país, criando para ela uma imensa frustração.
Não vamos nos iludir; este é o “novo normal” das relações, a realidade das relações modernas e fluidas, intensas e fugazes. Talvez seja preciso se adaptar. Amores cujos encontros são emocionantes e fulgurantes, mas as despedidas são curtas e brutais. Sumir simplesmente, sem dar qualquer satisfação, é o padrão. Basta apertar um botão e a pessoa desaparece, sem precisar conversar, pedir desculpas, olhar no olho e chorar, sem se explicar e muito menos sofrer um pouco com a indignação e a mágoa do outro.
Onde isso vai nos levar? Não sei, mas temo pelos amores dos meus netos.