Caramujismo

Sonhei que minha mãe me dizia uma das suas expressões prediletas em francês. Chegou-se perto de mim e sussurrou ao meu ouvido – como só as mães sabem fazer.

“Joie de vivre”…

Afastou-se um pouco e, olhando nos meus olhos, sorriu como se tivesse me contado o maior de todos segredos. Arregalou suas sobrancelhas finas como a dizer: “agora que sabes, o que vais fazer?”

Minha mãe sempre teve como uma de suas marcas mais salientes a “alegria de viver”, que poderia ser traduzida como um encantamento pela oportunidade de estar aqui, viva, convivendo com todos, enxergando beleza em tudo e todos e não permitindo que os detalhes – grandes ou pequenos – a impedissem de ser agradecida pela dádiva da existência e do convívio. Era uma otimista irrecuperável, capaz de enxergar ensinamento tanto nos pequenos fatos cotidianos quanto nas grandes tragédias da humanidade. Ela carregava consigo esta marca, a inefável alegria de viver e de conviver.

Ela sempre foi o melhor contrapondo ao caráter sério, sisudo e reservado do meu pai, mas apesar disso ela o adorava, como quem adora um ídolo do cinema. Esta é, aliás, uma marca que me conecta ao meu pai: somos ambos pouca areia para o caminhão que o destino nos ofereceu.

Herdei os traços da minha mãe e o caráter fechado e caramujístico do meu pai. Se fosse possível escolher gostaria de ter recebido dela o “joie de vivre”, a exaltação da beleza pura, a alegria de acordar cada manhã e saudar a oportunidade de compartilhar a vida em todo seu esplendor com quem nos acompanha.

Uma pena não conseguir ser dela o espelho que gostaria.

Deixe um comentário

Arquivado em Histórias Pessoais

Deixe um comentário

Preencha os seus dados abaixo ou clique em um ícone para log in:

Logo do WordPress.com

Você está comentando utilizando sua conta WordPress.com. Sair /  Alterar )

Foto do Facebook

Você está comentando utilizando sua conta Facebook. Sair /  Alterar )

Conectando a %s