O jovem cavalheiro adentrou a loja e pigarreou discretamente anunciando sua presença. Vestia-se de forma simples e discreta, porém demonstrava asseio e cuidado. Tinha o cabelo curto e bem apartado, e suas unhas eram cortadas bem curtas. Na cabeça, o indefectível chapéu “Fedora”, última moda na capital, um artefato que leva o nome da peça teatral de Victorien Sardou, com Sarah Bernhardt.
A jovem Irma captou sua chegada com o canto dos olhos e manteve-se arrumando as flores e as samambaias da floricultura, como se a entrada do rapaz fosse um fato trivial. Todavia, ela sabia que a sua presença significava mais do que uma simples visita. Arrumou-se discretamente, mas manteve o olhar distante. Sabia o que sua entrada trazia e sabia também que hoje era o dia para definir o futuro desses encontros.
Ele passeava com os olhos pelo multicolorido das flores e as vezes acariciava com a ponta dos dedos as orquídeas, os jasmins, as rosas, as camélias, begônias, orquídeas, bromélias, ninfeias, ciclames, grevíleas, prímulas e os chefleur que se misturavam nas prateleiras. Dissimulava um vivo interesse, mas tanto ele quanto Irma sabiam se tratar de uma falsa curiosidade pelo mundo da botânica. Seu interesse era mesmo a jovem atendente, com seu vestido cinza e seus cabelos curtos.
Depois de ziguezaguear por entre as plantas da floricultura encontrou Irma no balcão anotando os pedidos para o fim da tarde. Quando colocou a mão sobre o balcão ela fingiu graciosamente uma surpresa, fechou seu bloco de anotações e sorriu timidamente.
– Como vai Irma? Estava passando aqui pela Barros Cassal e resolvi comprar umas flores para minha mãe. Você está bem?
Ela sorriu novamente e respondeu de forma mais fria do que ele esperava.
– Eu estou bem. Quer ajuda para escolher as flores? Temos lindos cravos e crisântemos que acabaram de chegar.
O jovem sorriu mas não se deu por vencido.
– Em verdade, as flores podem ficar para depois. Gostaria agora de saber sua resposta. Meu coração precisa de um repouso. Não posso mais viver nessa dúvida. Olhe, eu trouxe algo para você.
Colocou a mão em uma sacola que trazia consigo e retirou de lá uma pequena caixinha de papelão atado com fita azul. Como ela titubeasse para segurar o presente com suas mãos de dedos finos ele mesmo desatou a fita e tirou a tampa.
– Achei parecida com você. Linda, delicada, recatada e tímida. Quero que fique com ela, pois ela representa o sentimento que tenho por você.
Irma não sabia o que dizer, mas segurou a pequena figura de porcelana e vestido longo que o jovem colocou em suas mãos. A boneca tinha um rosto delicado e pálido, com bochechas vermelhas e cabelos curtos e loiros.
– Irma, você sabe o quanto gosto de você e eu sei que seu coração ainda não é meu. Entretanto, tenho paciência e posso esperar até que você esteja pronta. Além disso eu…
Irma interrompeu sua fala com a mão espalmada à frente.
– Por favor, não insista. Já conversamos sobre isso. Meu coração pertence ao meu noivo, Olintho. O simples fato de falar com você já me parece pecaminoso. Sou uma mulher comprometida e faria muito bem a nós dois que você não viesse mais a esta loja.
O jovem ainda ensaiou uma nova frase, mas foi interrompido com um “não”, seco e definitivo. A ele não restou nada além de levantar a aba do Fedora num gesto de despedida, saindo para nunca mais voltar.
Irma sentiu o peso da culpa saindo de suas costas. Foi até a ponta da loja e serviu-se de um copo d’água do filtro de barro. Ainda tremia de nervosa, mas sabia que fizera a única coisa certa. Respirou fundo, aguardou uns instantes e voltou ao balcão para finalizar a lista do dia.
Só depois de alguns minutos percebeu que a boneca permanecia sobre a mesa. Correu até a porta, olhou por toda a extensão da Avenida Independência, até onde seus olhos podiam alcançar, mas ele não estava mais lá.
Pensou em devolver, pois sabia seu endereço, mas isso a obrigaria encontrá-lo, o que não desejava. Esse encontro definitivo já havia sido por demais angustiante. Por outro lado, jogar fora uma linda boneca de porcelana lhe pareceu um crime, mas sabia que mantê-la consigo seria uma espécie de traição.
A solução veio simples. À noite, ao voltar para casa, deu de presente a boneca de porcelana para sua irmã Erna, que a guardou como a um tesouro por toda sua vida. Por nunca ter se casado sua irmã presenteou a boneca, já no fim da vida, à sua sobrinha Miriam Elisabete, que a guarda até hoje. Um século já nos separa da história de um amor frustrado, uma boneca de porcelana e uma bela moça comprometida que, alguns anos depois, estaria me segurando nos braços e a quem eu chamaria de “vovó Irma”.