A resistência da pediatria enquanto corporação em abraçar a amamentação como elemento essencial do cuidado neonatal sempre me intrigou. Depois que conheci por dentro esse modelo de medicina amparada por – e disseminadora de – valores capitalistas, tudo fez sentido. A amamentação é gratuita, não gera lucros para a indústria da doença, não aumenta a procura por hospitais, drogas, mamadeiras, fórmulas e médicos. A amamentação e o parto normal nadam contra a corrente, e não empurram a “roda da fortuna” capitalista.
Mais ainda: amamentação produz amor e conexão, elementos que não podem ser quantificáveis ou vendidos em promoção no Black Friday.
A amamentação atua contra tudo que essa indústria precisa: consumidores. Além disso, ela faz parte do arcabouço fisiológico pulsional que cada mãe possui em latência desde o nascimento como elemento transgeracional.
Por outro lado, enquanto a capacidade de parir e a capacidade para amamentar estão inscritas nas habilidades inatas de cada mulher, sua expressão necessita AMPARO SOCIAL, a exata ferramenta que nos acompanhou durante 99% da nossa jornada planetária. Na ausência desse amparo parto e amamentação caem nas redes da Medicina, e são vistos – e tratados – pelo filtro da patologia.
Não é coincidência que parto livre e amamentação fisiológica foram – e ainda são – brutalmente atacados pela cultura do último século, e sua sobrevivência depende de poucos heróis da resistência. Lutar pelo parto normal e livre e pela amamentação alargada são elementos contraculturais poderosos. Uma mulher parindo e outra amamentando nas barbas da sociedade patriarcal são dois liquidificadores ligados de madrugada no condomínio dos caretas.
A plena recuperação da amamentação livre só vai ocorrer com uma reformulação da medicina, seus valores e suas metas, mas esta só vai acontecer com a transformação da própria sociedade onde ela está inserida, deixando para trás o capitalismo e a vida humana baseada no lucro.