Preconceitos

Esse é o cerne do identitarismo: a ideia de que para defender meu grupo não importam as demandas que os outros grupos sociais fazem, igualmente atacados pela sociedade injusta em que vivemos. Para defender uma suposta superioridade de um gênero sobre outro (leia-se sexismo) vale atacar a classe trabalhadora, os pobres, o “lumpenproletariat“, os trabalhadores braçais, os estivadores, todos colocados na posição de “burros de carga”. Pois se o movimento feminista pretende um dia ser uma força ativa na sociedade o ataque ao proletariado é a ação mais insensata possível.

E sim, o sujeito a quem foi endereçado este comentário vai pensar. Seu pensamento será: “ok, esta é uma disputa, nós contra elas”. Os proletários, ao fazerem sua revolução, desta forma já sabem que não poderão contar com quem os trata como tolos animais de carga. E quando estas mulheres saírem às ruas com cartazes “parem de nos matar” de nada vai adiantar gritar, pois estes pobres trabalhadores estarão ocupados no porto, carregando as caixas cheias de produtos que chegam para tornar a nossa vida mais fácil.

“Sem diálogo ou negociação, as batalhas morais beneficiaram os conservadores, já que, historicamente, se associa a eles o monopólio da moralidade. O ativismo e a própria área de pesquisa em gênero e sexualidade contribuíram para sua própria derrota ao lidarem com seus adversários em termos que os favoreciam” (Richard Miskolci, em Extra Classe)

Ou seja: usar as armas do machismo nessa luta apenas favorecerá os conservadores. Essa retórica favorece a narrativa dos machistas que enxergam nessa disputa seu terreno mais favorável. Parabéns ao envolvidos.

Dizer que homens carregam sacos de 50 kg é apenas a verdade. Talvez você nunca tenha visto um caminhão de uma obra sendo descarregado, mas isso ainda é muito necessário. Não só isso: bombeiros, policiais, eletricistas, todos os trabalhadores da construção civil são obrigados a realizar muito esforço físico. E nem vou debater o argumento dele de “cotas para serviços pesados”, mas apenas a resposta absurda que a engenheira deu.

Portanto, não foi ele quem se colocou como “burro de carga”, mas a própria sociedade construída para que estas tarefas duras, arriscadas e perigosas sejam atribuição dos homens. Existem milhões de homens que carregam sacos, pedras, cimento, areia e carregam os móveis para nossas casas. Chamar estas pessoas de “burros de carga” mostra duas coisas: primeiro, a profunda ignorância de uma engenheira (!!!), que não sabe que para certas situações as rodas não ajudam em nada, e o trabalho físico pesado continuará sendo necessário – até que a evolução da tecnologia impeça o sacrifício dos homens nessas tarefas – algo que ainda estamos muito longe. A segunda coisa é que chamar o trabalhador braçal de “burro de carga” apenas afasta qualquer tipo de simpatia para a causa feminista.

Aplaudir esta estupidez dupla apenas atrasa os avanços que são necessários para se criar uma sociedade mais justa. Essa engenheira expôs seu desconhecimento em público, usando um preconceito de classe para tentar combater um pretenso preconceito de gênero. Mais ainda, colocando uma cobertura pouco digestiva de sexismo sobre tudo ao afirmar que “as mulheres são melhores” quando se trata de colocar azulejos, o que não tem nenhuma base em qualquer estudo conhecido – e nem de que os homens sejam melhores neste ofício.

Suco de identitarismo lacrativo. Aliás, quando perguntarem porque os avanços nessa área são tão lentos lembre que estas pessoas fazem de tudo para atrasá-los…

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1 comentário

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Uma resposta para “Preconceitos

  1. Compartilhei no meu blog, sucesso.

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