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When I’m 64

Só quem teve sorte na vida e conseguiu sobreviver à juventude pode escutar essa música dos Beatles e se sentir pessoalmente homenageado. Paul escreveu essa música “When I’m 64” quando tinha apenas 15 anos. Alguns críticos depois chamaram esta canção de “retro-rock”, e Paul a tocava para homenagear seu pai quando ele completou 64 anos. A música fala do medo sincero de um jovem querendo saber se a mulher que amava ainda o desejaria quando tivesse 64 anos. Para isso, mostrava a utilidade que ainda poderia ter nessa idade.

“Eu poderia ser útil, consertando um fusível
Quando suas luzes se apagarem
Você pode tricotar um suéter perto da lareira
As manhãs de domingo iríamos passear
Fazer o jardim, arrancar as ervas daninhas
Quem poderia pedir por mais?”

A verdade é que muito do amor que a nós chega se refere à utilidade; quando essa se esvai com os anos percebemos que somos lentamente deixados de lado. Essa é a lei da vida, e não há porque acreditar que ela não contém sabedoria. O que seria do mundo se os nossos ídolos ainda fossem os mesmos e as aparências não enganassem ninguém? Quando esse amor é recebido por milhões – como os artistas e os políticos – a dor é ainda mais sentida, mais intensa, porque se assenta sobre uma fulgurante ilusão. Para estes, envelhecer é um processo muito mais dramático e sofrido, essencialmente porque a torrente de amor que recebem fecha suas comportas tão logo deixam de ser o material eleito para as nossas fantasias.

Uma grande amiga, que já passou dos 70, mas que foi sempre uma mulher linda, certa vez me contou de sua história com a idade. Disse-me ela que “Há alguns anos, enquanto eu caminhava pelas ruas da minha cidade, eu percebi, com horror e espanto, que os olhos dos homens já não acompanhavam minha trajetória. Voltei para casa devastada, olhei no espelho para entender o que havia acontecido, e percebi que naquela manhã eu havia recebido o primeiro aviso de que não era mais útil ao desejo alheio”. A declaração sincera e triste desta amiga me ajudou a entender e suportar minha lenta e consistente insignificância. Aliás, a música que mais me impressiona sobre o tema da desimportância que nos envolve insidiosamente é “Duchess”, do Gênesis.

Manter-se útil – e amado – até o fim dos seus dias é uma tarefa muito complexa. É necessário reformular completamente a forma de encarar a vida e suas relações. Aceitar limitações, absorver as novas ideias e reconhecer a validade de sua experiência, mas perceber que ela não é a resposta para todas as perguntas. Ficar velho é descobrir a derradeira forma de ser; para alguns sua melhor versão, para outros o reinado do mau humor e do ressentimento. O velho nada mais é do que o jovem sem as máscaras com as quais a juventude convenientemente o escondeu. Para mim, envelhecer significa absorver o que a vida ainda tem a lhe oferecer, enquanto estende a todos o que a vida lhe garantiu graciosamente. Significa também rever seus erros e falhas, reconhecendo sua condição humana falível e frágil. É tempo de dizer adeus às ilusões, e abraçar com fervor as utopias. Era isso…

Feliz-me 64.

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Arquivado em Histórias Pessoais