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Críticas

Acho que neste momento em que as forças do Mal parecem estar confusas e enfraquecidas (mas nem de longe destruídas) depois da derrota bolsonarista, cabe a nós fazer justiça à importância seminal da crítica. Criticar passou a ser ofensivo e maligno nos últimos anos. Eu mesmo, há poucos anos, fui cancelado por uma palestrante de autoajuda por ousar fazer uma crítica às pessoas do nosso campo que engoliam “baits”, iscas bem colocadas por todo tipo de provocador para gerar “engajamento”. Diante das ameaças e ataques a estas personagens fascistas eu dizia, à época, que usar as mesmas armas baixas e violentas de quem nos atacava nada mais fazia do que nos tornar perigosamente semelhantes àqueles a quem – ilusoriamente – imaginávamos distância.

O cancelamento, por certo, fez bem a ambos. Procuro manter uma respeitosa distância com aqueles que atuam no maniqueísmo identitário que destrói as propostas inovadoras de convívio com as diferenças. Todavia, o que eu queria ressaltar neste texto é a importância de manter viva a crítica. É evidente ser impossível realizar juízos severos aos erros que testemunhamos sem correr o risco de ofender pessoas; arriscar-se a ofender está implícito em qualquer análise de valor. Mesmo quando ela é impessoal e técnica ainda assim é possível que o sujeito, alvo da crítica, se sinta pessoalmente atingido. Isso porque muitos ativistas incorporam as ideias como se fossem parte de si mesmos, como fervorosos religiosos que se sentem mor(t)almente atacados se alguém questiona seus dogmas. Criticar a fé das pessoas é ameaçar o próprio crente, pois que ele não distingue suas crenças de si mesmo.

A cultura do cancelamento produziu a estagnação do pensamento crítico estabelecendo barreiras para qualquer análise. Assim, o “lugar de fala” foi usado como mordaça por determinados grupos que acreditavam que uma unidade pétrea de postulados, infensa a qualquer crítica externa, produziria fortalecimento. Pelo contrário: produz fanatismo e atrofia, além de fomentar um contraditório cada vez mais poderoso. O que vemos hoje é o crescimento muito grande de grupos que contestam de forma sistemática as teses pós-modernas sobre gênero, sexualidade, raça, etc. fortalecidos pela postura muitas vezes autoritária, fechada e punitivista daqueles que supostamente defendem minorias.

Essa cultura também produziu a exaltação do individualismo que nos coloca na posição de soberanos absolutistas do gosto. Ou seja: se eu gosto então é maravilhoso e a opinião do outro (não importa se for um estudioso da área) é irrelevante diante da suprema autonomia da minha opinião própria. Mais ainda em campos como literatura, cinema ou música. Nesta última tornou-se comum a ideia de que a trajetória do músico é mais importante do que sua obra. Assim, o passado de pobreza, as fotos de quando era uma pessoa comum, o impacto das dificuldades pelas quais passou e as barreiras que teve de ultrapassar tornam, magicamente, proibidas quaisquer críticas às suas produções e performances musicais. Se o(a) cantor(a) for membro de uma minoria oprimida qualquer juízo será tratado como preconceito ou xxxx-fobia. Com isso produzimos uma geração incrível de artistas medíocres cuja produção não pode ser questionada, sob pena de imediato cancelamento. Criou-se uma blindagem que protege a produção ruim de qualquer comentário negativo.

A necessidade do contraditório e a proteção da crítica são elementos fundamentais em qualquer sociedade. É certo que algumas julgamentos (como certas piadas) são ataques violentos e preconceituosos travestidos de “opinião e análise”. Todavia, o bom observador, percebe rapidamente qual o real objetivo da análise ou do gracejo. Além disso, não se pode cancelar a crítica e o humor sem que haja um transtorno grave na sociedade, o que leva inevitavelmente ao emburrecimento e à estagnação. Mesmo quando ela possa levar à ofensa e ao ataque pessoal – práticas que também merecem censura – ainda assim não podemos permitir que ela seja cerceada.

“Tão triste quanto o retrocesso dessas conquistas, que vimos na era fascista, é vermos hoje uma nova geração com clamor identitário, herdeira de lutas emancipatórias, equiparar-se aos censores reacionários, inimigos da liberdade, em estratégias moralistas patéticas e antidemocráticas. (…) A garantia do ‘lugar de fala’, legítima quando promove, é tirânica quando apregoa que se calem outras vozes e lugares”. (Francisco Marshal, coluna Zero Hora, 25 março 2023)

Para uma análise mais madura e qualificada sobre o tema aqui está o texto do Juremir Machado da Silva.

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Cultura do cancelamento

A cultura do cancelamento, que sacrifica pessoas culpadas ou inocentes, não produz uma sociedade mais moral ou ética, mas fomenta uma cultura de falsidades e mentiras.

Um caso típico é o cancelamento de um famoso diretor americano por grupos feministas com a falsa alegação de que, há 20 anos, teria abusado sexualmente de sua filha. Todas as investigações apontaram para a sua inocência, incluindo o depoimento do seu filho que estava presente na cena em questão. Nunca houve qualquer evidência que comprovasse este crime, e nunca ocorreu nenhum fato semelhante em sua biografia, seja antes ou depois do fato. Investigações independentes da polícia, psicólogos, assistentes sociais foram unânimes: o depoimento da menina é falso e foi ensaiado. Todavia, isso não impediu uma perseguição implacável que dura até hoje.

Entretanto, os atores e atrizes de Hollywood sentem tanto pânico de cancelamento por parte dos “liberais” que quase ninguém ousa enfrentar essa gigantesca patrulha midiática, formada de pessoas ávidas em destroçar carreiras e reputações e prontas a cancelar o futuro desses artistas, políticos, escritores e figuras públicas. E pensar que a “Fatwa” decretada contra Salman Rushdie já foi tratada pelo Ocidente como “barbarismo”, mas hoje vemos que não passa de um cancelamento levado às últimas consequências.

Existe uma prepotência da voz diminuta, o súbito esplendor do “popular”, o sujeito sem brilho que descobre o poder da internet para atacar os ícones da cultura, que tanto ama quanto odeia, por se sentir oprimido pelo seu brilho. Moldados à sua semelhança, os artistas morrem de medo de desagradar a imensa plateia que os sustenta. É por esta razão que os grandes formadores de opinião tem posturas “chapadas” em relação aos temas espinhosos. Ou, muitas vezes, unem-se à turba furiosa acriticamente, apenas para não arriscar a perda de seus benefícios.

Se muitas mulheres preferem acreditar que determinado personagem é machista é melhor concordar do que ser vítima de um ataque massivo por parte desse grupo. O mesmo com a homofobia ou o racismo. Quem ousa denunciar abusos dos liberais? Sim, só a direita.

O resultado é uma cultura de falsidades, não uma sociedade justa ou equilibrada. Um modelo que joga para o extremo e rotula dissidências de forma peremptória e inexorável produz mártires ou covardes, mas não estimula o debate livre ou a oxigenação de ideias. Basta uma simples discordância com os cânones dessas áreas para lhe condenar (eternamente!!) como racista, homofóbico, machista ou fascista, bastando para isso discordâncias simples em detalhes colaterais.

Prisioneiros da opinião pública, pouco resta de sinceridade no que se escreve e se diz. Amordaçados pelo politicamente correto ninguém ousa arriscar, pois que um passo em falso pode determinar o cancelamento total e a ruína. O pior é reconhecer que as vozes mais firmes contra o império da hipocrisia estão à direita, pois que a esquerda facilmente sucumbiu ao discurso dos identitários e às falas politicamente corretas.

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