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Ilusão

Ilusão, ilusão, veja as coisas como elas são… (Chico Buarque)

“Ahhh, mas ela veste o que quiser e ninguém tem nada a ver com isso”.

Acreditar que uma mulher (mas poderia ser um homem nu) se “veste para si mesma” é uma das mais antigas formas de auto ilusão. Não vivemos isolados em ilhas. Talvez Robinson Crusoé ou o náufrago Tom Hanks de “Cast Away” tivessem essa atitude, mas não nós, seres sociais. Roupa é linguagem, é metáfora, é simbólica; é a vestimenta que, ao mesmo tempo que nos esconde e nos interdita ao olhar do outro, desvela nossos conteúdos internos através de códigos sutis. Também muitos dizem que críticas sobre as roupas não caberiam aos outros (em especial os homens), pois que ninguém pode impedir que uma mulher use o que bem entender – o que seria igualmente falso, mas pelo menos não negaria os elementos eróticos das roupas que usamos para cobrir – e revelar – nossos desejos.

A ninguém é dado o direito de ir ao trabalho vestindo apenas cuecas ou de biquíni, sequer dar uma aula de sutiã e calcinha. Ou seja: existe um “dress code” que deve ser obedecido, o qual será determinado pela cultura onde estamos inseridos. Essa história sobre “ela veste o que quiser” todos sabemos que não é verdade; é apenas slogan, palavras de ordem, pois que homens e mulheres obedecem a fatores externos à sua vontade para se vestirem; ninguém é plenamente dono do que veste sobre o corpo. E está certo quem diz que as roupas servem para sequestrar o olhar. São para isso mesmo, para seduzir, exaltar virtudes – quadris, ombros, tórax, seios, lábios – que reforçam os aspectos eróticos do corpo. Essa “inocência” no uso das roupas é falsa; somos todos mamíferos eróticos e entendemos o quanto nosso corpo pode ser um foco de desejo ao olhar alheio.

As outras pessoas são espelhos do impacto que causamos nelas. Escutei há muitos anos uma história do Sartre bem interessante sobre o tema. Certa vez, ao caminhar por um boulevard em Paris, comentou com o amigo que o acompanhava: “Que linda essa mulher que está uns passos atrás de nós”, ao que o amigo lhe respondeu: “Como sabe que é linda se está atrás de nós?“, ao que Sartre sorrindo respondeu “Ora, basta observar o olhar dos homens para ela quando caminham em nossa direção”. Sartre percebeu o impacto que ela – seu corpo e a extensão dele, a roupa – fazia nos homens que tinham a feliz experiência de cruzar o seu caminho.

Na escola aprendi um velho adágio inglês que dizia “There´s more to clothes than to keep warm”; ou seja, existem muito mais nas roupas do que o simples desejo de se aquecer. Elas são acessórios do erotismo humano, e ninguém as usa impunemente. Sim, é sedutor usar a bandeira da liberdade de se vestir, mas é injusto acreditar que a única razão para cobrir a pele da forma como deseja não seja exatamente estimular o desejo em quem nos vê. E essa consciência não significa que devemos voltar a uma forma arcaica de “decência” e pudor, obstaculizando essa livre expressão libidinal, mas pelo menos deveria impedir a ingenuidade de afirmar que alguém se veste a despeito do impacto que causa nos outros. Pessoas são seres de erotismo, e não há nada em nossas ações que não esteja carregado dessa força atrativa.

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Sexualidade masculina

Vocês bem sabem que não sou psicólogo, psiquiatra ou mesmo da área psi. Tudo o que falo é por que sou velho, e os velhos acumulam informações e pensamentos em demasia. Estes, ao mesmo tempo que queimam os folículos pilosos da cabeça, precisam de expressão sob pena produzirem constipação e gases.

Li agora uma placa numa escola americana sobre o “dress code” das alunas, dizendo que cada vez que a escola reclama do comprimento do short – ou da alça do sutiã das meninas aparecendo – estão perdendo uma oportunidade de educar os meninos de que as garotas não são “objetos sexuais”.

Desculpem ficar chocado com isso, mas eu realmente não entendo como pode este discurso ser ainda tão prevalente.

É claro que os abusos devem ser coibidos e até punidos, em especial na escola, pois ali temos crianças em formação. Devemos impedir ao máximo que meninas tenham seus corpos tocados ou invadidos sem autorização. Devemos educar sobre “body shaming”, “slut shaming” (desculpem os anglicismos) e qualquer ato que desmereça as meninas e suas capacidades. Porém…

Meninas são objetos sexuais e não há o que se possa fazer sobre isso. É da nossa constituição psíquica desejá-las. Pedir para um adolescente parar de olhar para as meninas como objetos sexuais faz tanto sentido quanto solicitar a um gay que não tenha pensamentos… gays.

As mulheres são objetos de desejo dos homens desde os primórdios, e só por isso estamos aqui. Por outro lado, é claro que não gostamos da palavra “objeto”, pois ela coisifica pessoas, entretanto o erro está apenas quando REDUZIMOS alguém à condição de objeto, quando todas as suas outras dimensões subjetivas, sociais, emocionais e espirituais são apagadas para ressaltar apenas sua “persona sexual”. O mesmo é feito com os proletários, retirando deles a condição de sujeitos e reduzindo-os apenas a engrenagens inominadas de uma máquina de produção. Portanto, não está na essência, mas na forma como objetualizamos alguém, e na extensão dessa coisificação.

Mas o que me apavora é a ideia que existe por trás deste tipo de cartaz. Parece que, pela brutal incompreensão do que seja a sexualidade masculina, algumas pessoas imaginam ser possível perverter sua expressão para um modelo mais “adequado”, “civilizado”, ou quem sabe mais “feminino”. E veja, não se trata de modificar os modos machistas que ainda persistem – com o que todos devemos concordar – mas mudar a própria essência do desejo objetual masculino, fazendo os homens deixarem de desejar as mulheres, suas formas e seus encantos.

Quem em sã consciência consegue imaginar alguém em uma escola doutrinando meninos adolescentes para que não olhem e não sonhem com as meninas sem que isso esteja em um sketch de comédia juvenil?

Acho que ultrapassamos os limites quando ao invés de combatemos o machismo, a violência de gênero, os abusos, as humilhações e as agressões culpamos a própria sexualidade masculina, como se ela fosse, “equivocada” e suja. A modernidade produziu uma noção curiosa: o desejo masculino heterossexual é o “desejo errado”. Ao invés de tentarmos coibir o machismo e suas ramificações na cultura procuramos inutilmente anular o próprio desejo masculino, o que me parece apenas sexista e criminoso.

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