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Puritanismo no Século XXI

“A jovem puritana”, de David Lipsy

O puritanismo do século XXI, em especial no que diz respeito à sexualidade, é um projeto social absolutamente bizarro. Por trás de uma ideia nobre – a proteção das pessoas contra os abusadores – produziu um sistema social onde a exaltação das virtudes físicas e da atração sexual se tornaram pecaminosas. Ele prejudica mais as mulheres do que os homens, mas sua abrangência e pervasividade na cultura são inacreditáveis. A própria exaltação da beleza feminina e sua inefável sedução passaram a ser vistas como criminosas ou “diminutivas”. O sexo agora é tratado como um contrato asséptico. A beleza passou a ser ofensiva. Qualquer aproximação masculina, pela imantação do desejo, é vista como potencial assédio.

A resposta que me dão é “ahhh, você fala isso porque nunca foi abusado”. Até fui, mas não acho que minha experiência traumática possa servir de regra para o resto do mundo. A cura para a violência sexual jamais será o puritanismo inútil ou a penalização do desejo!! Não se combate o abuso destruindo a paixão e o próprio sexo.

O puritanismo daqueles personagens que dizem defender as mulheres é inacreditável em sua criatividade. E não se trata de um fato isolado; é uma narrativa disseminada que pretende retirar das mulheres qualquer resquício de erotismo, transformando-as em almas impolutas e destituídas de um corpo desejável.

Hoje mesmo minha amiga me dizia que dá graças a Deus ter nascido nos anos 70. Eu, que nasci na aurora dos anos 60, digo o mesmo. Eu me vejo MUITO mais prafrentex e na crista da onda que essa legião de Boko-mokos que perambulam por aí com proibições cafonas. Vejo garotos perdidos e culpados em relação aos seus desejos, martirizados pela atração que sentem pelas meninas, cheios de dedos apontados. Mas vejo igualmente meninas desencontradas, confusas, igualmente culposas, sem saber o que fazer com seus desejos tornados conflituosos.

Falo desse tema porque fui adolescente durante os anos 70 e 80 e fico chocado com a liberdade que tínhamos naquela época, e o quanto disso foi retirado pela onda puritana que assola o mundo. Hoje não é mais permitido “sexualizar o corpo das mulheres” – como se corpos não fossem naturalmente erotizados. Isso é um escândalo. Mulheres não podem mais exercitar sua sexualidade narcísica fora das regras de grupos que tem controle sobre a política dos corpos, e nós homens temos que curtir essa culpa tola por objetualizar seus corpos. O que está acontecendo com o mundo? Por que agora, depois de termos ultrapassado séculos de constrição, a livre expressão do desejo e da própria sexualidade passa a ser pecaminosa de novo?

Mas isso nem é o pior… as vezes imagino o que seria do nosso país se a genialidade de Chico Buarque tivesse esperado algumas décadas a mais para descer à Terra e somente agora resolvesse nascer e ser músico. Chico não poderia cantar NENHUMA de suas canções, pois que todas elas seriam vetadas pela Santa Inquisição da Pureza Virginal.

Felizmente Chico veio antes e escreveu essa pérola, apenas para dizer que essa onda puritana é essencialmente uma agressão à natureza…

“O que será que será
Que andam suspirando pelas alcovas
Que andam sussurrando em versos e trovas
Que andam combinando no breu das tocas
Que anda nas cabeças, anda nas bocas
Que andam acendendo velas nos becos
Que estão falando alto pelos botecos
Que gritam nos mercados que com certeza
Está na natureza, será que será
O que não tem certeza, nem nunca terá
O que não tem conserto, nem nunca terá
O que não tem tamanho

O que será que será
Que vive nas ideias desses amantes
Que cantam os poetas mais delirantes
Que juram os profetas embriagados
Que está na romaria dos mutilados
Que está na fantasia dos infelizes
Que está no dia-a-dia das meretrizes
No plano dos bandidos, dos desvalidos
Em todos os sentidos, será que será
O que não tem decência nem nunca terá
O que não tem censura nem nunca terá
O que não faz sentido”

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Sexualidade masculina

Vocês bem sabem que não sou psicólogo, psiquiatra ou mesmo da área psi. Tudo o que falo é por que sou velho, e os velhos acumulam informações e pensamentos em demasia. Estes, ao mesmo tempo que queimam os folículos pilosos da cabeça, precisam de expressão sob pena produzirem constipação e gases.

Li agora uma placa numa escola americana sobre o “dress code” das alunas, dizendo que cada vez que a escola reclama do comprimento do short – ou da alça do sutiã das meninas aparecendo – estão perdendo uma oportunidade de educar os meninos de que as garotas não são “objetos sexuais”.

Desculpem ficar chocado com isso, mas eu realmente não entendo como pode este discurso ser ainda tão prevalente.

É claro que os abusos devem ser coibidos e até punidos, em especial na escola, pois ali temos crianças em formação. Devemos impedir ao máximo que meninas tenham seus corpos tocados ou invadidos sem autorização. Devemos educar sobre “body shaming”, “slut shaming” (desculpem os anglicismos) e qualquer ato que desmereça as meninas e suas capacidades. Porém…

Meninas são objetos sexuais e não há o que se possa fazer sobre isso. É da nossa constituição psíquica desejá-las. Pedir para um adolescente parar de olhar para as meninas como objetos sexuais faz tanto sentido quanto solicitar a um gay que não tenha pensamentos… gays.

As mulheres são objetos de desejo dos homens desde os primórdios, e só por isso estamos aqui. Por outro lado, é claro que não gostamos da palavra “objeto”, pois ela coisifica pessoas, entretanto o erro está apenas quando REDUZIMOS alguém à condição de objeto, quando todas as suas outras dimensões subjetivas, sociais, emocionais e espirituais são apagadas para ressaltar apenas sua “persona sexual”. O mesmo é feito com os proletários, retirando deles a condição de sujeitos e reduzindo-os apenas a engrenagens inominadas de uma máquina de produção. Portanto, não está na essência, mas na forma como objetualizamos alguém, e na extensão dessa coisificação.

Mas o que me apavora é a ideia que existe por trás deste tipo de cartaz. Parece que, pela brutal incompreensão do que seja a sexualidade masculina, algumas pessoas imaginam ser possível perverter sua expressão para um modelo mais “adequado”, “civilizado”, ou quem sabe mais “feminino”. E veja, não se trata de modificar os modos machistas que ainda persistem – com o que todos devemos concordar – mas mudar a própria essência do desejo objetual masculino, fazendo os homens deixarem de desejar as mulheres, suas formas e seus encantos.

Quem em sã consciência consegue imaginar alguém em uma escola doutrinando meninos adolescentes para que não olhem e não sonhem com as meninas sem que isso esteja em um sketch de comédia juvenil?

Acho que ultrapassamos os limites quando ao invés de combatemos o machismo, a violência de gênero, os abusos, as humilhações e as agressões culpamos a própria sexualidade masculina, como se ela fosse, “equivocada” e suja. A modernidade produziu uma noção curiosa: o desejo masculino heterossexual é o “desejo errado”. Ao invés de tentarmos coibir o machismo e suas ramificações na cultura procuramos inutilmente anular o próprio desejo masculino, o que me parece apenas sexista e criminoso.

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