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Leite e hospitalidade

A China é um lugar fascinante e com uma culinária especial, mas de difícil adaptação para o paladar ocidental. Vou explicar com um exemplo bem simples das nossas diferenças: imagine você morar num lugar onde não existe leite ou laticínios (leite, manteiga, creme de leite, leite Moça, queijos, etc), a carne de vaca é inexistente nos mercados e o pão é um produto raro, sem qualidade e escondido no fundo do supermercado.

Lembro de entrar num gigantesco supermercado com Zeza e procurar algum leite, só por curiosidade. Encontrei em um canto escondido sob a placa “produtos importados” e o preço era o mesmo com que se compra aqui uma garrafa de bom vinho chileno. Queijo nem procurei. Carne apenas de porco e galinha, em grande quantidade. Picanha, então….. nem pensar. O pão e os biscoitos eram muito simples e mal feitos; não existe uma cultura panificadora na China. Chocolates são pura gordura vegetal hidrogenada, sem leite. Entretanto, para quem gosta de frutos do mar, este é o paraíso. Peixes de todo tipo, cor e tamanho.

Durante uma das minhas inúmeras visitas a maternidades e centros obstétricos de várias cidades eu tomei um “porre” de um vinho chinês muito forte à noite, num jantar após o ciclo de palestras no hospital. Depois de ficar tonto desatei a falar das minhas experiências na China, sua gente, sua cultura, sua língua, seus costumes e das diferenças com o meu país. Eles tem uma enorme curiosidade sobre o Brasil e sempre pediam para que eu contasse como é a vida aqui. Para eles o Brasil é um paraíso de luzes, sol, praia, mulheres bonitas, futebol e florestas. A imagem que eles têm é que aqui tudo é bom e tudo dá certo, e que as pessoas são muito felizes. Falei, por certo, da comida, e em especial da falta de leite e derivados, que fazem parte do café da manhã de todo brasileiro. Eles ficaram muito surpresos ao saber o quanto era popular o hábito de tomar o leite de outros mamíferos, algo quase nojento para a cultura local.

Na manhã seguinte – minha despedida da cidade – anunciaram que haveria uma surpresa para mim no café da manhã. Cheia de pompa e circunstância, uma cozinheira do hospital entrou na sala de refeições com uma bandeja dourada na qual se via uma vasilha contendo… leite!!! Fiquei emocionado de pensar o esforço que fizeram para trazer uma especiaria da minha terra só para me deixar feliz. Gente muito boa esses chineses…

Detalhe: odeio leite cru, mas tomei com cara de felicidade, para não fazer desfeita, uma atitude que poderia causar um grave incidente diplomático.

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Mamas?

Aqui está outro debate que coloca algumas ideias culturalmente disseminadas contra a parede e exige delas coerência. A primeira ideia que surgiu como comentário na matéria acima foi a condenação da “amamentação do marido” porque “a sociedade erotiza os seios e a própria amamentação”. Outra crítica que retirei da seção de comentários da revista é que as mamas tem uma função nutricional, e que seu uso para além dessa tarefa seria uma “profanação” e uma “perversão”. A terceira crítica curiosa foi “podem fazer, mas longe da minha visão. Que o façam entre 4 paredes, não precisa esse exibicionismo”. Lembra alguma coisa?

Meu corpo minhas regras, não? Cada um é responsável pelo seu prazer, certo? Cada um sabe a dor e a delícia de ser o que se é, ok? Entre quatro paredes tudo é válido enquanto consensual e feito entre adultos, combinado?

Coloquei uma penca de clichês sobre corpo, sexo e amor consensual. Faltou algum?

Creio que o mito da “amamentação angelical” precisa ser questionado e desafiado na mente das pessoas, em especial das mulheres. Aliás, as críticas a este relato foram todas colhidas de mulheres, que me pareciam fazer uma espécie de defesa através da denegação. Assim, se já temos maturidade suficiente para entender que “parto faz parte da vida sexual normal de uma mulher”, por que insistimos em retirar a amamentação dessa categoria? Por que esterilizamos o ato de amamentar, retirando dele seus óbvios componentes eróticos? Por que insistimos em negar para as mamas e para a amamentação seus óbvias conexões com o prazer? Se as mamas não fossem eróticas, não seriam tão bem escondidas do nosso olhar…

Quanto aos aspectos nutricionais Freud já esclarecia que uma criança não procura leite nas mamas, mas afeto, e se surpreende com a delicia e a maravilha do leite materno. Os experimentos de Harlow (onde os macaquinhos desprezavam a mãe de arame com leite e procuravam a mãe fofinha com água – mesmos às custas da desnutrição) nos ensinaram isso há mais de meio século. Portanto, o seio é o grande objeto erótico da fase oral, mas por certo que os resíduos dessa impregnação sexual nos acompanham por toda a vida. Quanto ao uso “pervertido das mamas”, lembro que toda a construção sexual humana tem estrutura perversa (vide abaixo, Zizek) e que, se a boca fosse feita “somente para comer”, muito do nosso arsenal erótico se desmancharia no ar…

Quanto a “não expor publicamente” isso me remete aos discursos ainda existentes sobre o comportamento dos gays. “Podem ser gays, mas vão se beijar em casa”. Pois eu achei muito pertinente que este casal tenha deixado clara uma fantasia que deve ser compartilhada por mais gente do que pensamos. Por que tanto medo ao ouvir a confissão de uma fantasia alheia?

Porém, acima de tudo, acredito que uma fantasia sexual entre adultos não deveria receber tantas condenações de ordem moral, em especial por parte das mulheres que tão bravamente lutaram pela liberdade de usufruir do prazer que podem obter de seus corpos. Chega de dedos apontados às mulheres. Mamas são eróticas, amamentar faz parte da vida sexual normal de uma mulher. Casais adultos podem explorar sua sexualidade como desejarem. Moralismos são anacrônicos e abusivos. Sexo é legal e quanto mais livre melhor.

E fora Bolsonaro…

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