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O perdão solitário

O perdão é o mais solitário dos sentimentos. Ele não se relaciona com o sujeito cujo crime nos ofende ou maltrata, mas com a nossa percepção do malfeito. Ele também não implica em inocentar quem nos fez o mal. Perdoar não é esquecer ou relevar, mas apenas reconhecer em nós a mesma semente de mal que em outro floresceu por circunstâncias que jamais saberemos por completo. O perdão não é difícil pela gravidade do crime, mas pela imensidão de nossa arrogância.

Maurice Deschamps Faure, “L’épine et le clou de girofle”, Ed. Printemps, pág 135

Maurice Deschamps Faure é um escritor Belga, nascido em Bruges em 1966. Publicou “L’épine et le clou de girofle” (O Espinho e o Cravo) em 2015, durante o período internado no Hospital Center Universitaire de Nice, quando esteve à beira da morte após um acidente com Kitesurf em Nice, na França. Teve múltiplas fraturas e ficou com tração por vários meses. Este livro não foi escrito, mas ditado para sua secretária Marie Claire, para quem dedica o livro.

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Filhos

Uma cena que já vi algumas vezes. Eu me aproximo de um jovem e lhe digo:

Você não tem ideia da importância e da extensão que as ideias da sua mãe tiveram na minha vida. Para ser justo, não seriam suficientes horas de agradecimentos.

Ele me olha de uma forma absolutamente surpresa, como se eu estivesse lhe comunicando algo assombroso. A resposta, e suas variantes, é no estilo “Sério? Bom saber…

“They never had any clue, Ric. My work was invisible”…

Existem, no meu convívio direto, muitas mulheres que me falam de sua vida, seus trabalhos, seus amores e seus filhos. Muitas delas revertem essa ordem, e tratam suas crias como as maiores preciosidades, em torno das quais sua vida gravita. Com o passar do tempo esses filhotes por certo ganham asas e resolvem partir para suas próprias aventuras de viver, e a conexão com eles naturalmente se arrefece e acalma.

Entre essas mulheres existem três a quem considero mais do que brilhantes, e as coloco no patamar de “excepcionais”, talvez imprescindíveis. Lutadoras, inteligentes, bravas, corretas, inovadoras e corajosas. Entretanto, essas três carregam a cruz de uma relação conflituosa com seus filhos.

Na festa de aniversário de uma delas, esta senhora confidenciou a uma amiga: “O presente que eu mais desejaria não se pode comprar. Eu queria que meu filho entendesse o meu ofício e a extensão do que fiz“. Seu sofrimento surgia da profunda incapacidade do seu filho perceber a mulher que se escondia por detrás de sua mãe. O trabalho maravilhoso que realizou por décadas, aliado ao seu sacrifício pessoal e familiar, pouco contavam em sua perspectiva de filho. As honrarias, os prêmios, os livros escritos, as infinitas citações ao seu trabalho jamais sensibilizaram o menino – agora homem – para a importância que sua mãe teve na vida de tantos outros que não ele.

Para as outras duas amigas o fechar de portas veio sem muitas explicações, mas talvez ligado às mesmas dificuldades descritas acima. Jovens senhoras encontram no silêncio dos filhos a dor mais profunda a suportar. As explicações para esse afastamento são vagas, imprecisas, falsas ou produções fantasiosas para ocultar uma verdade que eles sequer entendem. Mas a dor não é fantasia; ela é real, ardida, renitente, corrosiva.

Talvez esse seja um dos mais importantes desafios para as mulheres libertas do século XXI. Se antes esse vínculo era profícuo e estimulado pela cultura, a saída de casa deixou a todos atônitos. Muitos nos preocupamos com os homens, despreparados para a liberdade conquistada a duras penas pelos movimentos emancipatórios. Entretanto, agora os filhos precisam se preparar desde cedo para a realidade de uma mãe que não estará mais ao seu dispor 100% do tempo. Para os que estavam desprevenidos o ressentimento parece ser a única alternativa, mas espero que as próximas gerações estejam mais preparadas para as novas funções da mulher na sociedade.

Tenho fé que essas minhas amigas um dia possam receber dos seus filhos o reconhecimento pelo sacrifício amoroso que fizeram em nome de causas tão nobres.

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