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Ode ao parto

 

Nós, os humanistas do nascimento, não temos interesse em tratar o nascimento fisiológico, também chamado de “parto normal” (mas que, infelizmente não se expressa de forma “normal” no mundo contemporâneo), como se fosse um bem, uma commodity a ser adquirida com qualidades acima das concorrentes. A humanização do nascimento não se propõe a isso, e quem preferir entender nossas palavras como uma “ode ao parto natural” então as leu de forma equivocada. O que pretendemos é lançar um contraponto à alienação que a cultura contemporânea propõe pela intromissão excessiva no fenômeno do nascimento. A evidência de hospitais brasileiros com quase 100% de cesarianas está ACIMA de qualquer discussão, mas curiosamente a própria sociedade (com exceção dos poucos humanistas) não os acusa de propor uma “ode às cesarianas”, esta sim, sem dúvida.  

Parece que escutamos as palavras proféticas de Bertold Brecht: “Dos rios dizemos violentos, mas não chamamos violentas as margens que o oprimem“. Dos humanistas “temos medo”, com sua “ode ao parto natural”, mas não temos pânico de ver uma cultura endeusar a tecnologia e desprezar a capacidade feminina de gestar e parir com segurança. A destruição sistemática de uma capacidade humana como o parir, e o desprezo pelas milenares habilidades de cuidar do parto humano, não causam medo em muitas pessoas, e a invasão tecnológica no parto, sem que ela ofereça melhorias na atenção, é saudada com o nome de “progresso”. Por favor, permitam que nos escandalizemos com isso. Escutem o que temos a dizer, antes de nos condenar por um ingênuo conceito de “fanatismo”.

Por outro lado, percebemos sempre, e de forma padronizada, o mesmo discurso, em qualquer lugar: “Eu fiz cesariana, não sou menos mãe por isso, e se não a tivesse feito teríamos morrido, eu e meu bebê”. Mesmo reconhecendo que essa frase pode estar correta (existem cesarianas que são realmente salvadoras) a sua multiplicação nas inúmeras vozes femininas, para muito além do que seria de se esperar, apenas nos demonstra que ela é usada para camuflar uma verdade que se esconde por detrás de tais palavras. Em verdade, poucas dessas cirurgias seriam justificáveis à luz da medicina baseada em evidências, mas quase todas as mulheres se agarram a esta explicação sobre a necessidade de suas cesarianas (muitas vezes cômica) como quem se agarra a um pedaço de madeira, depois do naufrágio. A explicação do médico cesarista parece, muitas vezes, o suporte para manter a autoestima quando ela parece querer afundar. Por isso é que eu acho compreensível a dor que se expressa com certa crueza nas palavras de mulheres que fizeram cesarianas e que suspeitam, mesmo que secretamente, que não havia, para elas, uma real necessidade.  

Para terminar, quero deixar claro que “retrógrado” é o discurso alienante de não discutir a invasão de corpos e mentes por uma ideologia que considera as mulheres inferiores, e seus corpos defectivos, anômalos e imperfeitos. Retrógrado é olhar para as cesarianas desmedidas, a mortalidade materna aumentada, a violência institucional praticada contra as gestantes e ficar em silêncio, apenas por uma promessa inconsciente de calar-se diante da violência que também sofreu, mas que teme confessar.  

Para melhorar o nascimento é necessário modificar o mundo ao redor, e o primeiro lugar a fazer isso é o interior de nossas mentes, pois que o nascimento, em verdade, é algo que ocorre “entre as orelhas”.

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