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Torcidas

Quando eu era criança e adolescente nos anos 70 aqui em Porto Alegre o Inter reinava soberano no RS. Era um time muito bom, a geração Falcão, Batista, Figueroa, Lula, Valdomiro, etc. Não só isso; tinham construído um estádio moderno depois de 15 anos vendo o Estádio Olimpico empilhar campeonatos com os times gremistas de Alcindo, Juarez, Lumumba, Airton Pavilhão, Joãozinho, Babá etc. Pois no mesmo ano que o estádio foi inaugurado inicia-se uma “senda de vitórias” com um time colorado que fez história. Quando da inauguração do estádio foi colocado na marquise a famosa frase “A maior torcida do Rio Grande do Sul”. Na época ninguém reclamou oficialmente, porque o sucesso da época – e o estádio cheio – nos faziam pensar assim.

Todavia, este tipo de impressão – sem avaliação metodológica – era o que regulava os conceitos na era pré-científica. Quando finalmente surgiram as primeiras pesquisas, cientificamente controladas, sobre o tamanho das torcidas, os resultados mostraram (além da grandeza de Flamengo e Corinthians no cenário nacional) que a torcida do Grêmio era bem maior do que a do Inter. O resultado da investigação foi um choque na imprensa da província. Foi surpreendente até aqui entre os torcedores da aldeia, e os colorados, em especial, ficaram estupefatos. Eles realmente acreditavam ser a maior torcida, porque nos anos 70 foi uma festa com Beira Rio, octa, tricampeonato CBD, etc. Parecia mesmo uma torcida grande e, mais importante que isso, maior que a do rival.

Eu ainda lembro do dia que a pesquisa bombástica do Ibope saiu e lembro ainda mais da manifestação do Cacalo no Sala de Redação. O Kenny Braga respondeu dizendo que era mentira, e o que valia mesmo era quem frequentava o estádio. Colocou a cabeça na terra e não quis encarar a realidade. Aliás, os colorados até hoje usam essa retórica, questionando “o que seria considerado um torcedor?”. A verdade é que durante os anos seguintes, e durante as décadas que se seguiram, todas as pesquisas mostraram uma superioridade da torcida do Grêmio sobre a do Inter. Mais ainda, isso se expressa em todas as camadas sociais, desde os muito pobres até os milionários. O Grêmio domina a preferência tanto da torcida da periferia afastada do capitalismo até a mais abastada centralidade da burguesia.

Hoje ninguém mais questiona a superioridade numérica da torcida tricolor. Ainda existe uma guerra de sócios, mas todos sabemos que, apesar de importante economicamente, isso é secundário para avaliar o tamanho da torcida. Entretanto, isso não torna pequena a torcida do Inter; ela é a 8ª ou 9ª maior do Brasil, uma massa enorme de gente que torce por um time. Porém, a ciência das pesquisas resgatou uma verdade histórica que sucumbia a uma narrativa sem embasamento na realidade dos fatos: o Grêmio é a maior torcida do Sul do Brasil.

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Torcidas Ferozes

Apesar de ter colocado aqui a imagem de uma torcida paulista – envolvida em inúmeros atos de vandalismo e violência – cujos torcedores continuam presos na Bolívia, não vejo nenhuma diferença substancial entre as torcidas do Corinthians, do Palmeiras, do São Paulo e a maioria das que existem pelo Brasil. Na verdade elas todas se assemelham em suas origens e forma de expressão. A paixão é o adubo, mas um caráter débil é o solo fértil onde vão germinar as ações abusivas e carregadas de ódio. Sou um gremista “moderado”, e aqui no sul as torcidas dos nossos clubes ainda não chegaram à sofisticação de vandalismo e marginalidade das paulistas, mas caminhamos celeremente para isso. É necessário que algo seja feito a respeito da atuação de torcedores que extrapolam sua ação como espectadores, para que as famílias e os cidadãos normais possam voltar a gostar de futebol. Busco na psicanálise a minha explicação para esse fenômeno: o participante de uma torcida organizada – normalmente medíocre, marginalizado e uma espécie de humilhado crônico de periferia – pretende tornar-se protagonista do espetáculo que frequenta, e faz isso através de sua ação violenta. É como se, ao ver os jogadores usufruindo de dinheiro, fama e mulheres pelo futebol que jogam, ele pretenda também associar-se ao show; assistir o sucesso dos outros é complicado demais para quem é apenas um figurante no espetáculo da sua própria vida.

Para além disso, existe um fenômeno mais contemporâneo e, todavia, mais grave: a profissionalização dos torcedores. Assim como ocorreu de maneira catastrófica com as “barra-bravas” argentinas – que estão levando o futebol do Prata à decadência acelerada – aqui no Brasil também se vê torcedores que “gerenciam” a torcida, cobram propinas, assumem a venda de materiais pirateados do clube, controlam o transporte de torcedores para outras cidades, formam verdadeiras quadrilhas e usam a violência como “modus operandi”. Estas ações “empresariais” se assemelham àquelas dos “hermanos” de Boca e River. Lá, como é sabido, as torcidas mandam nos clubes, e atuam de forma criminosa. O entorno do estádio “La Bombonera”, por exemplo, é controlado por “flanelinhas” que trabalham para os poderosos da torcida organizada do Boca Juniors, e tudo isso com o beneplácito da polícia, que não tem força ou vontade política de acabar com essas arbitrariedades. No rival, o River Plate, há poucos anos ocorreu o julgamento pelo assassinato de um líder de torcida, morto pelos rivais da MESMA torcida, em uma luta fratricida pelo poder no clube. O resultado já sabemos: estádios com meia-torcida, e o futebol argentino cada vez mais pobre e sem craques (estão todos na Europa ou no Brasil).

As torcidas organizadas são, por fim, o possível prenúncio da morte do futebol como nós o conhecemos. Talvez no futuro o futebol seja um espetáculo circense, tipo “Malabaristas Chineses” ou “Circ du Soleil”, que alguns admiradores assistirão em “teatros ovomaltinados”, sem paixão e sem interesse pelas cores de uma camiseta mítica, já que torcer pelo time do seu coração deixou de ser possível pela privatização do amor clubístico, através da ação de torcidas organizadas ferozes e criminosas.

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